Huck, nós e Ferréz
Hoje me pego indagando o que tenho a ver com a discussão travada entre as vertentes Luciano Huck e Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz. Em princípio, nada, porque não me perfilo com um nem outro. O fato é que, entre mundos tão antagônicos, estamos todos nós, que não somos globais nem carregamos Rolex, tampouco fazemos correria ou fitas de oitão na mão.
Entre eles, está toda uma nação ao sabor dos ventos, ao sabor da vontade política, sob jugo de governantes incompetentes, de falsos líderes, bandidos engravatados; margeada por anões, sanguessugas, mensaleiros, latifundiários, caudilhos, coronéis, além de pseudo-advogados, pseudopoliciais, pseudopromotores, pseudojuízes, pseudo-religiosos, pseudopessoas...
Quando vejo o senhor Luciano Huck, famoso, apresentador, presidente de ONG, bem-nascido, bem-alimentado, bem-casado, bem-montado na vida, dizer que, por filosofia, aboliu o carro blindado — mas não aboliu o rolex —, e que não queria isso para sua cidade, concluo que o extraterrestre, na verdade, é ele. Foi necessário a água bater-lhe no traseiro para perceber que a coisa vai mal ou, pelo menos, declarar que percebeu? Precisou de um 38 na testa para enxergar isso? Talvez seja essa então a fórmula para o Brasil. Quem sabe um 38 na testa de cada político não lhes ajudasse a perceber onde estão, e para que estão.
Estive pensando se o digníssimo comunicador não seria uma boa solução para os problemas desta cidade, talvez do Estado... Por que não do país? Afinal ele sabe como acabar com os assaltos a transeuntes e motoristas em apenas trinta dias. É fantástico! Além disso, seus dias são a pensar em como fazer as pessoas mais felizes e o Brasil mais bacana. É perfeito... Mas, pensando melhor, acho que seria temerário... Imagine o Mano Brown — “rá-tá-tá-tá” — de Secretário Nacional de Segurança Pública ou o Lobão da “Vida Bandida” como Ministro da Cultura. Já o mauricinho João Dória Júnior, ao pisar no Ministério do Turismo e ver a situação, é capaz de gritar antes da posse: Cansei!
Em contrapartida, não poderia, jamais, dizer que compactuo com as justificativas do colega escritor Ferréz para a questão da violência. “Ventriloquar”, na boca do correria que é melhor viver pouco como alguém do que morrer como ninguém é repugnante. A sociedade, de fato, é injusta, a nossa moral é falha, os valores, quebradiços. A mesma mensagem do “ter para ser” invade tanto as favelas quanto a “burguesia”. A diferença está no papel dos pais, que podem ser decentes ou não, em qualquer nicho.
Lamento que a escola de qualidade não alcance a população carente, lamento que seja necessário dinheiro para adoecer, até morrer. Lamento que a polícia não tenha quase acesso ao cerne das favelas, que a cultura as esqueça, que o Estado ali seja figura apenas quimérica. Lamento tudo isso, mas creio que as vozes que alcançam a mídia devam ecoar para gritar contra o descalabro que vivemos, contra o abandono de nossa gente, contra a inércia da máquina administrativa, que só faz escorrer os dinheiros pelo ralo; contra os nossos governantes, que, eleitos, esquecem sua função, esquecem os princípios de probidade, a moral, a Lei e passam a legislar para si, governar para si, para o partido, os cupinchas, os lacaios, os parentes... É contra isso e tanto mais que os escritores, os intelectuais, os formadores de opinião devem gritar, e não para justificar a contraviolência praticada pelas “vítimas sociais”.
Ademais, já é hora de acabarmos com algumas hipocrisias sérias que nos acometem dia a dia. Reconheço que haja muitas pessoas que trabalham nas favelas, e já conheci muitas. Mas não podemos negligenciar os fatos. Nas favelas, há pessoas honestas que não compactuam com crimes e, por vezes, denunciam; já vi isso. Há pessoas honestas que trabalham, cuidam de suas vidas e não se envolvem com o local, por medo; todos já viram. Há pessoas que trabalham, vivem suas vidas, mas não abrem mão da ajuda de traficantes — remédios, cestas básicas, segurança, dinheiro — nem deixam de participar das festas, dos churrascos no morro, onde se come muito, bebe-se à vontade, e cheira-se não menos, como a TV mostrou recentemente no Morro do Samba, em Diadema. Na favela, há pessoas honestas que vêem seus filhos sair de casa e voltar com um belo par de tênis, um belo relógio, uma corrente de ouro, e “acreditam” que são apenas presentes ou que foram comprados com o dinheiro de algum “bico”. E ainda há os funcionários do traficante, afinal de contas, ser avião, ser fogueteiro, ser segurança, convenhamos, dá mais dinheiro do que qualquer batente, além de status na comunidade.
Aprecio todas as artes, o cinema, a literatura, a música, mas não agüento mais ver o glamour conferido aos traficantes em novelas, minisséries, filmes e raps. Felizmente, na maioria das vezes, eles morrem. Imagine se sempre vencessem!
Agora quem cansou fui eu. Nem Huck nem Ferréz. Prefiro os sensatos.