GOLPE MILITAR DE 31 DE DE MARÇO DE 1964 [ERAMOS VÍTIMAS E NÃO SABIAMOS] - CIDADE DE PRESIDENTE DUTRA NO ESTADO DO MARANHÃO.
O céu era de brigadeiro numa daquelas tardes ensolaradas como tantas outras comuns à aquela época do ano, eu e o meu irmão [Idalgo Lacerda] inocentemente como a maioria das crianças faziam, divertiamo-nos naquele dia com a brincadeira de catar maços usados de cigarros e cuidadosamente abrí-los e formatá-los de modo que imitando parecessem "notas" [cédulas] de cruzeiro [moeda vigente]" no Brasil daquele tempo, quando de repente por detrás logo às minhas costas toca-me a cabeça um soldado de fuzil em punho e uma cena que ficou marcada na minha memória e que jamais esquecerei. O serra delta que chupava a metada d'um limão era na verdade o primeiro do front que havia um cerco sendo anunciado. Cercados, sitiados e humilhados por um verdadeiro batalhão logo escuto o choro e o pranto da minha mãe ecoar pelo alpendre da nossa casa. Cena mais grotesca, foi vê-la ajoelhada aos pés de um oficial do exército [um tenente] brasileiro rogando para que não levassem o meu pai e provavelmente o torturassem e o matassem como era a prática mais comum, mormente, logo nos primeiros dias do fatídico golpe de estado. Éramos vítimas do Golpe Militar de 31 de março de 1964, todos nós, sequer meu pai sabia do que lhe acusavam, apenas notícias que de fora denunciado pelo seu melhor amigo e corregilionário que de forma inusitada mudou de lado, enfim, desertou da luta, e taxado ficou o meu pai de subversivo, comunista, confome consta do documento da Delegacia de Polícia de Presidente Dutra datado de 06 de maio do ano de 1964 subscrito e assinado pelo Suplente de Delegado de Polícia Responsável pelo Esped. Sr. Avelino Moura Fé Bezerra, que ordenou a intimação do meu pai para sua oitiva e depoimento no aludido IPM, nos seguintes termos:
01 - Comunico-vos que, de conformidade com o Ofício número 2-IPM recebido por esta Delegacia , do Capitão José Raimundo Nonato Silva Miranda encarregado de um Inquérito Policial Militar, a ser feito nesta localidade a fim de apurar as ocorrências de caráter subversivo verificadas nesta localidasde Município.
02 - Solicito-vos, pela razão acima, por ordem do referido Capitão, a sua presença nesta Delegacia no dia 7 [sete], hora a ser estipulada pelo Oficial, depois de sua chegada do Município de Tuntum.
Portanto, persona non grata ao regime que ora à força se implantara, uma forma de limpar o caminho a qualquer custo, sem obediência aos preceitos legais, que também já tinham sido à aquela altura da mixórdia pulverizado, banido pelos militares. Contudo diante daquele grotesca cena da qual éramos vítimas diretas, uma santa alma, disso ficamos sabendo depois de muitos anos, passara antes, poucos minutos na nossa casa e que deus o guarde deu um aviso para que o nosso pai saísse dali imediatamente em fuga por que o exército e alguns policiais militares estariam chegando em sua busca dele, e a ordem era para executá-lo, foi o tempo certo, o tempo exato, para que algo pior não acontecesse, e então já tido como foragido do sistema, uma outra santa alma deu-lhe cobertura, escondendo-o dentro de um pequeno armário, isso salvou-lhe a vida, mas não salvou a todos nós de vivermos um drama, o drama de se perder tudo, todos os nossos pertences pessoais, o nosso patrimônio material conquistado com muita lida e labor: algumas linhas de roça; casa, e uma modesta usina de beneficiar arroz, e o que foi muito pior a carreira política do meu pai, que se iniciara como vereador, no recém-criado municípo de Presidente Dutra/MA, antes denominado povoado do Curador. E aqui devo ressaltar por ter sido um grande homem a quem aprendi a respeitar e admirá-lo destacar que o município de Presidente Dutra assim passou a se chamar em virtude de um projeto em homenagem ao Presidente Gaspar Dutra, amigo pessoal do meu tio que também era amigo pessoal de Vitorino Freira, na ocasião prefeito de TunTum, Ariston Arruda Léda, do qual o povoado do Curador fazia parte. Antes, para melhor entendimento, o meu pai Agamenon Lucas de Lacerda, um idealista, uma voz defensora dos camponeses, do campesinato, local, por perseguição, ameaçado, jurado de morte e de prisão por grupos que não o aceitavam, uma forma de manietá-lo, e até aqueles que se diziam amigos, não só transitava com um Salvo Conduto no bolso [documento histórico, como tantos outros que guardo comigo até hoje e gostaria de doar ao Município, através da Câmara dos Vereadores], como também era protegido pela comunidade do campo, que em determinadas situações de ameaça grave a sua incolumidade física, foram para as ruas obter um abaixo-assinado para que o meu pai continuasse empunhando a bandeira das classes menos favorecidas.
