O ENTRE LUGAR NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA

“O sertão não tem tamanho, está em toda parte, ou seja, o sertão também é poesia”.

Riobaldo – Grande Sertão: Veredas.

João Guimarães Rosa

É notável o reconhecimento dos ícones da Literatura Universal, ou seja, os grandes escritores sempre inserem suas obras por vias talvez nunca imagináveis no ápice do reconhecimento dos cânones. Carlos Drummond de Andrade, certamente, estava conciso da margem que se encontrava ante as perspectivas da literatura universal, nem por isso, deixou de inserir sua obra dentre as mais belas do universo.

“... Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: Vai Carlos, ser `Gauche´ na Vida...”

Carlos Drummond de Andrade

De forma similar, porém um pouco mais abusada, João Guimarães Rosa segue o mesmo caminho de Drummond, enfrentando as várias pedras no caminho.

Guimarães Rosa, ante a possibilidade de se ver a margem desse caminho tão cheio de pedras, torna-se criador e, ao mesmo tempo, criatura, criando a terceira margem para ser o seu próprio caminho. Isto é, faz com que a terceira margem se transforma, efetivamente, num atalho para inserir sua obra no ápice da Literatura Universal. Dessa forma, rompe paradigmas de que, Latinos Americanos, não alcançariam esse lugar privilegiado até então, somente alçado pelos escritores Europeus e paises do chamado primeiro mundo. Diga-se de passagem, não fora somente Guimarães Rosa o único Latino Americano a alcançar tal façanha, mas, temos que ser coerentes, talvez fora o único a ter a ousadia de romper com as delimitações do correto, “do politicamente coerente”.

O aspecto fronteiriço da vida e obra de Guimarães Rosa, inevitavelmente, será conduzido pela terceira margem. A “poética de fronteira”, bem como a “zona fronteiriça”, resultam nesse “entre-lugar”. Silviano Santiago assevera a perspectiva sobre o “entre-lugar do discurso latino-americano”, para se contextualizar as várias culturas e etnias, bem como o aspecto literário da América Latina. É exatamente um ponto crucial em Guimarães Rosa essa inquietude da persistência em direcionar sua obra por caminhos ainda não trilhados por outros escritores, que o faz diferente. Diferenças que vão incomodar veementemente críticos literários de todo os cantos do mundo, especificamente Alemães. Guthen Lorenz, Crítico Alemão, em entrevista com Guimarães Rosa, deixa nítido essa inconformidade de um Latino produzir tão bela e encantadora Obra, Grande Sertão: Veredas.

Guimarães Rosa, embaixador, médico, poliglota, escritor, dentre outras habilidades, teve oportunidade impar de conhecer e confrontar várias culturas. Sem embargo, trazer para sua obra, de forma sublime, essas realidades. “A literatura é o fulgor do real”. R. Barthes, a Aula.

Ora, R. Barthes estaria evidenciado algo que Guimarães Rosa, rigorosamente, trouxe à baila em sua obra, ou seja, que a arte vai à frente da ciência , dos paradigmas.

E qual seria esse “entre lugar” e essa “terceira margem”? São várias as respostas. Isso invariavelmente, não nos cabe ressaltar. Há porém o nosso reconhecimento enquanto admiradores “leitores de Guimarães Rosa” , indagarmos qual seria o melhor entendimento, sem contudo, criarmos um único paradigma que ofuscasse as várias alternativas. Isto é, “ a poesia é a linguagem do indizível”, então, não podemos circunscrever um único limite de qual seria a terceira margem.

Podemos sim, suspeitar e buscar um entendimento contundente que, a terceira margem possa ser esse “entre-lugar” na obra Roseana.

“Terceira margem, nem na esquerda nem na direita, em verdade, em lugar nenhum; no entanto, é também a ponte entre as duas margens”. Ora, daí uma das alternâncias da ponte entre as duas margens ser também uma outra possibilidade de junção, de união entre o dizível e o indizível.

