Hierarquia e disciplina
A disciplina, todos sabem, é a observância de algum preceito ou norma. Oriunda do “direito natural” aquele que, antes da lei positiva ilumina o comportamento humano, ela traz consigo um respeito multidirecional, para o Absoluto, para si próprio, para a alteridade (o outro) e para a natureza (cósmica).
A primeira instância de disciplina que contempla o ser humano é a condução de um padrão ético em sua própria vida. O começo da disciplina está na vida regrada que cada um deve levar, com relação a si mesmo, independente de regulamentos ou normas humanas, transitórias, circunstancias e- não-raro, falíveis.
É aquela velha história, mesmo sem que se seja anarquista, ter em mente que, a lei, pelo simples fato de ser lei, não está imune à injustiça. Feitos por homens, regulamentos e leis podem ser injustos e tendentes a uma determinada facção.
A disciplina, empregada como camisa-de-força, criou a idéia de hierarquia, que séculos afora vem sendo subvertida e usada como situação limite do poder humano. Hierarquia (há quem prefira o espanholado jerarquia) é uma palavra de origem grega, cujo sentido foi, com o decorrer dos séculos, pervertido. Hierós quer dizer sagrado e arxé significa autoridade, assim hierarquia é um poder que emana de Deus. Reis e príncipes do passado, para convalidar suas posições, diziam que sua autoridade vinha do Alto: “Sou rei por vontade de Deus!”.
Modernamente, sabemos que não é assim. Como bom discípulo de Proudhom e Bakunin, vejo que toda a autoridade, civil e religiosa, provém de injunções humanas, que vão desde a competência, o merecimento, até a pura simpatia, passando por interesses políticos, puxada de saco e até erros de computador. Muitos sofrem com a hierarquia na família, na escola, no quartel, na igreja, no trabalho, no lazer e até na hora de morrer. Sem que me tomem por anarquista, mas eu acho a hierarquia a coisa mais burra que existe.
Ela estipula posições que nem sempre são justas nem decorrentes do bom senso, mas, em geral, através de um poder adquirido, via-de-regra imposto. Os tratados modernos de psicologia nos mostram que o poder de liderança está tornando-se, cada vez mais, superior ao poder de posição. No passado, por uma questão de respeito e hierarquia, um filho não podia fumar na frente do pai.
Na universidade, um aluno inteligente, aplicado, pesquisador, tem, muitas vezes, que curvar-se ao ponto de vista de um professor velho, desatualizado e em retrocesso intelectual. Ou o professor submeter-se a um diretor que subiu por política. Não é assim ?
O “superior” nem sempre é o líder nem o mais capaz. Nos meios militares também sucede coisa análoga. Um sargento antigo, com vinte e tantos anos de caserna, tem que dar senhoria a um tenente novo, e baixar a cabeça diante de suas ordens, nem sempre tão exatas. Se não o fizer, perde a liberdade; vai preso. A tal “cadeia”, universalmente reservada a criminosos, ainda existe nos meios militares para fazer valer a “hierarquia”.
Nas igrejas, seja da confissão que for, também prevalece a distorção da hierarquia: quem está embaixo deve obediência a quem está em cima, baixar a cabeça, fazer mesuras e beijar anéis, etc.
Um padre, leigo ou pastor, mesmo inteligente e atualizado, deve, por hierarquia, aceitar os postulados que vêm de cima, nem sempre do melhor, dos melhor preparado, mas que detém poder hierárquico.
No trabalho também sucede a mesma aberração. Um empregado, pela continuidade da burra hierarquia, não pode ter idéias próprias, mas adotar as, nem sempre melhores, de seu chefe.
Um contramestre experiente tem que se submeter às experiências de um engenheiro recém saído das fraldas universitárias. Liderança é coisa natural, embora seja poder. É poder pessoal no líder de fato, cuja autoridade lhe é outorgada pelo grupo. É poder de posição, no “chefe”, por causa da autoridade da instância que o nomeou.
Com a hierarquia esvai-se o diálogo, pois dialogar é comunicar-se num mesmo nível.