Interpretação de um sonho e a "devastação" em Lacan

*Por: João Paulo da Silva Pereira*

*Resumo*

Interpretação de um sonho que se enquadra na configuração angustiante pela irrupção de um Outro gozo não limitado pela elaboração simbólica.

*Palavras chaves:* Angústia; Tensão; devastação.

*summary*

Interpretation of a dream that fits into the distressing configuration due to the eruption of an Other enjoyment not limited by symbolic elaboration.

*Key words:* Anguish; Voltage; devastation.

*Anotações antes de iniciar o relato:*

*Palavras da paciente*

1- "...Eu sou cristã e acredito que papai do céu guarda meus sonhos" _ *Com uma entonação de observação.*

2- "Eu acordei bem tensa desse sonho" _ "Acho que com medo, *tensa*, uma energia negativa… *tensa*".

3- "Eu acredito que esteja relacionado a minha crise de ansiedade, não sei".

*Sonho propriamente dito:*

1- "Eu estava com uma amiga, no *banheiro* conversando"_ Personagem amiga _ Interação com o sujeito : Conversar

2- *Mãe* atravessou parede _ Personagem mãe

3- *Ela tentou atravessar, mas não conseguiu.*

4- *Amiga* atravessou a parede _ Personagem amiga

5- "Eu não consigo atravessar a parede" _ Paciente

6- "Para tu atravessar essa parede, tu precisa se amar" _ *Amiga*

7- *Atravessou a parede.*

8- "Conheceu um cara, maior de idade [...], ele tinha conhecimento do outro mundo"_ *Personagem adulto*

9- Mundo *depressivo, melancólico e tenso.*

10- Viu a cidade antiga onde morava, escola e pessoas, *tudo estava cinza, inclusive as roupas das pessoas.*

11- A *escola* tinha *mais grades.*

12- Pessoas antigas que ela já conhecia [...], só existia *mensagens* novas, as *antigas estavam apagadas.*

13- "Aquele velho [...]" Ele já conhecia aquele lugar, e por isso saiu de lá, *"era tudo muito torturante"* _ *Personagem adulto*

14- Ele disse a mesma coisa, "para você sair daqui, você precisa se amar" _ *Personagem adulto*

15- Quando ela voltou, a amiga dela havia *mudado*, para uma *alienígena, ele não mudou.*

16- Ela tocou em seu corpo e perguntou se ela estava normal, a amiga respondeu que sim _ *Isso se repetiu mais de uma vez*

17- *Sujeito adulto de terno* _ Personagem adulto parecia ter *controle do local*

*Interpretação*

O sonho se inicia com uma conversação no banheiro, local : Banheiro. No mínimo, curioso. Antes de iniciar o relato do sonho, vimos uma amostra dos adendos realizados pela paciente, a primeiro momento pode ser visto somente como uma observação para evitar um possível julgamento. A relação que ela tem com o personagem amiga, é conversar. Ambas estavam sentadas no chão, quando de repente sua mãe aparece atravessando a parede. Essa cena, onde sua mãe atravessa a parede, facilmente a torna uma cena muito intrigante, e facilmente torna a mãe uma personagem central, e um sujeito significante, ou um possível "significante". Depois temos o personagem adulto, de idade um pouco avançada, de terno, que mostra conhecimento sobre o local, ou melhor, "outro mundo", logo após a paciente atravessar, com um motivo intrigante, ou frase que outrora se repetirá, que inicialmente é proferida por sua amiga, a personagem amiga que se torna "sujeito"[obs], por permanecer até o fim do sonho, e/ou por desempenhar papel fundamental. "Você deve se amar" frase proferida por sua amiga, logo após a paciente fracassar em tentar atravessar a parede, onde sua mãe com facilidade conseguiu. O sujeito adulto desempenha posteriormente _ quando a paciente consegue atravessar a parede _ o papel de alteridade, do Pai, pelo seu conhecimento do local, possível controle dele, de alguma forma, pela sua idade já avançada, e pelas suas roupas coincidirem com as de seu pai _ quando trabalhando.

O outro mundo era um lugar depressivo e tenso, simbolizado até pelas cores cinzas, inclusive sua escola, onde havia "mais grades do que antes". A paciente estava submetido ao conhecimento do sujeito adulto, e suas mensagens antigas foram apagadas _ possível nova identificação dada a presença do sujeito adulto, no qual faz sua presença, já alegando conhecimento do "outro mundo", repito, melancólico e tenso.

Quando volta, sua amiga havia se transformado, em uma alienígena _ observe essa palavra com atenção. Depois confere se seu corpo está normal, mais de uma vez _ grande surpresa _ e onde também observa que o corpo do sujeito adulto estava também normal. Se a causa dessa transformação foi o fato deles terem saído daquele mundo, depois do Sujeito adulto proferir as mesmas palavras que sua amiga proferiu, não faria nenhum sentido sua amiga ter se transformado, logo, não faria nenhum sentido ela conferir se estava normal, e se ele também estava.

