POLÍCIA, EXÉRCITO E DEMOCRACIA

Lúcio Alves de Barros (licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre e doutor em Ciências Humanas: Sociologia e Política pele UFMG. Organizador da obra, Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006).

“Não aflige dor um porco a outro um cervo a outro: somente o homem a outro homem mata, crucifica e despoja”! (In: O asno, de Maquiavel (1469-1527))

É no mínimo preocupante a “nova idéia” defendida pelo governo. Em recente entrevista, o respeitado Nelson Jobim, ministro da defesa e ex-ministro da justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, defendeu o uso ostensivo do Exército no campo da segurança pública. Chegou mesmo a cogitar mudanças na Constituição. Realmente, sou um idiota e não entendo nada de política. Mais que isso, estou acreditando piamente que o ovo sai do olho da galinha e não pelo lugar que ele realmente está acostumado a sair. Que fazer?

Creio que para o povo brasileiro, sempre alienado e deitado na sombra da ignorância, nada resta a não ser assistir as artimanhas governamentais. No caso em questão, é mais do que absurdo o uso das Forças Armadas no campo da segurança cotidiana. Se a polícia, treinada para isso, já não dá conta, imaginem como será a segurança com os recrutas do Exército que mal sabem o que estão fazendo.

O Exército, e com ele a aeronáutica e a marinha, há anos não sabem o porque da sua existência. Eles treinam para o conflito aramado no qual se sabe quem é o inimigo, mas essa eterna guerra esperada por tais forças não existe e está longe da existência. E vamos supor que um dia essa batalha venha à tona. Vai ser bastante cômico, pois já não se combate tal como no passado, e, convenhamos, os fuzis já não prestam, os carros de combate são da década de 40 e os treinamentos estão mais do que desatualizados. É um absurdo a idéia governamental. Imaginem um recruta com um fuzil na mão, achando que é “deus”, e com poucos dias de treinamento? Imaginem soldados e oficiais treinados em “matar” gente na infantaria, na artilharia, ou mesmo na cavalaria entrando em aglomerados urbanos ou no centro das grandes metrópoles? Pelo amor de Deus! É o fim do sonho de uma sociedade realmente democrática.

Sinto-me enganado, a despeito das evidências estarem todas ao meu favor. Penso que outros interesses estão em questão. Com o desastre que mostrou ser a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e com ela a ingerência do Estado, nada como agradar às Forças Armadas dando a elas uma pseudo-identidade e função. Posso estar equivocado, mas o fato é que o Exército foi utilizado ostensivamente na Rio 92, nas operações da Rio I, Rio II e, recentemente, nos jogos Pan e Parapan-americanos. É forçoso, contudo, salientar que elas não chegaram, fizeram o trabalho e voltaram. Deixaram elas, o engano de que podem atuar como polícia e, como é sabido, o governo do Rio de Janeiro tem feito de tudo para que elas permaneçam por lá.

O mal-estar reside é na conivência da sociedade, especialmente das elites enclausuradas no poder, e das próprias autoridades que se dizem democráticas. O uso ostensivo do Exército nas ruas nunca cheirou bem nesse país. Mesmo a tal da Força Nacional de Segurança Pública, que deixou um rasto de sangue em algumas favelas do Rio, tem sido grande coisa.

“Um espectro ronda o país”: o espectro da demagogia revestida em autoritarismo, idéias que não saem do lugar, setores administrativos inoperantes, cargos de confiança aos montes, verbas para projetos e mais projetos e de empresários, intelectuais e políticos míopes. Não podemos confundir polícia com as Forças Armadas. Não podemos usar a metáfora da guerra contra a criminalidade “desorganizada” no intuito de legitimar uma força que coloca em xeque os alicerces da democracia. O passado recente é uma outra evidência que tenho a meu favor e não vou gastar linhas para delinear que o uso do Exército não diminuiu a sensação de insegurança nos locais onde atuou, haja vista que ele se colocou nos lugares nos quais a cultura do medo e a banalidade da vida tornaram-se norma naturalizada e não socialmente produzida por séculos e séculos, amém.

Na realidade, novamente assistimos ao Brasil tal como ele é. Para levar sua idéia a efeito o ministro terá que se esforçar para modificar a Constituição. Se depender da opinião publica, esse empreendimento não parece difícil. Todavia, não passa de um erro. Uma nova instância de poder federal nos estados será forjada e mais um dedo do “príncipe” será colocado nas colônias. Para frisar, (espero estar exagerando, tal como muitos cientistas políticos) da demagogia estaremos próximos ao nascimento e maturação da tirania. A idéia não é absurda, haja vista que temos muitos exemplos de que nossa democracia é frágil e qualquer sopro ou indício de problemas é capaz de balançar as instituições brasileiras. É o fim de um pacto social, de um pacto federativo e um chute no estômago daqueles que sabem – e muitos vegetam hoje no poder – o que é um governo tirânico e com forças armadas (ou desarmadas) na mão. Maquiavel (1469-1527), político e historiador italiano, afirmou que um governo se faz com armas e boas leis. Mas disse para um governo virtuoso e não para qualquer governo que teima em se ancorar na sorte e na ignorância dos chamados cidadãos. É o caos, pois o debate esconde uma face suja do reinado que ora se instalou no poder. Fala-se em democracia, mas não se leva ela a sério. Fala-se em justiça, mas não se sabe o que a palavra significa. Tentam salvar e fazer valer a Constituição, mas a transformam em um papel higiênico e em um mito, longe da realidade e da força que ela deve ter.

Estamos cegos e surdos e, em tais circunstâncias, que venham as forças armadas para combater o crime “organizado” e aumentar o índice de homicídios nas grandes cidades (notadamente nas zonas pobres e quentes de criminalidade). Vamos esperar a banalização do fazer policiamento, a configuração e a procura de “inimigos”, o aumento constante do encarceramento dos mais desfavorecidos, o fortalecimento do Estado penal e a emergência de um Hugo Chávez, pois já está difícil acreditar que este é um país sério e que pode ser, tal como apregoa a retórica do Presidente, uma grande potência mundial.