AS PIORES PANDEMIAS DE TODOS OS TEMPOS

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Não são poucas, nesses dias, as pessoas que se desesperam e invocam o arrependimento achando que a epidemia de coronavírus seja um castigo divino e o começo do Apocalipse que acabará com a vida no nosso planeta. Mas basta estudar a história das pandemias dos últimos 2.400 anos para entender que, mais uma vez, se trata de um evento natural –embora bastante dramático- que nada tem a ver com os nossos “pecados”, e nem com manobras ocultas de governos interessados a semear morte e destruição. De fato, se esse vírus tivesse sido criado num laboratório de guerra biológica, os virologistas teriam utilizado cepas bem mais mortais do que o coronavírus, assim como fizeram os cientistas egípcios, assessorados por colegas alemães ex nazistas, quando, nos anos '60, o líder nacionalista Gamal Abdel Nasser havia planejado a destruição do estado de Israel com uma chuva de foguetes V2 modificados e carregados de cobalto radioativo misturado com bacilos da peste bubônica. Por outro lado, iremos evidenciar como os grandes contagios sempre estiveram relacionados com mudanças climáticas a nível planetário.

A primeira “peste” -palavra inventada pelos historiadores da Antiguidade para definir qualquer tipo de doença altamente contagiosa e mortal- foi descrita pelo ateniense Tucídides, autor da monumental “Guerra do Peloponeso” onde se narra a guerra entre Atenas e Esparta, travada entre 431 e 404 a.C. Já no segundo e terceiro ano de guerra (430-429 a.C.) a cidade de Atenas foi atingida por uma pestilência que causou um número impressionante de vítimas. Outro surto ocorreu no ano 327 a.C. Segundo a opinião do Dr. David Durack, professor de medicina da Universidade de Duke, a de Atenas teria sido uma epidemia de febre tifoide, pois essa doença afeta mais em tempos de guerra e privação e tem uma taxa de mortalidade em torno de 20%; além disso, a vítima falece após de cerca sete dias e, às vezes, aparecem complicações como gangrena nas pontas dos dedos das mãos e dos pés, sintomas descritos detalhadamente por Tucídides. A opinião do Dr. Durack é compartilhada por A. W. Gomme, pesquisador e estudioso da história de Tucídides: ele também acredita que a febre tifoide foi a causa da epidemia. No entanto, a narrativa de Tucídides aponta para um risco maior entre os profissionais de saúde, um comportamento que é mais típico de infecção -de pessoa a pessoa- da febre hemorrágica (por exemplo, o vírus Ebola ou Marburg) do que da febre tifoide. Nunca saberemos ao certo se essa “peste” foi causada por um vírus ou uma bactéria, mas o grande historiador grego foi o primeiro a reconhecer que a epidemia era de origem natural e não uma maldição dos deuses; por essa afirmação corajosa Tucídides foi exilado da cidade. De acordo com os dados publicados em Fevereiro de 2011 na prestigiosa revista Sciencie (“2.500 Years of European Climate Variability and Human Susceptibility” - Vol 331), uma equipe internacional de cientistas apresentou um gráfico com as temperaturas dos últimos dois milênios. Nesse gráfico é imediato constatar que, justamente em torno dos anos 430 a.C. e sucessivos, houve uma queda nas temperaturas médias em todo o planeta.

A primeira epidemia documentada em âmbito romano, conhecida como praga Antonina, varreu o Mundo Antigo pelo menos em duas ondas diferentes entre 165 d.C. e 180 d.C. Provavelmente foi causada pela varíola (um vírus) e matou não menos de sete milhões de pessoas, dando início à decadência do Império Romano. A agressão de agentes infecciosos coincidiu com o início, por volta de 150 d.C. de uma fase climática apelidada “de transição" durante a qual ocorreram secas, resfriados, aridez e interrupções nas inundações do Nilo. As causas foram alterações nos sistemas climáticos do Atlântico, El Ninho, o efeito das monções e a atividade solar que proporcionaram uma queda geral das temperatura médias que só terminou no final do oitavo século com uma retomada gradual de temperaturas mais amenas. Em 251 d.C., São Cipriano, bispo de Cartago, escreveu um pequeno tratado no qual exaltava a praga que, na opinião dele, expressava a ira de Deus contra os pagãos, ignorando, porém, que uma peste ainda pior haveria castigado, apenas duzentos anos depois, uma sociedade completamente cristianizada.

