Os Etruscos e a Origem dos Bacanais

Segundo Trentacoste (2014), os séculos VIII e VII a.C. testemunharam uma grande mudança na organização social dos habitantes da Itália central. As aldeias da Idade do Ferro se fundiram em centros influentes ao longo das planícies costeiras da Toscana. Esses assentamentos evoluíram para formar uma rede poderosa e duradoura de cidades – que nunca foi um estado unificado, conforme Alföldy (1996), mas cada cidade tinha seu rei – que redefiniram a paisagem física e cultural da Itália.

Esse é o pano de fundo do surgimento de Roma. Segundo Alföldy, temos poucas informações sobre o início da história romana, e os documentos sobreviventes são permeados de fantasia. Mas sabemos que a formação dessa civilização, ou seja, o processo em que Roma se tornou uma cidade-Estado, coincidiu com a extensão da dominação etrusca na região. Por isso, a comunidade urbana de Roma foi modelada sob o domínio etrusco e sob a imagem etrusca; até seu nome vem de uma linhagem etrusca (Ruma). As instituições e a forma de governo foram estabelecidas de acordo com o modelo etrusco, e o poder foi exercido por reis etruscos; além disso, Roma tomou daquele povo muitas de suas tradições religiosas e culturais, bem como grande parte de sua estrutura social.

Um aspecto da história etrusca que foi universalmente aceito pelos estudiosos modernos e escritores antigos, segundo Duncan (2020), é a existência de uma talassocracia etrusca, uma marinha tão poderosa que já dominou o antigo Mediterrâneo ocidental. O problema é que eles não deixaram muitos registros escritos de si mesmos, e mesmo estes se encontram em um idioma que não entendemos completamente. Nem a arte etrusca fornece aos estudiosos tanta informação quanto eles gostariam. Nossas melhores pistas sobre a poderosa marinha dos etruscos foram preservadas em tratados de autores gregos e romanos, a maioria dos quais viveu séculos após o declínio dessa civilização. Em quase todos os casos em que eles são mencionados em textos antigos, entretanto, aspectos de seu domínio sobre o mar são mencionados.

Uma das evidências dessa talassocracia é um mito recorrente na cultura grega em que um navio etrusco captura um homem que descobrem, tarde demais, ser o deus Dionísio, que lhes trouxe morte e desgraça. Na arte encomendada ou colecionada por etruscos, há cenas de imagens dionisíacas combinadas com golfinhos e paisagens marinhas, o que parece incomum devido à falta de associação de Dionísio com o mar na arte grega; Duncan (2020) argumenta que, além de curiosa, essa associação pode nos ajudar a entender melhor como os etruscos celebravam sua talassocracia e expressavam sua conexão única com Dionísio, por meio da reprodução visual do mito.

Segundo Paleothodoros (2004), há boas provas de cultos locais a Dionísio entre os etruscos, que incluíam cerimônias fálicas. Conforme Swaddling et al. (2009), foi a partir dos etruscos que o culto a Dionísio alcançou Roma, chegando ao ponto de ser considerado uma praga naquela sociedade e ser banido em 186 a.C. Håkansson (2010) cita Tito Lívio que afirmou que o culto a Dionísio foi introduzido em Roma por um sacerdote e profeta grego sem muita importância. Ele o retrata como uma doença, geradora de todo tipo de perversões, orgias, vícios, perjúrio e até assassinatos em seus ritos secretos.

Quando o Senado foi informado a respeito do que acontecia, um decreto foi proclamado para prender e interrogar os sacerdotes desse culto. A religião do deus Baco, a versão romana de Dionísio, foi proibida, mas os rituais – chamados de bacanais –, apelando para os mais fortes instintos humanos, sobreviveram a toda oposição.

ALFÖLDY, Géza. Historia Social de Roma. Versão espanhola de Víctor Alonso Troncoso. Madrid: Alianza Editorial, 1996.

DUNCAN, Jesse. The Etruscan Thalassocracy. 2020. Disponível em: <https://scholar.colorado.edu/downloads/5999n4312>.

HÅKANSSON, Carina. In search of Dionysos. Reassessing a Dionysian context in early Rome. Department of Historical Studies; Institutionen för historiska studier, 2010.

PALEOTHODOROS, Dimitris. Dionysiac imagery in archaic Etruria. Etruscan Studies, v. 10, n. 1, p. 187-202, 2004.

SWADDLING, Judith et al. Shake, Rattle and Rôle: Sistra in Etruria?. 2009. Disponível em: <https://projects.britishmuseum.org/pdf/5%20swaddling-pp.pdf>.

TRENTACOSTE, Angela. Etruscan foodways and demographic demands: contextualizing protohistoric livestock husbandry in Northern Italy. European Journal of Archaeology, v. 19, n. 2, p. 279-315, 2016.

TRENTACOSTE, Angela. The Etruscans and their Animals: The Zooarchaeology of Forcello di Bagnolo San Vito (Mantova). 2014. Tese de Doutorado. University of Sheffield.