O show Cristina Braga
Ontem, noite de quinta-feira, 4 de outubro de 2007.
Local: Teatro Café Pequeno (R. Ataulfo de Paiva, 269, Leblon, no Rio de Janeiro que continua lindo, BRASIIIIL)
Estréia da temporada de Cristina Braga, harpista, cantora e compositora – para mim, atriz da música. Término, dia 14 de outubro.
Acabo de chegar do show e vou passar exatamente o que eu senti, pois de manhã já não será mais o mesmo.
Tenho um verdadeiro fascínio por teatro e o que ele envolve. Estava o teatro semi-vazio, no escuro, apenas a luz do palco iluminando indiretamente as pessoas que iam chegando, como se quisesse hipnotizá-las. Mesinhas dispostas quase que coladas, para caber mais gente – um ambiente meio pub, meio cult, meio fora da (nossa) realidade.
Lá no palco apenas um contrabaixo enorme, deitado de lado no chão; ao fundo, a bateria; ao centro, uma harpa azul linda, gigante e solitária. A sua forma é o mapa do Brasil, entretanto não é um instrumento musical que possa representar nossas origens artísticas. Ledo engano...
Quando eu disse que ia assistir Cristina, dizendo que era uma harpista, automaticamente me desejaram: “Bom concerto!”. Pensavam que eu estava indo para uma audição erudita! Deixei pensarem assim, pois eu queria ver, ouvir e sentir, antes de dar meu depoimento.
Eu já conhecia Cristina através de um CD apenas – Tocata Brasil. Fiquei fã desta artista e saberão razão daqui a pouco.Tive curiosidade de conhecê-la e o desejo de usar algumas músicas suas em meus trabalhos.
Foi fácil a aproximação. Perguntei a Antonio Cerdeira, meu amigo-irmão, que canta na Bachiana Brasileira, coral e orquestra, se ele a conhecia. Ele me deu o e-mail de Cristina e falou pra eu me virar!... Eu me virei, escrevi pra ela, com a produção e coisa e tal. A simpatia foi imediata.
Não sabia bem o que eu estava procurando ou o que eu queria, mas sabia que existia alguma coisa nesta artista. Se virem o seu site (http://www.cristinabraga.com) poderão entender um pouquinho, mas não chega aos pés do que presenciei na noite passada.
Na música de abertura não prestei muita atenção ao que ela tocava. Eu estava maravilhada com a sua presença simples e despojada: bonita, vestido preto longo, cabelos soltos, pés descalços, pequena para um instrumento tão grande. Ela chegou tão quieta, que o que mais me prendeu foram seus parceiros: Ricardo Medeiros (violão e baixo) e Joca Moraes (bateria) – os caras tocam muito.
De repente, ela pegou o microfone e cantou em Tupiguarani... A maioria das músicas tinha um misto de jazz, bossa nova e até de samba. A presença de palco de Cristina Braga é tanta que emociona. A harpa é como a continuidade de seu corpo. Ela encosta seu rosto nela como se a estivesse acariciando. Seus dedos passam suaves pelas cordas, mas, apesar de sua aparência frágil, ela domina cada acorde como quem sabe o que faz. Eu quase caí pra trás quando eu a ouvi tocar chorinho naquela coisa. Meu Deus! Só uma brasileira pra fazer aquilo!
Ela levanta, anda pelo palco como se fosse uma bailarina, apesar dos poucos gestos, levitando em poesia.
Eu percebia que ela se emocionava ao falar com o público, ao recitar, ao cantar, ao olhar para o conjunto. Mesmo que esteja acostumada com a música e o palco, ela traz a paixão artística em si. Imagino que qualquer pessoa apaixonada saiba da emoção que carrega.
“Quaresma” (Cristina Braga e Ricardo Medeiros) e “O beijo” (Cristina, Maria Tereza Moreira e Ricardo Medeiros) ficam muito mais bonitas tocadas ao vivo. Ao interpretar “Disparada” (Geraldo Vandré e Théo de Barros), que não está nos seus discos, ficou tão delicada que eu entendi, afinal, depois de tantos anos que esta música existe, o sentido da letra (aquela harpa medieval é tudo de bom...). Ela arrebenta em “Insensatez” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), mas, também deles, a música “O que tinha de ser”, talvez tenha sido o ponto alto da apresentação.
Perdoem-me os eruditos, mas eu nunca ouvi “Trenzinho Caipira”, de Heitor Villa Lobos, ficar tão bonita quanto na harpa de Cristina Braga. Ninguém vai fazer igual – nem Villa, nem lobos, nem ninguém.
Como ela mesma falou, poderia tocar um cavaquinho ou violão, mas a harpa estava ali....daí... Parece simples, não? Não... Tocar harpa não é pra qualquer um, muito menos ter um repertório tão eclético.
Cada dedilhar, por mais simples que fosse, reproduzia pura arte. Seus companheiros estavam tão sintonizados com ela que eu vi nestes artistas a mesma coisa que vejo na minha profissão, com meus colegas de equipe: todos operando (tocando) num só corpo (música) para dar VIDA.
Seu mais recente disco se chama “Cortejo”. É lindo, apesar de os outros serem também maravilhosos.
Um recado pra Cristina Braga:
Quando eu pego as poesias dos amigos e faço pps, eles dizem que não imaginavam o quanto era bonito o que escreveram. Edu Lobo e Chico Buarque devem achar o mesmo, ao ouvirem você tocando “Beatriz”, que acabo de ouvir no seu CD “Harpa Brasileira”.
Moça, você não tem futuro – você é o futuro.
Leila Marinho Lage
Rio de janeiro, 5 de outubro de 2007