Filiado e designado pelo Presidente do Diretório Regional do PSD - Partido Social Democrático para exercer a função de Delegado do Partido Social Democrático, no município de Presidente Dutra, perante o juízo da nona Zona Eleitoral em 13 de agosto de 1962, e já tendo sido eleito e diplomado no pleito de 1958, de acordo com o que constava do dispositivo do artigo 118 do Decreto-Lei número 1.164, de 24 de julho de 1950, com Diploma expedido pelo Presidente da Junta Apuradora sa 46 [quadragésima sexta] Zona Eleitoral do Município de Presidente Dutra, em 06 de outubro de 1958 pelo Sr. Presidente Herschell Carvalho como vereador.
Traído, injustiçado, Agamenon Lucas de Lacerda, morreu em 14 de maio do ano 1987 magoado, perseguido, sem jamais ser reconhecido pela luta travada em favor da comunidade local, pelos serviços prestados ao povo de Presidente Dutra, pois salvo engano, sequer consta nos registros, nas anotações, ou nos anais da história local, alguma referência a este triste e lamentável episódio da história republicana, do qual eu e meu irmão continuamos nas nossas lembranças com aquela figura aterrorizadora daquele soldado com um fuzil na mão chupando apenas uma banda do limão, o que simbólicamente nos faz em tempo de espera pela outra banda, mas não aquela da invasão, da injustiça e da ameaça do soldado, queremos, sim, a outra parte, a pertinente a que se faça justiça realinhando-se os fatos, esclarecendo-se e reconhecendo-se quem verdadeiramente lutou pelo povo de Presidente Dutra, mas todavia, porém, de forma prematura pagou muito caro pelos seus ideais de luta e liberdade ao ser perseguido de forma contínua pelo sistema militar, e mais, com a interrupção abrupta da sua carreira política, logo quando pretendia postular uma cadeira a deputado no cenário estadual.
Assim caminha a humanidade. Parabéns meu pai, ainda que sejam apenas dos teus dois filhos o reconhecimento pelo o homem honrado e político que tu fôstes, ainda assim valeu a pena!
FOTO: SESSÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DA CIDADE DE PRESIDENTE DUTRA NO ESTADO DO MARANHÃO.
serraomanoel - slz/ma - trinidad - 22.10.2007.
O céu era de brigadeiro numa daquelas tardes ensolaradas como tantas outras comuns à aquela época do ano, eu e o meu irmão [Idalgo Lacerda] inocentemente como a maioria das crianças faziam, divertiamo-nos naquele dia com a brincadeira de catar maços usados de cigarros e cuidadosamente abrí-los e formatá-los de modo que imitando parecessem "notas" [cédulas] de cruzeiro [moeda vigente]" no Brasil daquele tempo, quando de repente por detrás logo às minhas costas toca-me a cabeça um soldado de fuzil em punho e uma cena que ficou marcada na minha memória e que jamais esquecerei. O serra delta que chupava a metada d'um limão era na verdade o primeiro do front que havia um cerco sendo anunciado. Cercados, sitiados e humilhados por um verdadeiro batalhão logo escuto o choro e o pranto da minha mãe ecoar pelo alpendre da nossa casa. Cena mais grotesca, foi vê-la ajoelhada aos pés de um oficial do exército [um tenente] brasileiro rogando para que não levassem o meu pai e provavelmente o torturassem e o matassem como era a prática mais comum, mormente, logo nos primeiros dias do fatídico golpe de estado. Éramos vítimas do Golpe Militar de 31 de março de 1964, todos nós, sequer meu pai sabia do que lhe acusavam, apenas notícias que de fora denunciado pelo seu melhor amigo e corregilionário que de forma inusitada mudou de lado, enfim, desertou da luta, e taxado ficou o meu pai de subversivo, comunista, confome consta do documento da Delegacia de Polícia de Presidente Dutra datado de 06 de maio do ano de 1964 subscrito e assinado pelo Suplente de Delegado de Polícia Responsável pelo Esped. Sr. Avelino Moura Fé Bezerra, que ordenou a intimação do meu pai para sua oitiva e depoimento no aludido IPM, nos seguintes termos:
01 - Comunico-vos que, de conformidade com o Ofício número 2-IPM recebido por esta Delegacia , do Capitão José Raimundo Nonato Silva Miranda encarregado de um Inquérito Policial Militar, a ser feito nesta localidade a fim de apurar as ocorrências de caráter subversivo verificadas nesta localidasde Município.
