Desaprendizados das últimas décadas

Recentemente, os jornais de meu município noticiaram que o número de divórcios está superior ao de matrimônios durante a pandemia do coronavírus. Seria cômico se não fosse trágico. Tal apontamento me faz pensar sobre os fatores que estão levando isso a ocorrer. Muitos podem justificar que antigamente o homem prejudicava a mulher, a maltratava e ela não podia fazer nada, pois não tinha condições de se sustentar. Nos dias de hoje, elas agora ocupam seu espaço no mercado de trabalho, na sociedade e querem ser respeitadas, por isso o número de divórcios cresceu. De fato, isso é válido e extremamente importante, não há como negar. Mas, será que só isso é o suficiente para justificar esse quadro? Creio que “o buraco seja mais em baixo”.

O estilo de vida moderno – ou a falta de interesse de muitos – têm afastado as pessoas umas das outras. O viver cotidiano das voltou-se para o exterior, para o social em detrimento da convivência familiar. Tem-se tempo para tudo: navegar nas redes sociais, trabalhar, praticar algum tipo de exercício físico, viajar de férias, sair com os amigos... Enfim, só não há tempo para conviver com os de casa! Há pessoas que parecem não possuírem uma casa, é como se morassem em um hotel: só chegam à noite para dormir e no outro dia, logo pela manhã, reiniciam o ciclo cotidiano.

São estranhos morando sob um mesmo teto! De repente, tudo muda! Muitos são obrigados a ficar dentro de casa, não há mais possibilidade de sair – com exceção daqueles que não obedecem às demandas dos órgãos de saúde por motivos que às vezes são válidos, mas nem sempre – e, consequentemente, somos obrigados a conviver mais intensamente com aqueles com os quais apenas dividíamos um teto para dormir, ou no caso de quem mora sozinho vê-se obrigado a desfrutar apenas da própria companhia, o que para um grande número de pessoas têm se tornado um verdadeiro tormento.

Às vezes, a busca de barulhos exteriores é a tentativa de fugir dos barulhos interiores. Lidar com o caos interior gera medo em muitos, mas fugir dele é bem pior e mais complicado ainda fica quando temos que lidar consigo mesmo e também com aqueles que escolhemos para dividir a nossa vida. A meu ver, esses são alguns dos desaprendizados das últimas décadas.

Nisso tudo eu vejo surgir uma verdadeira fonte de conflitos. A correria do dia a dia nos “desensinou” a convivermos com nós mesmos! As pessoas não se conhecem mais, não sabem quem são de verdade, não mais apreciam o silêncio, o tempo bom que podem ter ao se isolarem por alguns momentos e conviverem consigo mesmos, se limitam a se construírem e a se moldarem segundo às demandas e necessidades do meio social no qual estão inseridos, muitos chegam ao ápice de “perderem” a própria subjetividade nessa situação toda. E, venhamos e convenhamos, o indivíduo que não sabe quem é, que não convive consigo mesmo tranquilamente, que não tem coragem de se enfrentar e lidar com os conflitos interiores menos ainda estará apito para conviver intimamente com outra pessoa.

Eu já disse isso em outros textos meus e volto a repetir, como nos lembra o Papa Francisco, "Havíamos pensado que poderíamos prosseguir saudáveis num mundo doente". Nos preocupamos tanto em ter status, sucesso, uma felicidade pautada em prazeres e realidades momentâneas que nos esquecemos tragicamente de cuidar do essencial. Adoecemos espiritualmente e em nossa grande maioria não nos demos conta disso.

Creio não ser uma tarefa fácil verdadeiramente solucionar esse problema estrutural que esse instaurou em nosso meio. Vejo ser necessário uma mudança radical em todos os setores da vida humana. Engraçado, a alguns tempos atrás dizia-se que com o desenvolvimento tecnológico as pessoas poderiam trabalhar menos e teriam mais tempo livre, pois as máquinas poderiam agilizar o trabalho e mesmo serem mais eficientes, porém aparentemente a ganância humana tem se mostrado maior do que a eficiência das tecnologias existentes nos dias de hoje. Sei que já virou um clichê dizer isso, mas os meios virtuais aproximaram os distantes e distanciaram os próximos.

Sinceramente não sei como concluir este ensaio. Sou historiador, minha formação está voltada para analisar ações concluídas no passado, ainda que seja recente. Não posso me arriscar a prever o que irá ocorrer conosco nos próximos tempo, não me sinto preparado para isso. De qualquer maneira, para mim uma coisa é certa: do jeito que estamos não podemos continuar. É tempo de rever posturas.