Um espelho

Muito da civilização ocidental é fruto do pensamento grego, e estudá-lo remete-nos à fonte que nos autoriza a ser como somos, livres. Livres no ato de pensar e agir. Uma pena que há quem defenda a extinção da liberdade.

Sócrates talvez seja a fonte grega mais poderosa. Apesar de não ter deixado nada escrito, Sócrates foi retratado por vários de seus seguidores em textos que demonstram a capacidade dele em analisar o mundo, em despi-lo do falso conhecimento, da soberba, da arrogância. Em seus diálogos, Sócrates procura mostrar quão ignorantes são seus interlocutores, e que muitas vezes apoiam susas crenças em falsas premissas.

Dois dos motivos que levaram Sócrates a condenação em 399 a. C. foram a alegação de corromper os jovens e de questionar o panteão grego.

Ora, o que Sócrates fez não foi corromper os jovens, foi sim levá-los a pensar com clareza, a conhecerem-se, a buscarem compreender o mundo, sem falsas verdades. É preciso coragem para olhar para si próprio e reconhecer-se, imperfeitos como somos. E Sócrates mostrava isso.

Já em relação ao panteão grego, na verdade, Sócrates mostrou a falsa ideia que os gregos tinham de que para se obter algo dos deuses era necessário oferecer alguma coisa antes. Era como uma compra de favores ou troca de gentileza. Um deus só oferecia algo se recebesse uma oferenda antes. Nada mais enganoso.

Para Sócrates os deuses tinham toda a moralidade e deveriam ser exemplos daquilo que a humanidade busca. Ou seja, eram a inspiração.

Longe de querer acabar com a crença, na verdade, Sócrates queria tirar os véus da ignorância e mostrar a real essência dos deuses. Ele queria mostrar aos atenienses que não é necessário oferecer nada aos deuses, pois as divindades são sábias e justas e o melhor que podem fazer é auxiliar os humanos a serem sábios e justos. Esse foi uma das suas metas através da filosofia. Em sua busca filosófica, Sócrates chegou ao conceito do Demiurgo, que seria o criador de todos os seres vivos. Esse conceito, aliás, foi explorado por Platão em Timeu.

Pois bem, talvez possamos fazer um paralelo dessa ideia de Sócrates com o que Jesus ensinaria algum tempo depois. Quando Jesus questiona o comércio na porta do Templo, talvez ele esteja também questionando esse ponto, a compra de favores de Deus.

Quando Jesus sugere aos acusadores de uma mulher de que atirasse a primeira pedra quem não tinha pecado, é possível que ele estivesse dizendo, “analisem-se e digam se vocês também não agem errado.”

E então fica um ponto a pensar, não teriam dito a mesma verdade com palavras diferentes? Não teriam dito Jesus e Sócrates que o mais importante é conhecer-se, vencer o falso conhecimento e principalmente o falso autoconhecimento? Na verdade, pessoas como Jesus e Sócrates têm a missão de levar ao ser humano o que ele mais precisa, um espelho, para que o ser humano possa olhar para si mesmo.