REVISÃO DE TEXTOS, INCOMPLETUDES (um estudo em andamento)
*Tânia Maria da Conceição Meneses Silva
Comecemos pela figura do autor, o principal elo desta corrente incompleta. O primeiro e mais importante revisor é o produtor de um texto, quer escrito, quer oral. Aquele sujeito do discurso desprezado, o texto físico, escrito ou oral, é o primeiro com quem um escritor interage, se relaciona. Em seguida, o autor dialoga consigo (torna-se o seu primeiro leitor) e, além disto, com os seus imaginados leitores e ouvintes. Já temos aí uma mesa redonda da qual participam o revisor, o texto escrito, o texto oral, o autor e primeiro leitor e ouvinte, e os supostos leitores/ouvintes.
E quem é o autor, nesse contexto? Alguém cujo entendimento principal é o de que um revisor é aquele que revisa a gramática e o emprego de suas duras leis em um texto escrito. Atualmente, a exigência gira em torno de modificações trazidas pelas regras da Nova Ortografia. O autor de qualquer gênero textual tem e precisa ter algum conhecimento dessas realidades circundantes da produção textual escrita. Mas, digamos aquele velho ditado, “gato com dois sentidos não pega rato”.
Tomemos o exemplo de algum escritor que esteja imerso em um processo de elaboração de um romance. Agora, cada um se pergunte se esse sujeito, pensando no local da cena, na época, na construção de personagens, na trama que está sendo traçada, nos diálogos e tanto mais: esse escritor vai ter como, enquanto trabalha, deter-se em detalhes de acentuação, pontuação, construção sintática, regência e concordância verbal? Claro que não conseguirá. Ele se encontra dominado por sua criação e trabalha absorto. O mesmo dito aqui e muito mais se pode afirmar sobre a poesia, o texto científico, enfim, sobre todo e qualquer tipo de texto. Depois de muito trabalhar até finalizar sua obra, o escritor está esgotado e precisará de revisar aquilo que escreveu.
O texto produzido tem personalidade e autonomia, ele cria asas e voa bem para longe. Para além do horizonte. O produtor de um texto precisa, portanto, escrever, ler (em silêncio e, também, em voz alta), ouvir atentamente a própria voz, conversar “com seus botões” e tentar entender o diálogo que produz, como também precisa ouvir e presumir a resposta de seus leitores. Nesse momento, o autor corre o risco de monologar; de pré-julgar as reações de quem o lerá/ouvirá e, dessa forma, sem que o saiba ou sinta, torna-se autor e público leitor (ou ouvinte).
Há, ainda, a necessidade de um autor em compreender que produzir um texto é também o traduzir, tanto para si quanto para todos que ele supõe terão acesso ao que escreve ou fala. Nesse sentido, quem ocupa o lugar do primeiro revisor é ele mesmo, o criador de um texto.
E por que estamos nos reportando ao texto oral? Justo porque é deixado de lado por se ter desenvolvido a cultura de ser o texto escrito o dono da situação. Aí está um problema a ser tratado. Quando alguém é convidado a ministrar uma palestra, uma conferência, a primeira preocupação é a de traçar um roteiro com vistas a que o palestrante/conferencista não fuja do tema, enveredando por estradas secundárias ou terciárias que o distanciarão do objetivo a que se propõe e, ainda, confunda os assistentes/ouvintes de sua fala. O improviso não é um discurso recomendável, exatamente porque é mestre em criar confusões.
E quanto ao caso de gêneros textuais como a poesia? Ao que parece a não poetas, é que o texto poético seja tão somente um produto da imaginação e, como tal, não se submeta a planejamentos, revisões e reajustes. Enganam-se os que assim se comportam. O que diríamos, em especial da forma poética do soneto clássico? Esse tipo de obra poética é resultado até de cálculos numéricos, além de envolver muitos outros aspectos estilísticos.
E quanto às narrativas? Há diversos tipos de narrativas. O texto de pesquisa histórica é uma narrativa comprometida com a pesquisa científica e que versa sobre o que se imagina haver ocorrido em determinada época, quanto do que ocorre agora. A narrativa literária é ficcional e seus personagens são fictícios, ainda que nascidos ou inspirados na vida real. A narrativa é um gênero complexo e merece debate incansável.
Revisor, quem é você? revisor de quê? Vivíamos num universo onde predominava o papel. Agora estamos imersos em um universo digital, de som, imagem, cor e movimento, exposto imediatamente à opinião do mais cruel revisor, o internauta. É ele quem comparece em sua postagem para ensinar o uso dos porquês e outras perfumarias da penteadeira da primeira dama da língua e da linguagem, a Gramática Normativa. Por mencionar a Gramática, ela é sempre entendida como a que manda e comanda a língua escrita, outro engano, “fale errado” e logo você entenderá. Continua tudo funcionando e valendo, o papel e a tecnologia digital com os seus incontáveis e imprevisíveis recursos. E Sua Majestade, o Revisor, ali, de plantão, seja preparado ou não para a difícil tarefa. Esta reflexão, a partir do parágrafo seguinte, se dedica aos aspectos da revisão do texto escrito e suas incompletudes.
