QUERIA VOTAR NUM POLÍTICO QUE NÃO BEIJASSE EM PÚBLICO

Queria votar num político que não beijasse em público.

E nem o público.

Não no primeiro encontro.

Assim, despudorado, com ares de intimidade.

Isso ele deveria ter com nossos mapas, com nosso solo, nossas insígnias.

Devia beijar sim, mas a bandeira, cantar o hino de cor, saber das mazelas, das chagas abertas por anos de abandono.

Queria um político para amar.

Amar a pátria.

Um que se interessasse por estatísticas.

Mas não as estrangeiras, com símbolos gozados.

As nossas! Os índices de morte neonatal, de mulheres que morrem ao abortar ou ao parir, tanto faz, (ninguém liga mesmo).

Um político que fizesse política de boa vizinhança, mas lá na Vila Aliança.

Um político bem casado, mas não com um jardim, ou com uma farmácia, mas com o compromisso.

Um político assumido, que ostentasse no peito a medalha dos cabelos brancos pela lida.

No rosto, as rugas de chorar pelo irmão sem terra.

Na cabeça, a queda inevitável do orgulho e da arrogância.

Um político que se desnudasse de coligações, de armações, bancos, grampos, escândalos.

Talvez um que gostasse de prazer de ver seu povo comendo, sorrindo, trabalhando, com saúde e orgulho de ser brasileiro.

Um político que quisesse procriar. Multiplicar atletas, artistas, especialistas.

Um (ou uma, que o sexo é apêndice) batalhador pela causa justa.

Alguém bonito de alma, jovem de entusiasmo, forte de vontade, líder por natureza.

Um pai, mãe, filho, irmão, compatriota.

Votaria no meu vizinho, aquele que sai cedo e chega tarde trabalhando, que cede o lugar na condução aos mais velhos, que cumprimenta o motorista, que sorri para a criança, que alimenta o mais pobre, que atura um patrão (con)vencido, que guarda a bala pro filho, que traz a rosa pra ela, que volta amassado, cansado, esfomeado, mas que sabe meu nome.

Votaria na vizinha de porta, aquela que sai cedo e chega tarde, trabalhando, levando filhos pra creche, deixando o maior no metrô, ajeitando o band-aid, ajustando a saia, acertando o passo, que cede o lugar aos mais velhos, que segura a mochila dos mais novos, que cumprimenta a trocadora e a motorista, que sorri para o cão, que se emociona com o sol, que chora na chuva disfarçando com os pingos, que volta amassada, demaquilada, esfomeada, mas de quem eu sei o nome.

E, fundamentalmente, que não beijassem em público.

Não no primeiro encontro.

Lílian Maial