“O QUE É QUE EU DIGO, JAIR?”
“Pois é, falaram tanto”, de Dilma e de Lula. A fala de Bolsonaro na tarde de 24 de abril é realmente única dentro da História do Brasil, a não ser que algum historiador venha comprovar que houve outras semelhantes. A Internet está lotada de menções ao discurso, digamos assim, do chefe da Nação. Uma fala antipática, despeitada e na qual, além de se jactanciar e evidenciar seu ego, usando ao longo do texto as variações da primeira pessoa: eu, meu, meus, minha, minhas, ainda se coloca na posição de soberania. Sim, mas esse termo aí está com gosto de soberano, rei. Nem presidente, nem ditador e nem rei, não sei o que exatamente ele é.
A manifestação oral de Bolsonaro é qualquer coisa que queiram dizer, menos uma fala presidencial, que, até mesmo antes de ser sincera, deve ser formal. Que antes de prometer e jurar defender um país, precisa ser objetiva, clara, coerente, coesa, linguisticamente correta, convincente e até carregar um tanto de beleza, a beleza que a palavra sabe criar e a língua favorece comparecendo com seus diversos recursos e estilos.
Um chefe de estado pode ser tudo o que ele quiser, mas não pode admitir, nem a si mesmo. Pode ser deficiente, barbudo, feio, caipira, imoral, desleixado, incorreto, injusto, até desonesto, mas jamais deve se descuidar da formalidade linguística e da formalidade no vestir-se. E nem venha dizer que Lula é analfabeto, analfabeto é você que não entende o que é dizer coisa com coisa. Que horror aquela camisa cor de goiaba que usou durante o seu último desvario diante do Planalto e do seu “povo” verde e amarelo futebolístico, deixando transparecer uma barriga que nada tem de um atleta.
Mas, para além de ter ficado claro que ele não sabe usar formalmente a língua portuguesa, parece não ter um auxiliar nessa difícil empreitada para todos nós que não somos Camões, nem Pessoa, nem o Machado de Assis.
Depois de ler todo o texto bolsonariano disponível na Internet, listei algumas ocorrências tão somente com o objetivo de produzir este comentário. A lista engloba coisas como: “botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro”. Conhecia o termo cunha e até pensei que ele se referisse ao político Cunha. Entretanto, cunha (enxada) é o que está anotado. Fui apresentada à expressão citada, não a conhecia. Não imagino qual o significado de colocar uma cunha entre duas pessoas. Além disso, entre outros problemas graves, segue-se o impasse da colocação do pronome eu depois preposição entre.
“Lá da Vara Federal de Curitiba” soa como um desprezo duplo, quanto à Vara Federal e quanto a Curitiba. Em outro ponto, Bolsonaro usa onde, advérbio de lugar, referindo-se a um telefonema e, ainda diz “a sua consciência tocou”, o verbo tocar não fica bem nessa situação. Onde tem se mostrado uma espécie de vírus no Brasil, repito que onde se refere a lugar e quando se refere a tempo/momento.
Prosseguindo na leitura do texto produzido pelo presidente (?), temos o repetitivo “e eu fui, fui...”. Teria sido melhor usar o verbo prosseguir. Chega a ser engraçado o trecho “eu baixado no Einstein, em São Paulo,” agora um particípio (?) de emprego confuso. Como parece gostar de repetições, o autor do texto entrou com um “desde o começo, já se começou” e mais uma expressão popular que não deveria estar em um texto presidencial, “tá na cara”. Ah, tem também o “Ora bolas!”.
Em se tratando de pronomes, usou seu (pronome popular de tratamento, como em seu João e seu José), quando se referiu ao Ministro que entregava o cargo. O verbo ter, de uso também comum surge em “tinha um espaço de menos de uma hora!” e o verbo ser/estar, abreviado, como em “eu não tava lá”. Dá pra ficar tonta com o uso dos pronomes por Bolsonaro, tendo em vista o exemplo “como bem vos lhes disse,”. Vos e lhes, não sei o que ele quis dizer!
Quando se refere ao filho mais novo, Bolsonaro o chama de “o zero quatro”, assim como são denominados os personagens Irmãos Metralha, famosos ladrões criados por Carl Barks. Cada Metralha é identificado pelo número que os codificava na prisão, indicado na etiqueta do uniforme prisional. Petralhas é o termo usado por indivíduos de direita com a clara intenção de acusar os da esquerda de roubos. Para completar esta cena, Bolsonaro se utiliza do neologismo verbal escrotizar, formado a partir do termo escroto, o que muita gente acha que ele é. Não seria melhor que ele dissesse algo como apresentar sua intenção do que “mostrar a sua cara”. Já dizia a minha mãe que quem tem cara é cavalo.
Como não poderia deixar de ser, além de referir-se à enxada, um objeto da faina dos agricultores, mas que também tem sido usado em crimes pelo interior de todo o Brasil, Jair Bolsonaro meteu um “tiro na cara” de quem o viu, escutou e leu.