*Explicitando*

Quando se pensa em um local privado, dois possíveis locais brotam de imediato em nossa cabeça, quarto e banheiro. Existe algo mais privado do que tomar banho? Penso que não, e por isso, esse local se torna extremamente intrigante. O fato da mãe atravessar a parede, pode ser visto como presença onipotente da mãe, ou seja, do sujeito castrador _ até se dar conta de que já estava assim. Possivelmente dado o local, desse mais de gozar _ pela identificação com o sujeito sexuado, um local seguro e íntimo em suas realizações _ vide fisiológicas. A identificação da mãe como, "...de quem, como mulher, ela realmente parece esperar mais substância que do pai", dada a devastação em Lacan. Podemos supor um identificação pela via imaginária (até o presente momento), e tomando de maneira pontual, Lacan (2003[1961-1962], p. 13) nos esclarece no Seminário 9 que "o importante na identificação deve ser, propriamente, a relação do sujeito com o significante", pondo, assim, em afastamento a noção da identificação tomada pela via imaginária (a imagem que me identifico). A identificação é de significante e isso se faz evidente na medida em que consideramos a função dos efeitos do significante na constituição do sujeito. Baseando-se nesta formulação, André (1998) argumenta que "uma identificação imaginária só se estabelece como semelhança do sujeito se puder se apoiar sobre o traço simbólico, que é um 'traço unário' "– algo como o significante mínimo que o sujeito contrai do Outro para pôr em ordem sua identidade. Explicando, assim, o distanciamento da paciente com o "sujeito" amiga quando voltou do "outro mundo", mas o que seria o outro mundo? E qual o papel realizado pelo sujeito adulto nessa ida para o outro mundo, e retorno?

O outro mundo pode ser visto como lugar onde se encontra suas tensões, em não conseguir simbolizar o gozo feminino, ou seja, os recalques no pré-consciente, distorcidos ao ponto de deixar somente sensações. O sujeito adulto se assume como o significante da sexuação e estabelece a diferença entre a identificação imaginária, e a do significante. E assim podemos enxergar perfeitamente o que significa a frase, "você precisa se amar", estabelecendo a distinção de como via sua amiga antes de voltar do "outro mundo", e quando voltou com o sujeito adulto. Sendo assim "resoluto" a "catástrofe" pela posse do falo.

*Considerações finais*

Dada a complexidade do tema, tive que tomar posse do estruturalismo na psicanálise Lacaniana, em específico, o conceito de devastação. Dado o pouco contato que tenho das ideias Lacanianas, desde já peço perdão se algum erro conceitual cometi. Adendo, dada a relação triangular sobre a ótica do complexo de Édipo, Freud outrora pensou sobre a identificação da menina como mulher, e posteriormente como mãe, diante do destino do falo na mulher, tendo o desejo do fálico substituído pelo desejo do filho. Sendo a relação de mãe e filha regida pela dinâmica amor e ódio, assim sendo, foi desenvolvido o conceito de "catástrofe".

Diante de inúmeros debates que muitas psicanalistas fazem sobre o papel central do falo para a constituição da lei e do sujeito na psicanálise, ressalto a importância central da psicanálise como uma ferramenta incrível desenvolvida por Freud através de clínica e teoria para a compreensão da neurose e psicose, claro, como primeiro contato, e como principal problema a histeria. Vale também ressaltar que o uso da metapsicologia desenvolvida por Freud se dar por causa da ineficácia de uma abordagem neurofisiológica. Tendo posteriormente a obra, projeto para uma psicologia científica, como uma tentativa de restabelecer seu vínculo com as ciências naturais, sobretudo, e em específico, a neurofisiologia. Sendo que em nenhum momento Freud abandonou uma abordagem mais naturalista, sendo que por esses e outros motivos a obra Freudiana, sobretudo, a metapsicologia, pode ser vista em última instância como uma metáfora para se subscrever, em muitos casos, a neurofisiologia. Tendo feito esses adendos deixarei algumas referências que fazem jus a esse tema. Concluindo, vimos que esse sonho pode ser um exemplo clássico da tensão, e possível resolução do que Lacan chamou de devastação.

*A fim de aprofundamento*

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932012000300014

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482009000200006#:~:text=uma%20certa%20relatividade.-,As%20concep%C3%A7%C3%B5es%20de%20Freud%20n%C3%A3o%20s%C3%A3o%20sempre%20as%20mesmas%2C%20e,no%20sentido%20foucaultiano%20do%20termo.

Sobre o campo amoroso: um estudo do amor na teoria freudiana

Amar o Outro em Freud

Ines Helena Madruga Nunes | Janeiro/2012

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-32832008000200016&script=sci_abstract&tlng=pt

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-02922014000100017

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142010000100005&script=sci_abstract&tlng=pt

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2016000200013

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582011000100009

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000200009

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662011000100004&lng=es&nrm=iso

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-72032013000200001

Oaj Oluap
Enviado por Oaj Oluap em 08/11/2020
Reeditado em 28/08/2022
Código do texto: T7107046
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