O baile
Quem, pergunta Lupicínio, não sente saudades de um baile vivido intensamente ?
Remexendo nos guardados das lembranças, cada um de nós, vai encontrar uma festa, um baile, um encontro, algo para lembrar, an affair to remember...
Uma pessoa amiga presenteou-me, trecentemente, com um CD de antigas músicas italianas, cantadas por Luigi Tenco que também foi (é falecido desde 1967) compositor. Uma das canções, lindíssima, chamada “Io vorrei che questo ballo non finisse piu...” conta o drama de um rapaz que está dançando com a mulher de seus sonhos. Só que é a última dança do baile, e ele lamenta a velocidade do instante e diz o título da música “Eu queria que esse baile não terminasse mais...”.
No drama simples da música romântica, o retrato, quem sabe, de alguma circunstância de nossa vida. Recordo, num livro que li, os dois personagens centrais, decidem terminar um romance que nem havia bem se iniciado. Era a vitória do bom senso do juízo sobre a irracionalidade da paixão.
Uma quadra antes do ponto onde eles deviam se separar, o carro é obrigado a parar numa sinaleira (o paulista diz "farol"). Os dois se entreolham e ela diz: “Se eu pudesse, eu faria com que esse sinal nunca mais se abrisse...”.
Na verdade, tudo isso denota a ânsia das pessoas em viver os momentos bons, felizes, românticos, na contrapartida daqueles que gastam o tempo, jogando-o fora.
Recordo que um homem, que brigou toda a vida com a esposa, chorava muito no dia de seu enterro. Ao ser perguntado por que, falou de seus remorsos de nunca expressar a ela, com todas as palavras, que a amava.
A vida é feita de tempo, e tempo, como uma grandeza de valor, deve ser vivido, jamais perdido. Tanto assim que no oriente antigo havia El-Kronos, o deus do tempo, a exemplificar, no rudimentar daquelas culturas, a importância do tempo.
Mas eu falava dos bailes. Minha filha diz que ser saudosista é um indicador de velhice. Até pode. Mas, na comparação, não há parâmetros entre os bailes, de 1960, por exemplo, e aquilo onde os jovens vão hoje.
Cada clube, cada sociedade, tinha seu “baile do mês”, com uma boa orquestra, um conjunto melódico de valor, uma atração artística. O calendário social dos clubes começava pelo “baile de aleluia”, onde, por tradição religiosa, as pessoas só começavam a dançar após a meia-noite. Hoje o pessoal já vai dançar com par certo.
Como era bom olhar para uma moça, sorrir-lhe e convidá-la a dançar. Como a continuidade era incerta, costumava-se curtir aqueles momentos, como se fossem os únicos. Talvez aquele encontro, o abraço, o desfrutar do sorriso, do perfume, fossem sensações irrepetíveis, por isso o instante precisava ser vivido, intensamente.
Ciente da fugacidade do momento, muitos, da minha geração cantavam: “Io vorrei che questo ballo non finisse piu...”. Essa é uma emoção da qual nossa pragmática juventude se excluiu. E os romances ? Quanto casamento começou por uma dança. E quantos terminaram, também...
Luigi Tenco foi um romântico, daqueles solitários. Tão solitário que se matou...