Os migrantes que passam pelo México*

     As migrações internacionais são um tema de grande impacto no mundo atual. É impossível comprender a chamada globalização sem falar dos imigrantes. Grandes metrópoles mundiais, que funcionam como centros de atividade econômica capitalista, atraem trabalhadores com promessas de emprego e de sair de uma vida explorada e sem futuro nos países de origem. Depois que chegam, já estão inseridos numa lógica de diferenciação entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, em que se reserva ao imigrante trabalhos mais duros e relativamente menos pagos.

     O discurso capitalista se baseia na contradição entre liberalização do comércio de mercadorias e controle da migração. Por exemplo, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (cuja sigla em inglês é NAFTA), do qual fazem parte México, Estados Unidos e Canadá, permite o livre trânsito de mercadorias, mas impede o livre trânsito de mexicanos. Os maiores símbolos disso são o muro construído em boa parte da fronteira entre México e Estados, as milhares de cruzes colocadas ao longo do caminho para lembrar os que ali morreram, a ação da Patrulha Fronteiriça do lado estadunidense e dos cartéis do crime organizado do lado mexicano.

     Com os ataques às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, a aplicação da nova Estratégia de Segurança Nacional anunciada por George W. Bush tratava os trabalhadores imigrantes, fossem latinos ou árabes, como suspeitos e potenciais terroristas. De uma hora para outra, passaram de trabalhadores explorados a ameaças à segurança nacional, sendo alvo de várias formas de criminalização e discriminação.

     Mais um aspecto contraditório: o sistema capitalista precisa do trabalho do imigrante, e ao mesmo tempo o repudia. Explora o trabalho e nega direitos, permitindo explorar mais o trabalho, num ciclo de opressão. Hoje se tem falado muito da reforma migratória nos Estados Unidos, que nunca foi feita nem na época de Bush nem na época de Obama.

     A Opinião Consultiva n. 18 de 2003, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, “sobre a condição jurídica e direitos dos migrantes indocumentados”, aponta que os extrangeiros têm os mesmos direitos que os nacionais por estarem no território de um país, e não podem ser discriminados.

     O dia 24 de agosto de 2010 é um marco na problemática dos migrantes que passam pelo México para entrar irregularmente nos Estados Unidos. Nesse dia, foram encontrados os corpos de 72 migrantes numa casa a 200 Km de distancia da tão desejada fronteira. Era o município de San Fernando, Estado de Tamaulipas.

     Um sobrevivente equatoriano se fingiu de morto e conseguiu escapar, caminhando mais de 23 Km com uma bala no pescoço, até chegar a um posto policial, onde denunciou que eles haviam sido sequestrados por um grupo criminoso mexicano. Entre as vítimas, quatro eram brasileiros. Eles viajaram por aproximadamente 35 dias, passando pela Guatemala e por todo o México.

     Em março de 2011, o Grupo de Trabalho sobre Desparecimento Forçado ou Involuntário da ONU realizou missão de investigação ao México, fazendo uma série de recomendações às autoridades para a garantia dos direitos e investigação das denúncias de desaparecimentos forçados. Em abril de 2011, foram encontradas mais oito fossas clandestinas, com 59 corpos, no mesmo município do massacre anterior. Um total de 145 corpos foram encontrados apenas nessa ocasião, muitos deles até hoje não foram identificados, não se sabe de que país eram.

     Os migrantes entram no México pela via aéra, pelo mar ou pela fronteira com a Guatemala. E viajam pelo território de diversas formas: de carros, ônibus de passageiros, a pé, ou por cima dos vagões dos trens de carga que cortam o país de sul a norte. Viajam em grupos e podem ou não ser guiados por coyotes, como são chamadas as pessoas que recebem dinheiro dos migrantes para lhes auxiliar na travessia. Mas também há roubos, extorsões, sequestros, e até mesmo violações sexuais.
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     O cenário dos trens de carga levando multidões por cima é o mais dramático e mais visível. É o meio de transporte escolhido pelos mais pobres, a maior parte deles vêm da Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua. Há pessoas que são mutiladas ou morrem ao tentar subir no trem em movimento, ao cair dele. Quando chegam na parte norte do México, ainda têm de percorrer um largo trecho a pé pelo deserto, onde também são sequestrados ou podem se ferir por picadas de cobras e aranhas, e acabar morrendo.

     Muitos brasileiros têm um parente ou conhecido que foi trabalhar nos Estados Unidos ou na Europa. É muito importante pensar nesses problemas e lutar por um país mais justo, em que as pessoas não precisem emigrar e passar por tudo isso.

Publicado na Revista Glocal, n. 1, ano 3, 2013, p. 26.