De fato, por volta de 540 d.C. a situação climática piorou ulteriormente com a chegada repentina duma pequena glaciação, caracterizada por vários anos sem verão e consequente queda na produção de alimentos. Dessa vez foi Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, que sofreu uma praga -conhecida como peste de Justiniano, causada pela bactéria Yersinia pestis. Em poucos anos a população do Império de Oriente, que totalizava trinta milhões de habitante, caiu pela metade e a epidemia se espalhou pelo resto da Europa dizimando a população. O mencionado resfriamento climático influenciou os movimentos e o comportamento do rato preto, o hospedeiro final do parasita, fazendo com que os roedores (e suas pulgas contaminadas) se aproximassem aos seres humanos. Destarte, as populações do Império Bizantino foram castigadas com oito ondas sucessivas até meados do século VIII. Felizmente, a partir daquele momento, houve um forte aquecimento global com temperaturas que alcançaram valores médios superiores aos atuais, tanto que a Groenlândia ficou livre das geleiras. Durante os cinco séculos seguintes, o novo clima -quase subtropical- proporcionou uma fase de estabilidade social e desenvolvimento econômico que culminou com o surgimento das grandes catedrais góticas na Europa Central.

Essa fase, chamada pelos paleoclimatologistas “Periodo Quente Medieval”, terminou no começo do século XIV com uma nova fase denominada Pequena Glaciação que trouxe uma nova e mais devastante pandemia. Entre 1347 e 1353 a Peste Negra devastou o mundo conhecido: do Mar Negro irradiou-se para a Ásia central, estendendo-se de leste a oeste na bacia do Mediterrâneo. Passando pelos portos em direção ao interior, conquistou Itália, França, Áustria, Alemanha e Flandres; em seguida apontou para o norte em direção às Ilhas Britânicas e, em seguida, atingiu Islândia, Groenlândia, Dinamarca, Escandinávia e finalmente fechou o círculo atingindo o principado de Moscovo. Tudo havia começado nas estepes da Ásia Central, onde a Yersinia pestis transbordou de seu reservatório de manutenção (os roedores selvagens) infectando primeiro os ratos pretos que seguiam as caravanas e, logo em seguida, as pulgas humanas e os piolhos. Em 1331, espalhou-se na China, onde em algumas áreas atingiu 65% da população. De acordo com uma estimativa encomendada pelo Papa Clemente VI, as mortes na Europa por peste negra totalizaram 23.840.000: pouco menos de um terço dos habitantes; mas as ondas sucessivas, frequentes e muito violentas, continuam afetando cidades e campos. No que diz respeito à mortalidade em geral, esta permaneceu muito alta nas últimas ondas medievais, atingindo até 60-70% da população. As ondas sucessivas foram menos desastrosas do ponto de vista demográfico, mas umas foram particularmente malignas, como a famigerada peste de São Carlos Borromeu, que devastou Milão em 1575-78.

