A cultura da morte segue a todo vapor
Todos os dias são colocadas à prova nossa concepção e forma como vemos a vida e nos relacionamos com o mundo. Hoje mais um caso polêmico pra temperar esse ano que já cansou a todos nós: uma criança de 10 anos do Espírito Santo, foi levada ao meu querido Recife para interromper a gravidez decorrente de um estupro perpetrado por seu parente.
A lei diz que é legal a interrupção da gravidez em caso de estupro ou grave risco a vida da mãe, o que claramente foi o caso, dado a violação por qual a mãe passou. E isso foi o estopim de mais uma batalha ideológica. Os médicos no Espírito Santo ao se negarem a fazer o procedimento colocaram mais lenha na fogueira e ficou impossível não se questionar até que ponto as liberdades e os valores são mutáveis ou não. É principalmente até que ponto podemos considerar a disponibilidade da vida de outrem em alguns casos.
Outro dia, na verdade já há bastante tempo, li um texto interessante. Dizia, em letras gerais, que quem quer que mate um animal em risco de extinção terá pena de 6 meses a 1 ano. E o mesmo se aplicando a quem destruir ninho ou impedir a procriação. Entenderam? Quem destruir um ovo de arara-azul receberá pena de 6 meses a 1 ano. E por que falei isso? Por que na esteira da discussão sobre o procedimento feito na menina, que como disse esta amparado na lei, está o de abortistas que querem um "aborto legal, seguro e gratuito" amplo e irrestrito.
Não quero entrar aqui no mérito de que a violação é um ato atroz e eu como homem não consigo imaginar o que seja. Mas eu, homem, sei o que significa responsabilidade. É impensável achar que a vida humana pode ser tão insignificante a ponto de ao menos se discutir a possibilidade de se destruir a vida de outrem, ao bel prazer de quem as gerou.
Mas engraçado (ou triste) mesmo é que pena de morte para o estuprador é terrível de se pensar. Justamente por se tratar de uma pessoa. Mesmo que essa pessoa tenha infligido dor e sofrimento a outras, mesmo que essa pessoa seja nociva a sociedade não se pode pensar em causar sua morte porque não podemos dispor da vida alheia da forma que achamos mais conveniente. Natural que seja assim, a vida (sou forçado a acreditar que nem mesmo a nossa) não nos pertence. Mas mesmo assim querem alguns que o assassinato de um bebê possa ser considerado como viável para uma sociedade que deixou de ver valor no semelhante e reduziu a própria vida humana a níveis tão baixos que a própria condição de ser ser humano foi ofuscada. Destruir um ovo de arara-azul é crime, matar um ser humano inocente, indefeso, sem apelação, sem direito ao contraditório, sem chance de defesa não só é possível, como é desejável para sanar atitudes irresponsáveis de outras pessoas, pessoas estas que deveriam ser as primeiras a cuidar e proteger a vida então nascente.
Impossível diante disso tudo não lembrar do gigante Guimarães Rosa quando dizia: "Se todo animal inspira sempre ternura, o que aconteceu então, com o homem?" E eu pergunto: o que aconteceu conosco para que a vida de um semelhante valha menos que um ovo de arara-azul?