Democracismo

É a crença exagerada na funcionalidade de uma democracia "absoluta" . É parecido com a crença no livre mercado, porque também se baseia na ideia de autonomia total só que do povo em relação às elites, enquanto que, no liberalismo econômico, é a do mercado em relação ao Estado.

Se o Estado não está funcionando corretamente, liberais da economia prescrevem ''elimina-lo'' ou reduzi-lo ao nível mínimo de intervenção sobre o empresariado e suas travessuras.

No democracismo, são as elites as eliminadas, pois se pensa que o povo [ou que qualquer nível de povo] é plenamente capaz de autogoverno.

Para o liberalismo econômico, acredita-se que um organismo vertebrado, como a sociedade complexa, possa se tornar invertebrado sem ir se desmontando no processo. O Estado, aqui, tendo como equivalente metafórico o esqueleto.

Para o democracismo, crê-se, sem ter essa dimensão explícita e didática, que o organismo ou o corpo social complexo possa existir sem sua cabeça ou elites.

Ainda que receite por uma democracia mais participativa [plebiscitos], sem uma classe política que represente apenas os seus próprios interesses, também [sempre] prescrevo moderação e que, neste caso, se consiste na preservação e no melhoramento significativo das elites, de oportunistas parasitários para verdadeiros governantes, que amam ''o povo'' como a si mesmos.

Pelo democracismo, tomam-se opiniões ou posicionamentos da maioria como sacramentados e, consequentemente, despreza-se que, dentro de uma diversidade de perspectivas, algumas estão mais certas que outras, independente se a maioria concorda, porque são mais factuais, baseadas na capacidade de atender com honestidade ou precisão a critérios estabelecidos [ex.: qual é a melhor maneira de combater as desigualdades sociais severas? uma das vias mais seguras para conseguir atender a esse critério é a distribuição igualitária de renda]. Outro problema é de se pensar que, com uma democracia participativa, todas as pautas poderão ser colocadas em discussão ou plebiscito. Por exemplo, a união homo-afetiva. Mas não faz sentido que algo tão íntimo e tão racionalmente desejável [que adultos possam se unir oficialmente, independente de suas orientações e identidades sexuais] tenha que passar pela aceitação pública. Pois é, não tem! O democracismo padece do mesmo mal que acomete à boa parte das ideologias, se não sua característica principal e involuntária, o extremismo, já que, por sua crença, automaticamente todas as questões se tornam conclusiva e igualmente julgáveis pela opinião pública. Na verdade, é possível concluir que, qualquer uma dessas questões podem ser corretamente julgadas sem a necessidade de que seja em conjunto ou por uma maioria, desde que o indivíduo ou um grupo menor de indivíduos estejam seguramente embebidos de racionalidade.

Mas, então, por que a democracia participativa é desejável?

Um ''pouco café com leite'', mas nem tanto...

Lembra de quando você brincava com seus irmãos e primos e tinha o mais novinho, ainda na primeira infância, que os adultos forçavam a participar das brincadeiras?? Eu aposto que você também se referia a ele como ''café com leite'', porque ele brincava mas não necessariamente de maneira efetiva.

Organismos complexos não existem sem um órgão hierarquicamente centralizado e especializado em seu controle, organização e decisão. A democracia representativa parte de premissa similar, mas é evidente que o seu método de atração e constituição da classe política, de representantes do povo, é excepcionalmente falho, porque além de atrair os mais egoístas, que visam benefícios volumosos do cargo político, ainda dá poder total de decisão à população em momentos decisivos, como nas eleições [diga-se, uma população em sua maioria mal informada e teimosa], isto é, um democracismo misturado a esta farsa de representatividade.

[Ah, um governo ideal não coexiste com sociopatas, ok??... Algo que devo falar mais em outros textos.]

Mesmo assim, a participação popular é muito importante para o funcionamento saudável do organismo social, por fazer justiça ao igualar o potencial de poder entre grupos e indivíduos, acabando com a falácia da dependência desigual em que as elites se colocam como indispensáveis ao povo e, consequentemente, desprezando a indispensabilidade do mesmo.

Mas, acreditar que o povo, em média, não é manipulável, plural e, portanto, conflitivo, em seus posicionamentos, ou que a opinião da maioria deva prevalecer independente de sua qualidade, essa fé exagerada na ''sabedoria das massas'', é democracismo.

Mais um Thiago
Enviado por Mais um Thiago em 20/12/2019
Reeditado em 03/10/2023
Código do texto: T6823213
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