Diante de epidemias das quais nem as causas e nem as curas eram conhecidas, a reação instintiva e irracional das populações ignorantes e fanaticamente religiosas foi a busca pelos culpados e, com efeito, os bodes expiatórios ideais foram os judeus, ou seja, os membros de uma comunidade separada e discriminada. Destarte, foi desencadeada uma longa série de perseguições sangrentas: a primeira foi em Toulon, em 1348, mas seguiram outras até o extermínio de inteiras comunidades judaicas como as de Estrasburgo, Frankfurt, Mainz e Colônia, em 1349. Nas pestilências seguintes os culpados foram procurados entre as mulheres acusadas de praticar a bruxaria e milhares delas foram obrigadas a confessas sob tortura e, enfim, queimadas na estaca. Naturalmente, não podia faltar o demônio que recrutava meliantes para difundir o contágio, e todas as crônicas da época falam nesses “untori” que, na verdade, existiam somente na fantasia das pessoas aterrorizadas, mas que ocasionaram processos farsescos onde não poucos inocentes foram assassinados mediante suplícios cruéis e espantosos. Ao mesmo tempo, partindo do conceito que a pestilência era um castigo divino, foram inúmeras as tentativas de aplacar o morbo com missas, orações e procissões, como aquela registrada durante a peste de Milão de 1630 (descrita no romance histórico “Os Noivos” de Alessandro Manzoni) cujo resultado foi de propagar e multiplicar ainda mais o contagio. A peste continuou a castigar a Europa durante os séculos seguintes; aquela de Londres de 1665 tirou a vida de 100.000 habitantes e a de Marselha de 1720 causou 40.000 mortes na cidade e outras 120.000 na Provença. Os últimos casos foram observados na Itália meridional, perto da cidade de Bari, em 1815. Em seguida houve outra grande pandemia que atingiu basicamente o Extremo Oriente (1894-1906) durante a qual o médico francês Alexander Yersin conseguiu identificar a bactéria (a Yesinia pestis) e criar um soro apto a reduzir o avanço da pandemia.

Antes de falar da espantosa pandemia (viral) conhecida com o nome de espanhola, é necessário esclarecer o conceito de spillover (transborde) lembrando que os vírus responsáveis pelas grandes pandemias são todos de origem animal (zoonose). Por exemplo, o sarampo veio da peste bovina a causa de um spillover ocorrido no século XII nas comunidades que viviam em contato com o gado. Outros spillovers importantes são: o metacoronavírus encontrado originariamente nos morcegos e responsável pela MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente), o coronavírus da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave); o terrificante ebolavírus, responsável pela terrível doença chamada Ebola, oriundo dos macacos, e o famigerado HIV, responsável pela AIDS que, desde o começo dos anos ’80 causou no mundo nada menos que 32 milhões de mortes e, pelo qual, ainda não existe uma vacina. Além da Covid-19, outros coronavírus, todos provenientes dos morcegos, já entraram em contato com os seres humanos, como o NL63 (XII-XV século), o 299E (XVII-XIX século) e o OC43 (1890). Esses vírus continuam entre nós, mas perderam a sua agressividade, tanto que conseguimos conviver com eles sem muitos problemas sendo responsáveis pelo 10-15% dos resfriados comuns. É de se esperar que também a Covid-19 aprenda a conviver conosco gerando, quando muito, apenas espirros, tosse e calafrios.

Acredita-se que a pandemia de gripe espanhola (nada a ver com a Espanha), que atingiu o mundo em 1918-1919, tenha sido um dos maiores desastres, por morbimortalidade, dos últimos séculos. Devido possuir uma taxa de mortalidade entre 2,5 e 5% e tendo atingido cerca 30% (500 milhões) da população mundial da época, a espanhola matou entre 20 e 25 milhões de indivíduos, embora uns autores calculem até 40 milhões de vítimas. Essa pandemia deu três vezes a volta do mundo, tendo início em março de 1918 quando os casos se manifestaram principalmente entre as tropas que combatiam na Europa e se espalharam com uma rapidez impressionante sem, todavia, matar mais que uma qualquer gripe normal e sumindo misteriosamente no final de maio do mesmo ano.

Infelizmente, quando tudo parecia terminado, de repente, no final de agosto, a virose reapareceu de forma apocalíptica até o outono de 1918, apresentando uma taxa de mortalidade que cresceu dramaticamente: nunca em todo o curso de sua história a humanidade viu tantas pessoas morrerem em apenas três meses. Essa doença, que tirava a vida em poucos dias (ocasionalmente em poucas horas!), afetou principalmente homens jovens e saudáveis, e mulheres grávidas, mas poupava os idosos e os doentes. Em Chicago, as mortes na faixa etária de 21 a 40 anos foram cinco vezes maiores que entre 41 e 60 anos. Uma terceira onda, menos mortal que a segunda, foi registrada em janeiro de 1919 e, dessa vez, varreu também a Austrália que, tendo ativado uma quarentena bastante eficaz, havia evitado as duas ondas de 1918.