Quem é o revisor? Trata-se, em primeiro lugar, de um sujeito que, por diversos motivos, é procurado para “corrigir” um texto, quer em prosa ou em verso; quer um romance, quer um jornal, quer um texto acadêmico. Na opinião de Rosa; Gonçalves (2014), importa abrir espaço para se notar uma profissão que permite melhorar textos, quer científicos ou não. As autoras alegam que os produtores dos textos, dificilmente retornam a lê-los e isto pode manter erros e outros equívocos de diversas ordens em suas obras. Isto significa dizer que “o profissional revisor realiza uma leitura crítica com foco na melhoria da escrita, para que o próximo leitor não tenha dificuldades, para facilitar a via autor versus leitor” (ROSA; GONÇALVES, 2014, p. xx).
Em geral, forçosamente, o revisor é alguém tido e havido como perito na condição de conhecedor, expert no uso da língua portuguesa (ou de outras, claro). É um professor da disciplina Língua Portuguesa, graduado em Letras. A partir daí e do que demonstra conhecer e fazer, esse profissional se torna reconhecido e recomendado. Em geral, um professor nesse perfil não lida bem com orçamentos e, na maioria dos casos tem algum prejuízo, sendo que em poucos exemplos, o seu trabalho é até bem remunerado.
E o que é revisar? Convém deixar bem estabelecido que o ato de revisar é bem mais amplo e que apenas o Curso de Letras não é o suficiente para tornar alguém revisor, mesmo porque essa graduação tem como objetivo formar docentes. Há cursos de Pós-graduação em Revisão de Textos, mas, o que vai mesmo aperfeiçoar é a leitura e decodificação do mundo, das simbologias, dos códigos e das diversas áreas de conhecimento. E a prática. Para completar, o revisor é o profissional que se relaciona muito bem com o hábito da leitura e que sente prazer em ler o que lhe é entregue para revisão, o que, ousamos adiantar, o torna uma espécie de coautor. Frise-se que seu trabalho tem um perfil de coxia, não sendo lembrado depois de o livro lançado, sequer pelo seu autor.
Revisar é um exercício também dramático. Quem revisa mergulha num contexto que lhe é estranho. Então, ele vai precisar ambientar-se, compreender aquele mundo novo em que se move. E, por se mover e tentar decodificar os sentidos e significados, quem revisa logo se apega ao texto, passa a vibrar com a trama, no caso das narrativas. Passa a se envolver nas descrições, às vezes até querendo dar-lhes mais detalhes. Nas dissertações, quer também argumentar. O ato de revisar lida com todas essas situações e tem como obrigação manter-se num molde no qual não interfira na linha mestra do escritor. Diga-se de passagem, que também não pode alhear-se totalmente desses itens. Ou será tão somente uma revisão ortográfica, gramatical e superficial, portanto.
O que é a revisão mais abrangente? É uma modalidade de trabalho que ultrapassa a própria língua, neste caso a portuguesa. Preocupa-se com aspectos linguísticos, estilísticos, semânticos, sociais, históricos, sociológicos e, também, da área de conhecimento a que determinado texto pertença. Entendemos que, para um revisor que coisa alguma entenda de Matemática, Física ou Química, o mais acertado é não assumir a revisão. Uma simples vírgula pode colocar tudo a perder.
Um revisor também é um tradutor? Sim, ele traduz o pensamento do autor, buscando alcançar-lhe o máximo de compreensão. Guimarães Rosa mantinha contato com seus tradutores para orientar-lhes na difícil missão de verter para alguma língua estrangeira o seu Grande sertão: Veredas. E, por falar nisto, pense aí se você se meteria a revisar o Rosa. Um revisor desavisado vai, com toda certeza, tentar trazer para a norma culta as obras regionalistas e linguajares locais, manifestações culturais legítimas.
Então, pode parar com sua mania de gramático. Guimarães Rosa era também médico. Quer revisar, saberia revisar um texto científico sobre a Medicina? Mas, não fique apavorado, revisor, você tem dicionários especializados e muito material de consulta, inclusive nos sites especializados existentes na Internet. Vai valer o seu critério, o seu discernimento e perspicácia. Em caso de dúvida, converse com o autor.
Só se faz uma ou duas leituras de um texto para considerá-lo revisado? Não, não e não. Melhor não citar números, mas leia exaustivamente, muitas vezes. Não se dê por vencido e não deixe o seu autor fugir, pois ele mesmo colocará a culpa no revisor, e no digitador, sempre!
Entenda-se, no frigir dos ovos, que revisão é um fazer repleto de incompletudes. Não há perfeição possível, mas há um patamar de qualidade. A revisão é viciante, nesse caso, você pode revisar este meu texto. Fique à vontade.
REFERÊNCIAS
https://www.researchgate.net/publication/334687401_A_revisao_de_textos