Amigos imaginários

Um irmão na fé costuma brincar comigo dizendo: Ivo Crifar morreu. Cadê o Ivo Crifar? Não escreveu mais nada. Por conta dessa brincadeira, resolvi enviar-lhe, por email, um arquivo contendo um texto, fruto de minhas meditações na palavra de Deus, assinado por Ivo Crifar. Na mensagem de encaminhamento escrevi apenas: Ivo Crifar não morreu.
A resposta não demorou a chegar, e a afirmação de que ele não conhecia o "servo" Ivo Crifar, mas somente a mim(e citou o meu nome), me fez supor que, na visão dele, um texto de cunho evangélico não deve ser assinado por um pseudônimo. Esse irmão discorda de mim em muitos pontos, por isso, posso entender que ele tenha tido dificuldade para aceitar o meu ponto de vista e não tenha encarado como brincadeira. Porém, tal resposta não me aborreceu. Ela me trouxe a mente, explorar o assunto "amigos imaginários".
Eu nunca tive, nunca ouvi alguém me dizer que tivesse um amigo imaginário. Aliás, só conheço a expressão por causa de filmes americanos. Um dos tais tem como enredo uma mulher que se achando grávida, por conta de traumas de infância, teme pelas mudanças na sua vida com o nascimento do bebê. Além disso, tinha que enfrentar o fato de que a notícia da gravidez havia despertado o ciúme no tal "amigo imaginário".
Como não sou de fazer rodeios e dizer logo o que penso, vou direto ao ponto afirmando que o "amigo imaginário" não passa de um demônio que se aproveita da inocência de uma criança. A ignorância é uma das armas mais usadas pelo diabo para dominar a mente das pessoas, além da perigosa estratégia do auto-conhecimento.
Gostaria que não fosse redundante afirmar que satanás se apresenta de varias maneiras, antes busca explorar as inclinações de crença de cada lugar. Certa vez chegou às minhas mãos uma revista em quadrinhos que fazia um campanha em defesa das figuras folclóricas da amazônia: elas estavam caindo no esquecimento. Muitas crianças não as conheciam, os pais já não contavam mais as suas histórias. O inimigo de nossas almas incita os homens a não abrirem de sua cultura e a preservá-las a todo custo, obrigando-as a respeitar as culturas alheias. Contudo, tais culturas, na sua maioria, consiste em praticas idólatras que desagradam a Deus.
Bem aventurado sou por ter criado minhas filhas longe dos contos de fadas e não acreditando em papai noel, em total discordância com os educadores seculares, que argumentam com a necessidade quase imperiosa de incutir nas crianças a figura da fada madrinha e do bom velhinho para cultivar nelas uma boa índole. As lágrimas sinceras da ignorância são derramadas por mentes esclarecidas ao ser constatado por pesquisas que apontam que as historias da carochinha que as mães não contaram para seus filhos na infância são os possíveis motivos que levaram homens a uma vida marginalizada. Histórias verdadeiras de verdadeiros heróis como Moisés - o libertador de Israel, José – de escravo a governador do Egito, Davi contra Golias, a arca de Noé, Elias contra os profetas de Baal entre outras, renderam a minha prole uma enorme fidelidade e temor aos mandamentos do Deus altíssimo.
Não nasci em lar evangélico e cresci em meio a crenças mais grotescas, embora muito comuns e dominantes. A insônia fez das noites da minha infância uma era de medo. Especialmente, as de lua cheia, a preferida dos lobisomens, dos fantasmas em geral. Não tínhamos energia elétrica e serviço de iluminação da rua só ia até às 22 horas. Enquanto todos dormiam serenamente, eu me encolhia sob o lençol. Temia mais o luar do que a escuridão. O silêncio fazia de mim um refém do medo. As vezes, o vento soprava levemente e ao crepitar das folhas eu sobressaltava de pavor. A qualquer momento, por volta da meia-noite, o assassino podia passar carregando num carrinho de mão a sua vítima para pagar os seus pecados. Um barulho de carro distante podia ser o médico a rodar a cidade com a sua kombi azul buscando a paz para a sua alma suicida. O alívio só vinha depois que o galo cantava pela ultima vez. Logo as galinhas começariam a ciscar pelo quintal e o sol não demoraria a trazer alívio para o meu coração. Mas, na hora do almoço, temia olhar para um buraco na parede, evitando ver a perna de calça que costumava passar ao lado da casa e desaparecer misteriosamente.
Não é comum, no Brasil, a crença em amigos imaginários. A ficção mostra que crianças envolvidas com tais amigos imaginários gostam muito de brincar sozinhas, são insociáveis e raramente toleram companhia de outra criança. Conservam-se vítimas de uma escravidão sem algemas. Entretanto, ensinar o medo, em vez do amor, é mais comum do que se imagina. Boa parte dos pais ensinam seus filhos baseados em dogmas que aprenderam na infância. Vivemos num pais nascido de uma cultura idólatra, onde a idolatria foi plantada em cada canto, em cada cidade. Poucas são as cidades que não foram batizadas com nome de santo. A doutrina espírita menciona os espíritos evoluídos para induzir a crença na reencarnação. E isto me fez pensar que bom seria a gente poder ler a bíblia inteira ou fazer um seminário teológico antes de nascer. Todavia, a vida é única. Não há outras vidas, além desta. E ainda que nem todos os pais tenham o temor de Deus, ele nos dá a cada dia a oportunidade de conhecer a verdade que liberta, o amor que lança fora o medo.
Por falar em amigo, quem me conhece sabe que eu sou de poucos amigos. Mesmo assim, não me considero um ser insociável. Sempre tive muita dificuldade de me aproximar das pessoas. Lutei com isso. Foi uma luta pessoal intensa, mas hoje considero vencida essa barreira. Não me transformei da água para o vinho nem me tornei um extrovertido, apenas me tornei capaz de entabular uma pequena conversa e responder gentilmente ao ser interpelado por quem quer que seja. É oportuno, porém, confessar, aproveitando o assunto em pauta, a minha enorme dificuldade para me concentrar na oração quando eu estou sozinho na presença de Deus. Minhas conversas com Deus geralmente ocorrem em caminho para onde quer que seja. Qualquer oportunidade é aproveitada para fazer do "amigo mais que um irmão" a minha companhia. Por amar a Deus, sempre busquei modos de agradá-lo, de fazer a sua vontade. A bíblia diz que Jesus é meu Rei, meu Pai, meu Senhor, meu salvador, meu amigo. E, também, que há só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem. Gosto de conversar com Deus, como eu gostaria de conversar com um amigo. Considero que a maior virtude de um amigo é saber ouvir. É complicado não ter um amigo com quem desabafar. Portanto resolvi recorrer ao melhor amigo. Passei a desabafar no papel, e assim, quando estou sozinho, derramo o meu coração no papel, é como escrever direto no coração de Deus. Ressalto, porém, que fiz do papel um instrumento de diálogo com Deus, e não um amigo, e que não tenho um "amigo de papel". O verdadeiro amigo não é o imaginário nem o de papel. Mas o que não nos chama mais de servo, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Nos chama de amigos e nos faz saber tudo o que tem ouvido do Pai.




Este texto faz parte da coletânea Alma Nua de Ivo Crifar, pela editora Baraúna.