PSICOPEDAGOGIA: EM BUSCA DE UM MUNDO PERDIDO

MARIA DOLORES FORTES ALVES & NÁDIA APARECIDA BOSSA

‘’Nenhuma época conseguiu tornar esse saber tão pronto e facilmente acessível. Mas nenhuma época tampouco soube menos o que é o homem’’. (Heidegger, aput. Morin 2002:16).

A entrada no século XXI é marcada por profundas mudanças no modo de vida do homem ocidental. O atual estágio de desenvolvimento tecnológico-científico e da tecnociência, bem como a globalização, impõe ao ser humano, novas formas de pensar. Nos meios acadêmicos, busca-se transcender os paradigmas científicos da modernidade.

Estamos em um momento em que se faz necessário uma formação ampla de saberes. O conhecimento científico já não basta ao ser humano.Tornou-se imprescindível, o “aprender a ser, a conviver, a fazer’’, enfim, é preciso aprender a aprender”.

Morin (2002), ao discorrer sobre o pensar e o pensador deste século mostra-nos um ser humano múltiplo e complexo, que contém ao mesmo tempo o homo sapiens/demens, faber/ludus/imaginarius, economicus/consumans/estheticus e prosaicus/poeticus. Temos ainda, nesta complexidade, a dialética complementar e antagônica indivíduo/sociedade que, ao mesmo tempo, submete o homem e o liberta. Este autor ainda nos adverte que ‘’o desenvolvimento técnico, industrial e econômico é acompanhado por um novo subdesenvolvimento psicológico, intelectual e moral. Estamos diante de uma nova concepção de sujeito que não pode mais ser concebido, apenas em sua base genética, fisiológica e cerebral. Mas, também devemos olhar este homem a partir dele próprio, de sua afetividade, do seu egocentrismo, de sua subjetividade, de sua intersubjetividade e de seu altruísmo.

‘’Permanecemos um mistério para nós mesmos (...) O objetivo das ciências humanas não era revelar o homem, mas dissolvê-lo. Nenhuma época acumulou sobrenomes tão numerosos e diversos conhecimentos como a nossa.’’ (Morin, 2002:16).

A escola, instituição privilegiada enquanto espaço de construção do conhecimento, busca hoje se melhorar, inaugurando no discurso pedagógico a noção de afetividade, Bossa (2002). Sabemos que a afetividade sempre esteve presente nas relações humanas visto que sempre está e estará presente no Ser em sua dimensão emocional. Porém, o manejo da afetividade no contexto pedagógico é um grande desafio para os professores que vivem dificuldades em relação as suas próprias emoções.

Hoje, a formação do docente remete ao aluno. Para além da perspectiva tecnicista que prima pelo domínio do conteúdo a ser ensinado, a metodologia e a didática, está o sujeito e a subjetividade. Ensinar significa conduzir o aluno ao aprender. Aprender, por sua vez, significa constituir-se como sujeito autor.

Azevedo nos pronuncia que a afetividade permeia, constantemente, os processos interativos. Os indivíduos internalizam as experiências afetivas com relação a um objeto significativo e as experiências vividas na medida em que ocorrem, inicialmente, entre os indivíduos envolvidos nos planos interpessoal e através da mediação, elas vão se internalizando no plano intrapessoal, aufere autonomia e acaba fazendo parte da historia pessoal na qual...

“emoção e inteligência são duas propriedades inseparáveis da atividade humana; quando não se desvendam é porque se encontram em estado virtual. A emoção esta sempre presente na vida do individuo; mesmo em estado da quietude.” (2002: 211,212).

O Professor que foi treinado tecnicamente para administrar conteúdos, com suas verdades prontas e rígidas, atualmente encontra-se sem respaldo, sem’’ verdades’’ a serem seguidas. Acostumado a receitas do ‘’como fazer’’, não consegue sequer ser autor de si próprio. Foi treinado sobre padrões e formas do que era ‘’ser professor’’, perdeu o solo firme no qual pisava, sua onipotência de ‘’tudo saber’’. Formar-se professor, não implica ainda, neste momento, em conhecer seus princípios e valores para construir junto com seu aluno a prática pedagógica. Prática esta, que deixou de ser produzida a priori para ser criada a posteriori, pensada e constituída em cima de incertezas. Nós, educadores, construímos o hoje com o pouco que pudemos pensar ontem. O pensamento de ontem não era nosso. Acomodamos verdades acreditando serem nossas, e a única certeza que temos é de que amanhã tudo irá mudar. Neste rumo incerto, de verdades mutáveis, temos que tomar cuidado para não nos despedaçarmos, não nos fragmentarmos para que a educação não perca sua finalidade básica de ser ‘’instância de produção de indivíduos como sujeito e pessoas.’’ (Bossa, 2002:39).

Com um mundo interno totalmente desconhecido, como este educador irá possibilitar a autoria de pensamento se ele não aprendeu a pensar, a produzir seus próprios caminhos? Teremos um futuro de seres humanos perdidos, impotentes diante sua própria razão e emoção, com sua subjetividade fragmentada? Neste momento tão amplo de saberes, desejamos lançar luz sobre a importância do professor conhecer seus próprios valores, os quais constantemente se traduzem em emoções, que contribuem na formação dos valores dos homens de amanhã.