O problema da origem da pandemia de 1918 foi (e ainda está sendo) debatido por muito tempo no ambiente científico e as opiniões são muito diferentes. Não foi esclarecida a extensão da primeira onda epidêmica e ainda não se sabe se a cepa viral de março teve alguma relação com o vírus que eclodiu no final do verão, no outono e durante no inverno de 1919, mas os relatos da época dizem que quem adoeceu durante a primeira onda ficou imune às duas sucessivas. Vários epidemiologistas teorizaram que o vírus da espanhola fosse originário da província de Kwangtung (China) onde, originalmente, se alojava em aves e que, graças a modificações genéticas, foi transmitido aos porcos (1º spillover) causando uma gripe suína e depois mudando-se para o homem (2° spillover). Especula-se que o vírus demorou cerca de meio século para a transformação de agente infeccioso aviário em agente letal para os seres humanos, e ainda permanece desconhecida a causa dessa segunda transformação. Entretanto, podemos observar que o ano de 1917 foi caracterizado por uma temperatura média bem mais baixa que a de 1915 e de 1916.

O estudo das grandes pandemias do passado nos permite chegar a umas conclusões importantes. Antes de tudo não se trata de “castigos divinos”, pois atingiram pessoas de todas as idades, inclusive milhões de crianças inocentes, seja entre povos cristãos ou outros que seguiam religiões diferentes. De nada valeram as orações, as penitências ou as procissões que, como no caso da peste de Milão de 1630, só serviram para espalhar ainda mais o contagio. Ainda em 1919, na cidade espanhola de Zamora, o bispo, negligenciando as recomendações das autoridades sanitárias, promoveu missas e novenas para pedir perdão a Deus pelos pecados, tidos como origem da epidemia; os fiéis foram convidados a beijar as relíquias de São Roque, santo tradicionalmente invocado contra a peste. Como resultado na cidade de Zamora a taxa de mortalidade chegou a 3%, exatamente o dobro da média da Espanha.

A Ciência nos ensina que as epidemias têm uma origem natural e que, quando ainda não existe uma vacina disponível, a única defesa que realmente funciona é a quarentena e a supressão, na medida do possível, de qualquer forma de contato entre as pessoas.

No que diz respeito à questão da globalização é evidente que os meios de transporte modernos permitem que uma doença seja transferida de forma rápida e eficaz de um continente para o outro dentro de poucas horas mas, ao mesmo tempo, não é a industrialização em si que provoca os contagios. E se a atual epidemia está se revelando preocupante, isso se deve ao fato que, nessas últimas décadas, as nações têm concentrado seus esforços para tratar doenças degenerativas como o câncer, esquecendo que, periodicamente, aparecem surtos de moléstias contagiosas. Sem contar que na Itália, um dos Países mais castigados pela pandemia, a saúde pública foi sucateada durante cerca de dez anos seguidos com a supressão de dezenas de milhares de camas e uma drástica redução de médicos e enfermeiros.

Por outro lado, a climatologia mostra que, fundamentalmente, todas as piores pandemias da história, sempre estiveram relacionadas com fases de esfriamento climático. Quanto à Covid-19, um grupo de cientistas italianos, usando um database global fornecido pela Johns Hopkins University, chegou à conclusão que o coronavírus se desenvolve mais rapidamente nos climas frios e secos. Portanto, não é verdade que a pior ameaça à raça humana seja o aquecimento global que, pelo menos, proporciona uma maior abundância de alimentos, enquanto a diminuição da temperatura favorece a passagem de agentes infecciosos de animais silvestres aos seres humanos. Se muitos jovens, mesmo animados por boas intenções, em vez de se ausentar da escola para participar de ridículas “greves” estudassem mais, poderiam constatar a existência de perigos muito mais terríveis que o aumento da temperatura global.

BIBLIOGRAFIA

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- Michael Bar-Zohar, Nissim Mishal. Mossad. Le più grandi missioni del servizio segreto israeliano. Feltrinelli, Milano (2014).

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 02/04/2020
Reeditado em 03/04/2020
Código do texto: T6904512
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