Filme: Balzac e a costureirinha chinesa

Filme: Balzac e a costureirinha chinesa

Este artigo possui como fim utilitário a descrição do filme Balzac e a costureirinha chinesa e a análise fundamentada nos recortes teóricos dos livros Inteligência Múltiplas de Howard Gardner e Psicologia da Arte de Vygotsky. A história será sintetizada de forma minuciosa mostrando os aspectos históricos, sociais e, especialmente, o desenvolvimento e a transformação de determinados personagens no decorrer da película. Através dessa descrição será analisada a mudança das personagens usando como fundamentação os recortes teóricos das Inteligências Múltiplas. Sobretudo, as inteligências lingüísticas, intrapessoal e interpessoal, já que é por meio da linguagem e, ao mesmo tempo, a empatia, demonstradas por meio das inteligências pessoais, que surge entre os membros da história que se dá às mudanças cognitivas de alguns personagens.

Ao mesmo tempo, as teorias de Vygotsky serão aproveitadas, principalmente, as hipóteses da zona de desenvolvimento potencial, pois é através do trabalho de mentores que acontecem as principais transmutações de determinados personagens. Do mesmo modo, liga-se a Vygotsky, pois em todo o filme são mostrados que as transformações sociais dos personagens são feitas através da literatura, ou seja, linguagem e a arte.

O filme Balzac e a costureirinha chinesa é baseado na autobiografia do diretor Sijie Daí, que vendeu 400 mil exemplares na França e foi traduzido em vinte cinco línguas, sucesso, também no Brasil. A história em 1970 na China comunista comandada por Mao Tse-Tung. Dois jovens universitários e burgueses filhos de um dentista e médico são presos, durante a revolução chinesa, por serem considerados inimigos do sistema comunista.Os dois personagens de dezessete anos chamados Luo e Ma, são encaminhados para um campo de reeducação cultural, pois na percepção do sistema chinês quem cursava universidade e não trabalhava no campo era “burguês reacionário”.

O campo de reabilitação ficava numa região montanhosa em uma pequena vila, isolada da cidade e de difícil acesso no Tibet. Não podia haver nenhum tipo de diversão nesse lugar, unicamente, o trabalho vinculado a terra. A leitura, exclusivamente, da cartilha sobre os ensinamentos do grande líder e filmes de países comunistas. Enfim, propaganda sobre as qualidades do regime comunista e histórias afins. Qualquer divergência política era passível de prisão ou morte. Assim esses estudantes foram enviados para receberem conhecimentos e ensinamentos sobre a eficácia e a beleza do regime do grande líder Mao.

O lugar era cercado por belas montanhas, paisagens muitas bonitas com riachos transparentes. Entretanto, apesar da beleza do lugar, os dois jovens vivem momentos muito difíceis, pois ao chegarem lá no campo, todos os livros de Luo são queimados, uma vez que para regime comunista, os livros constituem-se um perigo podem transformar as pessoas, então a partir de 1960, foram proibidos. No entanto, o personagem Ma permanece com seu violino, por meio de uma artimanha, Luo inventa uma história a respeito do violino diz que Mozart fazia canções para Presidente da china Mao Tse Tung. O que nos remete a Gardner : “a competência é, de fato, a inteligência, competência intelectual, que parece mais ampla e mais democraticamente compartilhada na espécie humana”.Por isso que o personagem Luo demonstra habilidades intelectuais, pois maneja de forma bastante apropriada a língua para se livrar de situações complicadas. Desse modo, consegue ludibriar o chefe da vila (Wang Shuangbao), uma pessoa rude, sem cultura e manipulada pelo sistema comunista.

Os estudantes apresentam muitas dificuldades em lidar com a realidade que os cerca, são sujeitados ao trabalho braçal na terra de sol a sol, sem nenhum divertimento, condicionados a uma lavagem cerebral sobre as qualidades do regime comunista. Entretanto, os jovens começam a aprender uma dura lição: as pessoas, daquela vila, desconhecem a existência de um mundo diferente, todos são analfabetos e isso os choca. Afinal, as vidas dos personagens Luo e Ma condiciona-se à universidade, cidade grande, tudo muito acessível e simplificado. Mesmo sob a pressão e a vigilância do chefe local, fizeram amizade com a costureirinha Zhou Xon, neta do alfaiate da aldeia Chung Zhijun. Então a fantasia literária do filme começa a envolver-nos...