No entanto, pode também abstrair várias possibilidades, dentre elas, a idéia da ponte não se esgota. A transposição do imaginário ao real, isto é, a ponte entre dois mistérios, como a Sagrada Trindade. PAI, FILHO, e, não obstante, a interligação, o elo entre os dois, ou seja, o ESPIRITO SANTO.

Considerando que Guimarães Rosa admitia que, “o verso remunera a falta das línguas. Então, ante outra possibilidade, qual seja, de encontrar esse “entre lugar” que é, em essência, a terceira margem de Guimarães Rosa, especificamente na obra Grande Sertão: Veredas.

Posto que o escritor consegue a grande e preciosa maneira de se fazer poesia, poema, prosa, enfim, de elevar sua obra ao ápice da literatura universal, não por meio de rosas e águas límpidas, mas sim, na guerra, na dor, no caos do Grande Sertão.

“... jagunço é homem já meio desistido por si... A calamidade de quente! E o embraseado, o estufo, a dor do calor em todos os corpos que a gente tem.”

A terceira margem, em Guimarães Rosa, talvez seja a própria linguagem do fazer poético com a adversidade do viver. Dessa forma, ele pode, ao mesmo tempo, balancear as diferenças paradigmáticas da vida por meio da arte literária: “Minha língua, afirma Guimarães Rosa a Guthen Lorenz, entrevistador alemão, é a arma com a qual defendo a dignidade do homem (...). Somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo”.

Guimarães Rosa, por meio de sua própria linguagem, coaduna que a perfeição não é do ser humano, como escrito nas Sagradas Escrituras, em S. TIAGO, apóstolo de Jesus Cristo, Cap. II, Versículos 2 e 3:

“Força e perigo da língua – Meus irmãos, não se façam todos de mestres. Vocês bem sabem que seremos julgados com maior severidade, pois todos nós estamos sujeitos a muitos erros.”

Claro está que a obra de Guimarães Rosa, por meio do homem simples, do jagunço, torna-se capaz de evidenciar que o erro é próprio do ser humano. O erro no falar, o erro no agir, enfim, o erro da dúvida.

Dessa forma, Riobaldo em meio da turbulência dos acontecimentos brutais da guerra, ainda consegue ser gentil e sonhador ao lado de seu amado, melhor, sua amada Diadorim. No entanto, inseridos no mar da dúvida do cruel sertão.

O fato revelador é justamente a revelação das dúvidas em o Grande Sertão: Veredas, de forma sutil e natural. Entretanto, num momento em que não mais faz sentido. Como a descoberta da verdadeira identidade de Diadorim por Riobaldo.

É Como se Guimarães Rosa, em sua obra, tivesse o mundo em suas mãos, porém, não conseguisse suportar o peso, ante as suas revelações cruéis e vis, chegando ao fim, isto é, ao revelador, ao nada.

“... De despiço, olhei: eles nem careciam de ter nomes – por um querer meu, para viver e para morrer, era que valiam. Tinham me dado em mão o brinquedo do mundo.”

Pág. 456, Grande Sertão: Veredas.

O “entre lugar” novamente se faz latente. Ora, Guimarães Rosa se interpõe entre duas vertentes, uma sagrada (Bíblia Sagrada) e outra humana, a obra de Chaplin, em seu poema, A última travessia. Como adiante se vê:

Apocalipse, versículo 20.

“O fim dos tempos já começou _ Depois disso vi um anjo descer do céu. Nas mãos tinha a chave do abismo e uma grande corrente. Ele agarrou o Dragão, a antiga Serpente, que é o Diabo, Satanás ...”

Percebe-se, então, ao final da obra - Grande Sertão: Veredas - que, embora a todo o tempo estivesse latente a presença da Serpente, “Urutu Branco”, esta ao final, como no Apocalipse, desfaz com o grande sonho daquele que havia compactuado com o próprio Demo, Riobaldo. Destruindo o seu grande amor, Diadorim.

