Crônica sobre o cachacismo verbal no Recanto
O homem dado a devaneios é mais feliz!
O motivo mais básico do homem beber é a necessidade de distorcer a realidade, para que possa sorrir, chorar ou aceitar algo doloroso.
A cachaça ajuda a empurrar goela abaixo chifre, burrice, impotência sexual, famoso broxismo, amor mal curado, falta de dinheiro e babaquice.
Não é o chifre que causa infelicidade no homem. É não aceita-lo é que causa. O mesmo vale para as demais "causas" citadas acima.
A cachaça serve para entorpecer a mente até que ela, enfraquecida, ceda aos caprichos do alcoolista.
O alcoolista é sujeito que tenta buscar aceitação da coisas da vida, como nem tudo podemos aceitar, a cachaça se torna inútil e a atitude de homem se torna decisiva entre continuar bebendo e adoecer ou reagir.
Descobri no Recanto que "palavra" rima com com "cachaça". É possível se embriagar de retórica barata e falácias, até que se veja o mundo do jeito que gostam.
E quantos desta cachaça aqui oferecida já estão fidelizados? Eu saberia dar o nome de pelo menos cinco escritores aqui onde a cachaça de graça é garantida. Ir na página dos sujeitos é como ir a um bar: fica-se entorpecido só de começar a ler os títulos.
A alegria barata é garantida a custa do entorpecimento. Me preocupo com os dependentes químicos por aqui, muitos já andam trôpegos entre artigos e poesias.
Aqui também tem os cachaceiros solitários, viajam e deliram sozinhos.
É a cachaça verbal nossa de cada dia pra esquecer do mundo. A mais tomada aqui se chama Olavo de Carvalho.
Uma cachacinha de vez em quando não mata ninguém. Quem nunca se entregou a uma boa conversa fiada, a teorias estapafúrdias e esperanças infundadas?
Quem aqui nunca adulou ou adula um político bandido?
Mas me preocupa aqui é recorrência. Tem gente sempre se embriagando com a mesma cachaça. Conta-se a mesma piada e riem como se fosse a primeira vez que é contada. Só o alcoolismo verbal explica.
Imagino a pensamento de alguns ao logarem no Recanto e que vão direto a certos autores para afogar as mágoas, os ranços ou ódios. Afogar não é bem a palavra, mas alimentar.
A cachaça ruim piora o que ela deveria matar: um conselho para os viciados e um aviso aos botequeiros das palavras.
A palavra não é só cachaça. Pode ser um café forte para te acordar pra vida. Pode ser um balde de água fria pra te tirar da ressaca moral das derrotas. Pode ser o leite para nutrir os fracos de espírito. Pode ser o vinho para se lembrar de um amor. Pode ser a cerveja para se reunir com os amigos. Pode ser a rosa para se dar ao ferido no coração. Pode ser o chá quente para confortar a alma do solitário e do aflito.