02 - Solicito-vos, pela razão acima, por ordem do referido Capitão, a sua presença nesta Delegacia no dia 7 [sete], hora a ser estipulada pelo Oficial, depois de sua chegada do Município de Tuntum.
Portanto, persona non grata ao regime que ora à força se implantara, uma forma de limpar o caminho a qualquer custo, sem obediência aos preceitos legais, que também já tinham sido à aquela altura da mixórdia pulverizado, banido pelos militares. Contudo diante daquele grotesca cena da qual éramos vítimas diretas, uma santa alma, disso ficamos sabendo depois de muitos anos, passara antes, poucos minutos na nossa casa e que deus o guarde deu um aviso para que o nosso pai saísse dali imediatamente em fuga por que o exército e alguns policiais militares estariam chegando em sua busca dele, e a ordem era para executá-lo, foi o tempo certo, o tempo exato, para que algo pior não acontecesse, e então já tido como foragido do sistema, uma outra santa alma deu-lhe cobertura, escondendo-o dentro de um pequeno armário, isso salvou-lhe a vida, mas não salvou a todos nós de vivermos um drama, o drama de se perder tudo, todos os nossos pertences pessoais, o nosso patrimônio material conquistado com muita lida e labor: algumas linhas de roça; casa, e uma modesta usina de beneficiar arroz, e o que foi muito pior a carreira política do meu pai, que se iniciara como vereador, no recém-criado municípo de Presidente Dutra/MA, antes denominado povoado do Curador. E aqui devo ressaltar por ter sido um grande homem a quem aprendi a respeitar e admirá-lo destacar que o município de Presidente Dutra assim passou a se chamar em virtude de um projeto em homenagem ao Presidente Gaspar Dutra, amigo pessoal do meu tio que também era amigo pessoal de Vitorino Freira, na ocasião prefeito de TunTum, Ariston Arruda Léda, do qual o povoado do Curador fazia parte. Antes, para melhor entendimento, o meu pai Agamenon Lucas de Lacerda, um idealista, uma voz defensora dos camponeses, do campesinato, local, por perseguição, ameaçado, jurado de morte e de prisão por grupos que não o aceitavam, uma forma de manietá-lo, e até aqueles que se diziam amigos, não só transitava com um Salvo Conduto no bolso [documento histórico, como tantos outros que guardo comigo até hoje e gostaria de doar ao Município, através da Câmara dos Vereadores], como também era protegido pela comunidade do campo, que em determinadas situações de ameaça grave a sua incolumidade física, foram para as ruas obter um abaixo-assinado para que o meu pai continuasse empunhando a bandeira das classes menos favorecidas.
Filiado e designado pelo Presidente do Diretório Regional do PSD - Partido Social Democrático para exercer a função de Delegado do Partido Social Democrático, no município de Presidente Dutra, perante o juízo da nona Zona Eleitoral em 13 de agosto de 1962, e já tendo sido eleito e diplomado no pleito de 1958, de acordo com o que constava do dispositivo do artigo 118 do Decreto-Lei número 1.164, de 24 de julho de 1950, com Diploma expedido pelo Presidente da Junta Apuradora sa 46 [quadragésima sexta] Zona Eleitoral do Município de Presidente Dutra, em 06 de outubro de 1958 pelo Sr. Presidente Herschell Carvalho como vereador.
Traído, injustiçado, Agamenon Lucas de Lacerda, morreu em 14 de maio do ano 1987 magoado, perseguido, sem jamais ser reconhecido pela luta travada em favor da comunidade local, pelos serviços prestados ao povo de Presidente Dutra, pois salvo engano, sequer consta nos registros, nas anotações, ou nos anais da história local, alguma referência a este triste e lamentável episódio da história republicana, do qual eu e meu irmão continuamos nas nossas lembranças com aquela figura aterrorizadora daquele soldado com um fuzil na mão chupando apenas uma banda do limão, o que simbólicamente nos faz em tempo de espera pela outra banda, mas não aquela da invasão, da injustiça e da ameaça do soldado, queremos, sim, a outra parte, a pertinente a que se faça justiça realinhando-se os fatos, esclarecendo-se e reconhecendo-se quem verdadeiramente lutou pelo povo de Presidente Dutra, mas todavia, porém, de forma prematura pagou muito caro pelos seus ideais de luta e liberdade ao ser perseguido de forma contínua pelo sistema militar, e mais, com a interrupção abrupta da sua carreira política, logo quando pretendia postular uma cadeira a deputado no cenário estadual.
Assim caminha a humanidade. Parabéns meu pai, ainda que sejam apenas dos teus dois filhos o reconhecimento pelo o homem honrado e político que tu fôstes, ainda assim valeu a pena!
FOTO: SESSÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DA CIDADE DE PRESIDENTE DUTRA NO ESTADO DO MARANHÃO.
serraomanoel - slz/ma - trinidad - 22.10.2007.