Não de outra forma explicita Chaplin, por meio de sua ilustre arte, a realidade como o caos. Pois bem, o que adiantaria a Riobaldo a descoberta de que Diadorim fosse mulher, se já não mais estivesse viva. Dessa forma vimos que o acaso da obra a seguir é a realidade às avessas para Chaplin:

A ÚLTIMA TRAVESSIA

Pelo simples acaso de havermos nascido, sem termos escolhido,

Somos prisioneiros de uma vida insana.

somos vítimas e cúmplices

arrastados pelo caos da incrível tragédia humana.

Sonhamos sublimes amores,

odiamos em guerras e dores,

algemados na mesma moradia,

gozamos de pobres alegrias.

No fim ... de mãos vazias,

voltamos ao pó...

sem nada...

Presos à ilusão,

sempre atados ao laço

dessa imensa prisão,

que voa pelo espaço.

Assumimos a existência,

num beijo, numa lágrima, num verso...

pelo simples acaso de havermos nascido

num canto perdido, num país esquecido,

desse infinito universo.

Charles Chaplin

O estarrecedor é como a Obra de Guimarães Rosa, especificamente Grande Sertão: Veredas e também o Conto: Menina de Lá, se entrecruzam com o aspecto do sobrenatural, melhor, do Divino.

A menina de lá, que não é deste mundo. Há a contraposição entre o Divino e o humano. Não à toa que a menina se chama Maria. Maria a criança, um ser sem maldade, sem malícia, ou seja, um anjo, na figura de um humano. Maria também mãe de Jesus. A escolhida, a que deu a luz a um ser Divino, Jesus Cristo.

A criança, Maria, que vai... para lá, para o céu, lugar de anjos e santos, porque não, local onde também está Maria mãe de Jesus.

Guimarães Rosa, busca neste conto, como também em Grande Sertão: Veredas, o “entre-lugar” , ou melhor a transposição de valores e circunstâncias que redundam em sua crucial diferença dentre outros autores.

Ainda no Conto “Menina de Lá, a forma da diferenciação do “HUMANO x DIVINO” é justamente o milagre.

Um aspecto técnico em que a Igreja Católica se apóia para a santificação de um humano é justamente a prova de que em vida, a pessoa teria realizado milagres.

João Guimarães Rosa, com certeza tinha conhecimento dessa exigência da igreja, portanto, sua personagem, Nihininha, a criança sem pecado e quieta, com certeza, ante aos padrões exigíveis pela Igreja Católica, seria a Santa Nihininha. Haja vista seus vários milagres realizados.

Essa contraposição do real x imaginário na obra de Guimarães Rosa, deságua, em certos aspectos, na dúvida das possibilidades que teriam o ser humano X ser Divino.

“O real é aquilo que não existe. Uma coisa a ser construída! Algo da natureza do vir a ser. Tudo Construção imaginária.”

Jeak LACAN

O que deu para abstrair em Guimarães Rosa, graças ao apoio incondicional da Professora Doutora Marli Fantini, é que este Herói da Literatura Latina, dentre outros, demonstrou ao mundo como que a arte vai à frente da ciência, dos paradigmas, enfim, a Obra Roseana coloca-se à frente aos muitos acontecimentos que a ciência e os sociólogos estudam ainda hoje incansavelmente para buscar uma solução.

O medo de se enveredar pela Obra de Guimarães Rosa está na falta de coragem de ir ao encontro do Divino. Enquanto uma personagem de Guimarães Rosa, em o Grande Sertão: Veredas, Riobaldo, sempre fazia questão de frisar: “viver é muito perigoso”. O perigo muitas vezes está ao nosso lado, mas carece de coragem para romper e tentar ser feliz. Haja vista que por mais que a ciência se debruça sobre muitas questões, ainda assim, não terá descoberto a maneira de se chegar ao ser Divino. Pois, somente se chega ao Divino, pelo sentimento, pelo coração.

Ler Guimarães Rosa é sentir a emoção de ir ao encontro do Divino. Portanto, a obra de Guimarães Rosa está e, sem embargo, sempre estará à frente da ciência.

Clovis RF
Enviado por Clovis RF em 17/10/2007
Código do texto: T698177