Kardec e o humor no casamento.
Aquele casal vivia as turras.
Ela reclamava dele. Ele implicava com ela.
Em nada mais se pareciam com os namorados apaixonados de outrora. As juras de amor deram lugar as caretas pelas costas. Qualquer semelhança com a realidade, caro leitor, é mera coincidência, mas continuemos.
O filho resolveu ir até a locadora alugar filme de comédia para ver se melhorava o astral da casa.
Sentaram-se os três para assistir, pai, mãe e filho.
Ela gargalhou, ele implicou.
Ele gargalhou, ela reclamou.
O filme de comédia acabou sem que ambos pudessem de fato dar uma gostosa gargalhada para espantar o mal humor, foram dormir como de costume, na mesma cama, porém, cada um imerso em seu desanimado pensamento.
Enquanto namorados tudo vai as mil maravilhas. São promessas de amor eterno, beijos e abraços apaixonados.
Sorrisos mil, ele o supra sumo do bom humor, ela a diva da alegria.
Se comunicam com o olhar, foram feitos um para o outro.
As limitações de cada um são minimizadas pela compreensão, as virtudes maximizadas pela paixão.
Até o ciúme, essa chaga que não raro descamba ao crime, ganha simpatia, servindo como tempero da relação.
O casamento então é inevitável, afinal, querem constituir família e os filhos irão coroar esse infinito amor.
Mas eis que os anos passam, a paixão arrefece. As dificuldades surgem, o mal humor aparece.
Ela esbraveja:
- Onde estava com a idéia quando me casei com você?
Ele retruca:
- Idéia? Você nunca teve isso!
Os sorrisos saem de cena para a entrada da reclamação, ironia, indiferença.
Ela continua:
- Ah, se eu encontro quem inventou o casamento!
Ele acentua:
- Ah, se você encontrar quem inventou o casamento me avisa, quero pessoalmente dar um jeito nele, ou nela!
O ciúme, antes simpático, torna-se antipática algema a constranger mais ainda uma conturbada relação.
Por que será, amigo leitor, que o passar dos anos juntos azeda muitos casamentos, ao invés de açucará-los?
Como resposta poderíamos dar a instabilidade emocional, a imaturidade, a indiferença, todavia, preferimos focar o comentário sobre os transtornos de humor que muitas vezes acomete um dos cônjuges, ou até mesmo os dois.
São grandes os números de relacionamentos que se desfazem porque um ou outro está sofrendo de Transtorno Ciclotímico, que se caracteriza por mal humor persistente, onde as reclamações se fazem ferozes e a sede por compreensão ultrapassa os limites do bom senso.
Kardec, sabedor das dificuldades que enfrenta a alma humana, tratou de averiguar o assunto referente ao casamento com os Espíritos amigos. Em “O livro dos Espíritos”, na questão de nº 695, o codificador pergunta:
P - O casamento, ou a união permanente de dois seres, é contrária à lei natural?
R - É um progresso na marcha da humanidade.
Prossegue Kardec na questão de nº 696:
P - Qual seria o efeito da abolição do casamento para a sociedade humana?
R - O retorno à vida animal.
Segue abaixo comentário do codificador:
“A união livre e casual dos sexos é um estado natural. O casamento é um dos primeiros atos de progresso nas sociedades humanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e aparece entre todos os povos, ainda que em condições diversas. A abolição do casamento seria o retorno à infância da humanidade e colocaria o homem até mesmo abaixo de alguns animais que dão exemplo de uniões constantes.”
O casamento é um progresso porque com ele deixamos de conjugar o verbo na primeira pessoa do singular, EU, para passar a conjugá-lo na primeira pessoa do plural, NÓS. Se antes era meu carro, minha casa, minha cama, após o casamento será, nosso carro, nosso lar, nossa cama, nossos filhos, nossos sonhos. Com o casamento assumimos o compromisso de nos dedicar ao cônjuge, aprendendo o significado real do amor, da amizade, da compreensão. Aprendemos a planejar, a priorizar, a nos disciplinar, a renunciar nossos caprichos para atender as necessidades da família. Com o casamento aprendemos a dividir alegrias e tristezas, dores e felicidades. Contudo, para que o casamento represente de fato um progresso da humanidade, imperioso temperar a relação com dois ingredientes: bom humor e compreensão.
Se não existir bom humor e compreensão, fatalmente o casamento será um fardo pesado de se carregar, fazendo-nos viver carrancudos, como se o cônjuge fosse de fato uma algema que nos impede de gozar a vida em plenitude.
Por isso, importante ao perceber o azedume do comportamento, que se persistir pode ocasionar o fim da relação, do casamento, da família, procurar auxílio. Reconhecer que estamos precisando de ajuda não é sinal de inferioridade, mas sim de maturidade.
Importante dialogar com o cônjuge, expondo-lhe seus pontos de vista, para que a harmonia se restabeleça.
O ser humano tem dificuldades em reconhecer que está precisando de ajuda, principalmente a ajuda psicológica. O orgulho fala alto e muitos colocam-se apenas na posição de colaboradores, mas jamais na posição de necessitados. Querem passar sempre uma imagem de constante equilíbrio, e com isso sofrem calados, uma pena.
Muitos casos dramáticos poderiam ser resolvidos se nos dispuséssemos a dialogar mais, procurando apoio de nosso semelhante quando algum problema nos angustia o ser.
Externando nossos dilemas íntimos, admitindo que necessitamos de apoio, que pouco podemos sozinhos, e que, o comportamento azedo apenas nos afasta de quem nos ama, certamente daremos grande passo para uma relação saudável com aqueles que convivem mais estreitamente conosco, colaborando então para nosso próprio crescimento como filhos de Deus e a harmonia de nosso lar.