NARCISISMO POLÍTICO, PODER E POLÍTICA
Lúcio Alves de Barros
É de causar ojeriza as “novas” e “velhas” relações no campo da política no Brasil. O país se acostumou aos escândalos, manipulações, mentiras e as falcatruas de toda ordem. A população, ignorante, cega e surda é incapaz de configurar, avaliar, perceber ou mesmo de apontar para profundas mudanças no campo das instituições responsáveis pelo controle da corrupção. Não cabe romantismo nessa questão. O fato é que a corrupção é algo normal e faz parte da natureza das sociedades. O problema reside é na sua continuidade, na sua banalidade e nos contornos históricos e patológicos que tomou, principalmente, no Brasil. Peguemos o caso do Senador José Renan Vasconcelos Calheiros. Não é preciso ir longe para verificar que o famoso senador é, de longa data, figura já conhecida no cenário patrimonial brasileiro. Oriundo de Alagoas, filiado ao PMDB, e participante da base governamental, o senador da república fez parte da bancada que apoiou o ex-presidente Fernando Collor de Mello, foi Ministro da Justiça no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, Presidente do Senado Federal desde 2005, atualmente com galhardia se mantém no cargo e não poucos foram aqueles que pediram renúncia da Presidência do Conselho de Ética daquela instituição para não se comprometer com o senador.
Sejamos francos: de duas uma, ou o Senador José Renan Vasconcelos Calheiros é um super-homem com grandes poderes de manipulação política e midiática ou possui um montante invejável de capital político que, de uma forma ou de outra, pode ser utilizado contra aqueles que se coloquem no caminho. É muito poder nas mãos de um homem só e, apesar das tentativas de provar a inocência no campo normativo, o senador tem fracassado aqui e acolá, revelando, na esteira de um efeito perverso, mais e mais relações escusas. Todavia, no campo político, tem alcançado boas vitórias. Está aí um bom exemplo para analisar. Os brasileiros escutam, olham as provas nas revistas, nos jornais e na Internet e os fatos continuam tal como se apresentam, como se nada estivesse acontecendo. O espetáculo midiático, recheado de mentiras, ficções, contradições e atores sem nenhuma desenvoltura dão um nó na cabeça dos eleitores que, tal como nas novelas, amam e odeiam os personagem mudando de opinião como se muda de roupas.
Este é o Brasil, um montante de malandros e personagens que nas contingências da vida não sabem se posicionar. Somos loucos, cegos e surdos e amamos o que não vemos e o que não conhecemos. De acordo com a pesquisa CNT/Sensus (junho de 2007), vejamos como anda se comportando a população brasileira: para 76,1% dos entrevistados, o governo Lula será melhor do que os governos que o antecederam. Somente 15,7% acreditam que será igual aos outros e 4,9% defendem que o “novo” governo será pior. Mais que isso, 22,4% responderam que Lula tem uma grande capacidade de montar equipes de trabalho e, nesse caso, não é por geração espontânea que 70,7% apostam que no governo Lula a taxa de desemprego deverá cair. Para 55,5%, o mesmo acontecerá com a inflação, com a taxa de juros (63,2%) e com a corrupção (64,3%).
Se a população brasileira não é cega, é possível entendê-la melhor através de um mito. Pensemos que o narcisismo político, materializado na onda Lula e sua “equipe” não consiga ver outra coisa senão o próprio perfil no lago. Neste caso, é impossível amá-lo, criticá-lo ou mesmo chegar perto senão comungando das mesmas idéias. O governo Lula e sua equipe são intocáveis. Ao povo brasileiro, segue o destino de ser a Eco, uma ninfa da mitologia grega que, apaixonada por Narciso esquece de si mesma e, de acordo com estudiosos do assunto, se transforma em pedra. Em uma outra versão, ela é condenada a repetir as últimas palavras do que os outros dizem. Este é o caso do povo brasileiro: condenado a repetir as mesmas palavras, os mesmos governantes, os mesmos comportamentos, as mesmas versões dos acontecimentos e a mesma realidade política. Vemos como antes a figura do Narciso Calheiros, ou do narcisismo de Fernando Collor, do famigerado Fernando Henrique Cardoso e do antigo e humilde sindicalista Lula. Como a Eco, os brasileiros vivem como pedra. Não escutam, tampouco tem olhos e pernas para mobilização. Pelo contrário, a maioria olha o Narciso e o preserva em sua “beleza”, a ponto de dividir Lula e o PT, Lula e Calheiros, Lula e mensaleiros.
De qualquer modo, a questão é óbvia: Eco não tem o poder de chamar atenção de Narciso. No Brasil, o Narciso político, ao contrário, a encanta, a embala de história e continua a amar a sua própria imagem. Intrinsecamente, o poder só encontra limites em outro poder e este inexiste. É um absurdo a manutenção desse estado de coisas. Há uma saída: tentemos de toda maneira acordar, pedir, solicitar, gritar para que Calheiros e outros envolvidos em corrupção acordem, deixem o cargo para que se possa realmente apurar a verdade. Peçamos às autoridades públicas, a “caridade” de exercer a contradição dos poderes para que se criem limites, controle das esferas públicas, a cultura do razoável, princípios em favor do Brasil e de valores que mantenham a Eco viva e maravilhosamente em movimento.