A EPIDEMIA DE CORONAVÍRUS NA ITÁLIA

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Faz uma semana que o coronavírus chegou à Itália e ninguém sabe quando essa epidemia irá terminar. Por enquanto, apesar do número limitado de vítimas, o medo tomou conta da população e algumas escolas do Norte estão fechadas. Também muitas fábricas e escritórios fizeram a mesma coisa enquanto, como resultado de escolhas do governo populista anterior, nos hospitais faltam agora cerca de 50.000 entre médicos e enfermeiros que aproveitaram duma lei demagógica para se aposentar mais cedo. Uns políticos afirmam que a epidemia está sob controle mas, por outro lado, a culpa desse desastre é principalmente deles. De fato, enquanto os outros Países da Europa continuaram mantendo voos entre suas cidades principais e as da China, com rigoroso controle dos passageiros que voltavam na nação asiática, o governo italiano os proibiu. O resultado foi que quem queria voltar simplesmente pegava um voo Pequim-Paris (ou outra capital) e depois embarcava num segundo voo internacional pelo qual não havia controles. Foi assim que o coronavírus se espalhou pelo Norte da Itália que, sendo a parte mais industrializada da península, é aquela que tem o maior intercâmbio com a China. Mas houve também políticos locais que aproveitaram da epidemia para adquirir popularidade mediante ações inconsequentes como, por exemplo, o prefeito de Palermo -na Sicília- que mandou fechar as escolas da cidade sem que houvesse um caso sequer em toda a ilha. Seria como fechar as escolas de Porto Alegre por causa de algumas dúzias de pessoas contagiadas na cidade de Fortaleza.

Entretanto, lendo as crônicas e as queixas que regularmente aparecem no Recanto das Letras um leitor estrangeiro teria a impressão que o sistema de saúde brasileiro é algo de parecido ao Inferno de Dante onde não existe esperança de salvação para o paciente que não seja milionário. Além disso, a grande maioria dos cidadãos do País sulamericano reputam que a situação para quem vive na Europa seja, de forma geral, totalmente diferente, quase paradisíaca. Devido eu desconhecer os detalhes dos sistemas de outras nações, apenas irei falar da saúde pública italiana tomando como emblema das nossas mazelas um caso bastante corriqueiro, ou seja, quando se tornam necessárias seções de fisioterapia. Vou começar lembrando que vários anos atrás estava morando na cidade de Natal e tinha um plano de saúde Unimed que cobria as necessidades de toda a família. Mesmo tendo uma renda moderada, não achei esse plano particularmente caro. Um dia senti una forte dor numa perna e logo me dirigi a uma clínica conveniada. O ortopedista atendeu-me imediatamente, mandou que tirasse umas radiografias e, já no dia seguinte, comecei o tratamento oportuno. A fisioterapia foi tão bem executada que durante mais de dez anos não tive o menor problema.

Vamos agora ver o procedimento a ser seguido na Itália para tratar a mesma patologia. Antes de tudo é necessário ir ao “médico de base”, que não cobra nada, mas encaminha o paciente ao especialista. O paciente apresenta o encaminhamento numa qualquer farmácia e reza para que apareça uma vaga num prazo razoável. De regra, mesmo nas regiões mais avançadas do Norte, a espera pode ser bem demorada, principalmente quando se trata de radiografias ou ultrassonografias. Já se viu casos de pacientes que enfrentaram até seis meses de espera e, recentemente, foi relatado o caso de um senhor que, afetado por graves problemas cardíacos, teve que aguardar um ano para bater um simples eletrocardiograma! Mas vamos supor que o cidadão tenha sorte e consiga a consulta dentro de duas ou três semanas. Enquanto isso terá que ir num banco para pagar o “ticket”, uma forma de coparticipação que varia de uma região para a outra, mas custa mediamente em torno de 20-25 euros (cem reais).

