Só sei que nada sei

Talvez o título deste artigo seja a frase mais famosa do filósofo grego Sócrates, que repetia nada saber apesar da afirmação do Oráculo de Delfos declarar ser ele o homem mais sábio de toda a Grécia. Intrigado com essa afirmação, Sócrates começou a interrogar os sábios e eruditos da época para mostrar que o oráculo estava errado.

Estudiosos debruçam-se no estudo da ética de Sócrates e, por vezes, afirmam que ao final da leitura de obras de Platão, um de seus principais discípulos, nenhum conceito sobre ética ficara delineado. Ora, como Sócrates afirmava nada saber, seu interesse era aprender com quem sabia e seu método de investigação era estar aberto a todo ensinamento, indagando seu interlocutor para descobrir os fundamentos das ideias defendidas por este. Muitas vezes Sócrates e seus debatedores chegavam à conclusão de que aquele suposto conhecimento construíra-se sobre dogmas ou conceitos não devidamente fundamentados.

Sócrates era incansável e passou toda sua vida com esse ideal, qual seja, estar aberto a aprender. Sócrates queria construir os conceitos em bases sólidas e, para isso, colocou-se na posição de nada saber, como faz uma criança, que começa a indagar tudo, e vê tudo com olhos de quem está descobrindo o mundo.

Se analisarmos bem, Jesus Cristo também mostra a importância de ver o mundo com o olhar de uma criança (Mateus, 18, 1-5, Marcos, 9, 33-37, e Luca, 9, 46-48). Jesus destaca a inocência da criança, sua pureza.

Ora, com palavras diferentes, Jesus e Sócrates mostram a importância de ser criança, de protegê-la das maquinações e mentiras que o adulto adquire com o passar do tempo. Se pensarmos bem, o adulto perde a inocência do olhar de uma criança, perde o brilho no olhar que a criança tem ao descobrir o mundo. Ao perder isso, ao criar em torno de si uma redoma que impede de se mostrar aos outros de forma limpa, clara e direta, o ser humano perde também a capacidade de enxergar o próximo. Ou ao menos tem sua capacidade reduzida.

Talvez aí esteja o grande problema do mundo atual, deixamos de ver o mundo com o olhar de uma criança que se fascina com as menores coisas. E isso acontece porque para a criança tudo é novidade e ela vê o mundo com olhar puro. Muitas vezes há quem pense que a criança é boba. Mas na verdade, não é, pois para ela o mundo não é uma repetição de atos incondicionados, muitas vezes obrigados, que fazemos sem dar valor. Aliás, quantas vezes vemos uma criança afastar-se de um sorriso cínico? Muitas vezes nem o adulto percebe isso, mas a criança sim. Para a criança, a vida é plena, é cheia de desafios e uma grande oportunidade para se tornar melhor. Em outras palavras, é a oportunidade de exercer aquilo que o Oráculo de Delfos tinha em sua entrada: “Conhece-te a ti mesmo.” Será que fazemos isso? Será que não olhamos mais para a vida alheia e esquecemos de dar atenção à nossa?

É verdade que para a criança isso é inconsciente e, nas palavras de Jesus e Sócrates, é necessário que a pessoa se coloque na posição de criança, mas de forma consciente, pronta para aprender e construir valores em bases sólidas. Talvez aí esteja um possível entendimento de outra passagem de Jesus, quando afirma que o ser humano deve nascer novamente (João, 3, 5).

Sócrates mostrava que, ao dizer que nada sabia, para onde colocasse sua atenção, seus olhos seriam sempre de uma criança que descobre o mundo e, como Jesus deixou bem claro, são elas, as crianças, as primeiras a entrarem no Reino dos Céus.

Como vemos o mundo?

Piracicaba, 28 de agosto de 2020.

julianopd
Enviado por julianopd em 03/09/2020
Código do texto: T7053809
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