Os estudantes descobrem rio onde as meninas tomam banho, vão espioná-las. Então, Luo, mais afoito, quer ver meninas mais de perto e cai num buraco, às meninas o vêem e dão muitas risadas. Ali, começa a amizade entre os três personagens. Zhou (costureirinha), demonstra inteligência, apesar de ser analfabeta, mostra-se criativa, possui vários questionamentos, entre eles: se existem outros lugares, além daquela ilha e como são. Em uma determinada cena, a costureirinha desmonta um relógio dos estudantes para ver o que tem dentro. Os estudantes a acham bonita, mas simplória e primitiva com uma linguagem pueril. Ma e Luo se oferecem para ensiná-la a ler. O que nos leva a Vygotsky e a teoria da Zona do desenvolvimento potencial, a costureirinha conseguiria um crescimento diferenciado do restante da ilha, mesmo sem estudar, pois era inteligente e questionadora, no entanto, com o auxílio dos estudantes, as mudanças cognitivas foram acelerada.

As habilidades intrapessoal e interpessoal fazem parte da personalidade dos personagens Ma e Luo, pois conseguem se sensibilizar com o comportamento dos habitantes da vila. Ao mesmo tempo, eles possuem autocontrole sobre suas atitudes no convívio social. Por exemplo, numa determinada cena, recebe uma missão política, mas agradável do chefe pelo bom comportamento de ambos. Os personagens deviam assistir a um filme sul – coreano e narrá-los ao povo da vila. Os estudantes recriam o cenário do filme e narram os diálogos de forma delicada e lírica ao mesmo tempo emocionando o povo que os assiste. Assim, devido ao sucesso da apresentação, toda semana devem assistir a um filme para recontar ao povoado do lugarejo.

Ma e Luo junto com a costureirinha descobrem que um rapaz que está sendo reeducado possui livros ocidentais (Flaubert, Balzac, Stendhal) proibidos escondidos. Conseguem retirar os livros dele e os escondem numa gruta ao qual chamam de gruta dos livros e começam a ler. As transformações são visíveis, em umas das cenas, depois ler o livro Eugenia Grandet de Balzac, Luo diz: “... incrível, sinto que o mundo mudou, o sol, a lua, as estrelas até o cheiro dos porcos mudaram, sinto que nada mais é mesmo”. Ao mesmo tempo, as transmutações da costureirinha são intensas, uma vez que está sendo alfabetizada com os livros proibidos, principalmente Balzac.

Por meio da leitura dos livros ocidentais proibidos na China comunista, também pela música de Mozart, Luo e Ma vão transformando aos poucos a dura rotina do trabalho forçado e a lavagem cerebral imposta nas montanhas. Essas mudanças partem do social e contagiam toda a aldeia, pois o alfaiate da ilha (avó da costureirinha) também se afeta pela a narração das histórias, seus figurinos apresentam uma estética diversa das roupas anteriores, mais colorida e ocidentalizada, enfim mais livre. Essa percepção de liberdade remetida pela música e pela literatura delineia-se, sobretudo, nas atitudes e no desenvolvimento cognitivo da personagem da costureirinha, no decorrer do filme. O que nos remete a Vygotsky :

A arte é o social em nós, e se o seu efeito se processa em um indivíduo isolado, isto não significa, de maneira nenhuma que suas raízes e essência sejam individuais. É muito ingênuo interpretar o social apenas como coletivo, como existência de uma multiplicidade de pessoas. O social existe até onde há apenas um homem e as suas emoções pessoais. Por isto, quando arte realiza a catarse e arrasta para esse fogo purificador as comoções mais intimas e mais vitalmente importantes de uma alma individual, o seu efeito é um efeito social.

Entretanto, sabe-se que todo conhecimento gera alterações no modo de viver. Então o efeito social que Vygotsky apregoa acontece na personagem costureirinha. Essa personagem deseja conhecer novas culturas, enfim o horizonte que existe além das montanhas da sua vila. Ela vai embora, em busca dos universos que a leitura de Balzac lhe desvendou. Quando, o personagem Luo lhe pergunta, quem ou que a fez mudar tanto, Zhou Xun diz ter aprendido com Balzac que: “a beleza de uma mulher é um tesouro sem preço”.

Ninguém permanece impune após tantas leituras e com a costureirinha, não poderia ser diferente. Após a partida da personagem Zhou, não se sabe o que aconteceu, o diretor magistralmente apresentou que por meio da literatura e da música, se poderia vencer a tirania, a ignorância e a falta de sonhos. Os personagens Ma e Luo são mostrados vinte anos depois formados e estruturados em suas vidas. Também se revela a destruição das montanhas para criação de uma represa para gerar energia.

As cenas finais do filme são belíssimas, o personagem Ma toca violino e Luo está lendo para a costureirinha, imagens ficam em preto e branco embasadas pela água que desce encobrindo todo o lugarejo ao som de Mozart. O término dessa apreciação fundamenta-se numa certeza, a beleza de certos filmes deixa marcas indeletáveis em quem os assiste. Assim sendo, pode-se afirmar que a arte conjugada com a linguagem transtorna de uma forma singular todas as pessoas que são expostas a elas.