Já isso mostra que a saúde pública, teoricamente gratuita, não é nada de graça. Como é bastante provável que o especialista solicite uns exames, o paciente terá que perder mais uma tarde para voltar ao “médico de base” para pedir o documento necessário para o exame instrumental e um segundo encaminhamento para o especialista (aqui não existe o tal do “retorno”). O paciente, cada vez mais impaciente, irá de novo procurar uma vaga passando por uma farmácia, pagará os dois novos tickets num banco e, finalmente, irá de novo ao especialista o qual irá prescrever a terapia oportuna que, no entanto, deverá ser endossada pelo médico de base. Em resumo: três dias perdidos na sala de espera do médico de base, duas idas ao banco e duas no especialista; sem contar o valor dos tickets que, nesse caso, iriam ultrapassar 300 reais: esse não é exatamente um sistema de saúde pública totalmente gratuito. No caso da fisioterapia somente a parte de cinesioterapia é “grátis” (o ticket custa 170 reais), mas tudo o que for realizado com instrumentos (eletroterapia, ultrassons, etc.) deve ser custeado integralmente pelo paciente, e não é nada barato! Praticamente, muitas vezes fica mais em conta se dirigir diretamente a um especialista particular, sem contar que o laudo é quase imediato. Mas as coisas podem ser até piores...

Um idoso amigo da minha família teve que esperar cinco meses antes de poder inciar a cinesioterapia e, como a dor era forte, foi obrigado a se dirigir a uma clínica particular. Assim acabou pagando duas vezes, pois qualquer cidadão, além dos vários tickets, paga um imposto regional para ter acesso ao serviço de saúde pública. Outro caso emblemático foi o duma senhora com quase 90 anos de idade que tinha uma catarrata bilateral muito avançada. Ela foi a um oculista público o qual afirmou que a paciente “enxergava perfeitamete”, ao ponto que “podia dirigir um carro” e receitou um simples colírio. Ela tranquilizou-se, mas depois de um mês a situação piorou tanto que a pobre, quase cega, submeteu-se a uma consulta particular. Dessa vez o oftalmologista, obviamente mais competente que o colega do serviço público, solicitou uma cirurgia bilateral com caráter de urgência, mas quando esse documento foi apresentado no setor oportuno do hospital da cidade onde ela reside, a resposta foi que a idosa devia esperar dezoito meses, devido a lista de espera estar muito comprida. Moral da história: a senhora, que vive com uma pequena aposentadoria, teve que desembolsar cerca de 5.000 euros (23.000 reais) para ser operada; ela teve que gastar quase tudo o que havia acumulado durante uma vida de sacrifícios. É interessante observar que o médico que a operou é o mesmo que trabalha no hospital público. E é sempre assim: para consultas, exames e cirurgias realizadas mediante o sistema de saúde público as listas de espera são infinitas, mas se o paciente estiver disposto a pagar, a vaga aparece como por milagre! O pior é que somos todos (trabalhadores e aposentados) obrigados a pagar pela saúde pública, sendo que um imposto progressivo é descontado na fonte. Por esse motivo, basicamente não existem planos de saúde particulares e os melhores hospitais são todos públicos porque, efetivamente, até uns vinte anos atrás a situação era infinitamente melhor.

Termino com uns detalhes interessantes. Quando, no Brasil, se vai num laboratório onde são coletadas amostras de sangue, o laboratório sempre disponibiliza bebidas quentes (café e chá) com biscoitos, salgadinhos e copinhos de salada de frutas. Na civilizada Itália nunca vi isso.

Pior ainda, já mais de 15 anos atrás os laboratórios brasileiros davam aos clientes uma senha para poder baixar e imprimir os resultados dos exames via Internet. Quando falei desse sistema aos funcionários dos laboratórios de análise daqui, os profissionais me olharam como se fosse um marciano e esse sistema, que não obriga o paciente a enfrentar novamente uma fila para receber um envelope, está começando a se desenvolver somente agora, com décadas de atraso em relação ao Brasil!

Mesmo assim, apesar de todos seus inúmeros problemas, a saúde pública italiana ainda tem uma arma secreta que o Brasil nem sonha. Trata-se do Ministro da Saúde cujo nome é Speranza (em português significa “esperança”) e, para quem necessita aguardar anos para uma cirurgia ou não tem como pagar as curas, ter Esperança é muito, muito importante!

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 27/02/2020
Código do texto: T6875623
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