Doutor Osório

Havia em Porto Alegre, até algum tempo atrás, uma casa noturna de alto luxo, chamada “Le Club”, bem freqüentada por casais formais e informais. Ali aconteceram grandes festas e promoções sociais, entre as quais, recordo, o inesquecível reveillon da RBS, em 1995, cuja ida solo me custa explicações à Carmen até hoje....

Pois Doutor Osório, um bem sucedido profissional liberal, era habitué dessa badalada boate. Aí a ficção e a vida se interpenetram. Não sei como, mas o fato é que a esposa ficou sabendo que o marido andava arrastando o pé na noite portoalegrense. A cada sexta feira era uma desculpa: jantar, trabalho, reunião, palestra, assalto, doação de sangue, carro enguiçado, clube de serviço, loja maçônica, o escambal.

Um dia a complacente esposa não agüentou mais e disse-lhe: “Nesta semana, sexta-feira, quero que me leves a uma boate!” Politicamente, o marido tentou desconversar, mas não obteve êxito. Sexta-feira, pelas nove da noite a mulher estava pronta, mais empetecada que madrinha de casamento de interior, cheirando a laquê e Chanel no 4,5, aguardando a hora.

Ao saírem ele propôs irem à boate do clube tal. “Não, disse a mulher, eu quero ir no Le Club!” Sem opção, o homem se dirigiu para a citada casa noturna, que àquela hora já “botava gente pelo ladrão”.

Ao entrarem, o porteiro educadamente cumprimenta: “Boa noite, doutor Osório!”. A mulher olha o marido, que se faz de desentendido. Chega o maitre: “Boa noite doutor Osório, a mesma mesa de sempre?” A mulher entra em estado de ebulição.

Na mesa, o garçom pergunta: “E aí, doutor Osório, comemos o costumeiro strogonof ?”. A mulher não se contém: “Como é que esses caras te conhecem? De certo tu vens aqui toda a semana?” O marido tenta desconversar: “Que nada, bem, esses caras têm mania de chamar todo mundo de Osório, meu nome é comum...”.

Começam a jantar, e a mulher engasgada de raiva. Antes de começar mais uma música, o cantor avisa: “Este bolero é dedicado a doutor Osório, bem acompanhado como sempre!”.

A mulher não se contém: “Cachorro, sem vergonha, ordinário, mulherengo, bagaceiro...”. Com o escândalo iminente, Osório levanta-se, manda pendurar a conta e conduz a mulher para fora. Lá na rua ela o insulta mais alto ainda. Vem o táxi. Ambos embarcam.

O motorista é o primeiro a falar: “Ao mesmo motel de sempre, doutor Osório?”. Aí sim, a casa caiu. A ultrajada esposa abre um repertório de ofensas e palavrões nunca visto.

Afeito a arrufos de casais, o motorista nao se avexa, siplesmente pára o carro, volta-se para trás e diz, calmamente: “Se o senhor quiser, doutor Osório, eu boto essa puta a tapa pra fora do carro”.

escrita/publicada em 1997

(Crônica premiada)

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 11/11/2005
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