Para tanto, propomos através do autoconhecimento, provocado pelos olhos da Psicopedagogia, a ressignificação dos valores do professor’’. Assim, apontamos a importância o conhecimento dos valores do professor para esse novo fazer pedagógico. Um fazer que o leve à autoria de pensamento, aos caminhos que conduzem ao fazer e viver com e pelos valores que estão na essência de sua consciência.

Andrade nos traz que:

‘’A Psicopedagogia vai trabalhar a gestação de espaços subjetivos e objetivos que possibilitem a autoria de pensamento. A autoria do pensamento pressupõe espaços de liberdade que se constituem a partir da aceitação das diferenças e do prazer em pensar. Esse espaço se constitui na medida em que o sujeito possa conceber-se diferente do Outro e sinta-se autorizado por este Outro a diferenciar-se. O prazer estará na descoberta de criar um objeto sobre o qual terá posse, podendo ainda autorizar ou não que seja conhecido pelo Outro.’’ (2002: 19).

Destarte, buscamos na Psicopedagogia a possibilidade de suscitar o espaço da autoria de pensamento, do sujeito autor. Aquele que se institui e se faz presente através de um ‘’corpo’’ que sente, existe, ama e proclama sua liberdade de ser, estar e viver no eterno presente, no eterno agora. Aquele que se autoriza a construir e conduzir sua própria vida transcendendo os fragmentos de si mesmo para encontrar em seus valores caminhos que o conduzam a sua identidade humana.

Agora, clareando sobre o que são valores, podemos dizer que no sentido humanista se entende por valor o que faz com que o homem seja tal, sem o qual se perderia a humanidade ou parte dela. O valor se refere a uma excelência ou uma perfeição. Falar de valores humanos significa conceber o homem como o supremo valor entre todas as coisas e que não supera a nenhum outro valor terreno, dinheiro, estado ou ideologia.

O ser humano ao longo de sua existência foi delineando seus valores na medida das necessidades determinadas pelo momento histórico. Os valores humanos foram se constituindo como um modo de estabelecer e preservar vínculos afetivos entre os seres da mesma espécie. Os valores interiorizados por cada ser, mesmo inconscientemente, tornam-se norteadores nas relações para consigo, com o outro e com o seu destino.

Considerar a subjetividade, ter consciência dos princípios e valores que nos regem é condição essencial na formação e na constituição da subjetividade do homem que se está educando. No nosso entender o Ser Humano se constitui no ingrediente primordial da relação pedagógica. No entanto, a escola esteve até os dias atuais, fundada na relação entre mestre e ser epistêmico. O colorido indispensável à vida, aquele que instiga e alavanca a inteligência e faz nascer o desejo de aprender só se faz presente na escola intuitivamente, através do professor naturalmente capaz de compreender-se e compreender seu aluno, autor consciente e responsável por sua ação e atuação.

Ainda, dizemos que o ser humano enquanto ser in natura traz dentro de si os valores essenciais, no entanto, o tecnicismo do ato pedagógico colocou a técnica na frente do ser. Privilegia-se o fazer, cumprir tarefas e prazos, ter responsabilidade, obedecer a regras e tantas outras ações corretas se constituem no substrato da educação escolar. Porém, parece-nos que diante da Vida o que nos significa, o que significa o viver, está além do fazer, está na essência do ser... E, para significar este viver, existem valores que fazem a diferença: são os valores sementes da humanidade, valores Humanos essenciais, que cabe ao educador, pelo ato de amor, fazer germinar...

Quando o professor puder olhar para sua prática e nela ver refletida seu ser em seu fazer estará apto ao exercício de reflexão que ressignificará seus valores. Neste ato de refletir, voltar-se para si mesmo, ele poderá encontrar no seu interior, suas raízes do humano do humano. Assim, o professor compreenderá qual é o sentido, o sentir, que valores como solidariedade, fraternidade, confiança, respeito e amor têm, germinará a possibilidade de despertamos para a consciência da humanidade da humanidade. Então, fiaremos juntos uma nova ciência com consciência, encontraremos nossa identidade humana.

Vamos ressignificar os valores presentes no ser e no fazer pedagógico. Vamos caminhar para uma nova experiência: vivência de valores humanos, sentimentos e a existência do amor.

“O humano somente torna-se humano através do olhar de outro ser humano”.

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Professora, Pedagoga, Psicopedagoga. Escritora, Palestrante, Conferencista, Doutoranda em Educação pela PUC/SP; Mestre em Educação: Currículo pela PUC/SP; Mestre em Psicopedagogia; Pós Graduação em Distúrbios da Aprendizagem pela Universidade de Buenos Aires; Especialista em Educação em Valores Humanos pela Fundação Peirópolis; Pesquisadora de Educação em Valores Humanos, Inter e Transdisciplinaridade pela PUC/SP e Fundação Peirópolis; autora do livro “De Professor a Educador: Contribuições da psicopedagogia: ressignificar valores e despertar autoria.” e “O Vôo da águia: uma autobiografia” todos pela WAK. mdfortes@hotmail.com

Site pessoal: www.edupsicotrans.net.