DOUTORES DO ABC

Ontem, em consideração a um casal de amigos, fui assistir à festa dos doutores do ABC da filha deles. Quando assistia à solenidade veio-me à mente lembranças de minha formatura em Contabilidade, que seria o assunto desta crônica ou artigo, não sei qual definição dar, porém, resolvi mudar a tônica e tecer algumas considerações acerca da solenidade de ontem.

Esse tipo de solenidade deixou de ser uma festa para as crianças, para ser mais um meio de se ganhar dinheiro e explorar as já combalidas finanças dos pais, que pagam caro pela educação e ainda tem a imposição dos colégios para tornarem um momento festivo e alegre das crianças em uma cerimônia feia, chata, demorada, entediante, sem qualquer sentido, pois quem menos aproveita são as crianças, que aliás nem entende o sentido daquilo tudo e deixam mais ainda de ser criança, visto que atualmente as crianças perderam a noção de brincadeiras entre si, ilhadas que estão por tablets, celulares, enfim pela modernidade das redes sociais, internet, watsaaps etc.

Em relação à feia solenidade, diversos dissabores foram ainda impostos aos convidados, às crianças e aos pais, estes que coniventemente concordaram com as exigências do colégio:

1. A festa foi em um buffet dos mais caros de Fortaleza, cuja localização era péssima para os pais dos alunos e a maioria dos convidados, porque quase todos tiveram que atravessar a cidade de ponta-a-ponta para chegar ao local, o colégio promotor da festa fica do outro lado da cidade e todos os alunos moram perto da escola, e lógico que os convidados também;

2. as crianças tiveram que enfrentar, juntamente com os pais, mais dez horas de suplício entre se arrumar, trânsito e solenidade, sem falar nas roupas desconfortáveis obrigadas a usarem, por exigências de cerimonialistas sem noção, que buscam impor seus conceitos goela abaixo nas pessoas, e os pais arcando ainda com despesas de aluguel de vestidos para as mães, filhas e paletós para os filhos e para si mesmo;

3. o local do buffet além de horroroso, era de uma fedentina monstro. A catinga exalada de uns esgotos próximos era insuportável, e os presentes na chegada eram recepcionados por um enxame de muriçocas ávidas por sangue novo, que infestava o local, que ainda não satisfeitas, acompanharam os convivas durante toda a cerimônia, obrigando as pessoas a passarem muitas horas da tal solenidade espantando-as para não serem devoradas vidas ou no mínimo sair de lá portanto uma doença qualquer – dengue, chicungunha, zica... - ;

4. as crianças, que não aproveitaram a festa em nada, ficaram confinadas lá no alto do primeiro pavimento à espera do chamamento nominal para descerem as escadas e dirigirem-se ao palco, com todo aquele calor infernal, ridiculamente vestidas. O ar condicionado não esfriava o local, porque os ares-condicionados eram poucos ou de pequena capacidade para o tamanho do local e a quantidade de pessoas;

5. por volta de dez e meia da noite, depois de vários e vários discursos, foram tocadas duas valsas; uma valsa para cada duas turmas dançarem. Aí veio outra espera, porque muitos pais não compareceram ao local da dança de imediato para se juntarem aos seus filhos, deixando todos à mercê da boa vontade de cada um, estressando ainda mais os pequenos alunos e aos demais presentes já cansados daquela cerimônia infindável, cansativa para qualquer ser humano, principalmente, depois de um longo dia de trabalho;

6. após as famigeradas valsas, veio o jantar. O corre-corre foi fenomenal, como sempre acontece em todo esse tipo de festa. Antes de terminado o jantar, anunciaram a liberação da mesa de doces. Aí piorou a situação, as pessoas esbaforidas, que já comiam numa sofreguidão imensurável, largaram seus pratos cheios, para serem devorados na volta, e lançaram-se numa corrida frenética à procura da mesa dos doces, que foram recolhidos aos montes dentro de bolsas, sacolas, sacos de papel, guardanapos, sacolas de supermercado, enfim em tudo que estive ao alcance das mãos ávidas dos presentes, para apanharem a maior quantidade possível de doces;

7. a comida era de péssima qualidade, assim como os salgadinhos, fritados no óleo que chegavam a amargar de tanto óleo saturado, os doces, esses também de qualidade muito suspeita. Enfim dinheiro jogado literalmente fora, pois não acredito que alguém tenha saído de lá satisfeito, exceto, a filha de meus amigos, que devido a escolhas religiosas dos pais nunca havia participado de uma solenidade qualquer.

Afora tudo isso, merece comentário à parte a organização da festa. Não se viu durante os discursos dos professores ou dos alunos, menção ao país. Inclusive o discurso das crianças foi iniciado em inglês e traduzir para o português, quando, mesmo se fosse intenção dos administradores do colégio, mostrar aos pais o nível de educação dado aos alunos, deveria ser o contrário, em português e traduzido para o inglês. Não se via uma só bandeira do Brasil, se fosse da Cut, do PT ou do MST teria, claro que estariam ostentadas como toda pompa. Infelizmente, não temos qualquer apreço à nossa pátria. Híbrido, diria ser nosso povo, no sentido de acharmos o povo americano imperialista e ao mesmo tempo damos a ele o status de grande importância. Hipocrisia, entretanto, ficaria bem melhor para a definição.

Enfim, a festa, ao meu ver, não faz nenhum sentido. Quando minhas filhas eram crianças, participaram de festas dos doutores do ABC, mas era uma solenidade no próprio colégio, como ainda se vê hoje em dia em alguns. Cadeiras postas nas quadras de futebol, as crianças sentadas no chão, sem roupas pomposas, brincando como crianças, os professores faziam um rápido discurso, e pronta a festa estava feita, as crianças se divertiam e brincavam umas com as outras. Mas os tempos são outros, e os educadores também, assim como os pais não enxergam que criança tem que ser criança.

No futuro, quando adultos, deverão levar as coisas mais a sério, por enquanto, deixemos que nossas crianças sejam crianças, e quando se fizer festa para elas que sejam para elas, não para nós, pois mesmo sem bebida alcoólica os adultos se aproveitaram e as crianças apenas ficaram cansadas.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZA, DEZEMBRO DE 2019