Duas luas

SEMANA 1

BANHO

Há dias que são semanas inteiras, há dias que são minutos. Há semanas inteiras que mais parecem um dia ruim que não termina nunca. Ou um pesadelo — mesmo que com um cenário bonito e boas companhias — do qual não se consegue acordar. É como estar pres@ dentro de si, assistindo a tudo e a tod@s em um quarto abafado, com pouca luz, em uma cadeira desconfortável, sem conseguir se mover.

É como estar fora de si, tentando entender a pane no sistema ou, mesmo entendendo, sem forças para usar as ferramentas necessárias para consertá-lo.

É como ser o buraco de si mesm@, se engolindo num ciclo sem fim.

É querer abrir os olhos e sentir como se não os tivesse.

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Deixe escorrer. Eu deixo.

SEMANA 2

Brincadeira? Antes fosse. Teria hora para acabar. Daria pra dizer “não quero”. Daria pra deixar pra lá.

SEMANA 3

Tant@s afirmam os porquês e as “soluções” sem o mínimo esforço para entender do que se trata. Nada novo sob o sol. Empatia real é raridade, demanda o que a maior parte das pessoas não tem ou não está disposta a oferecer.

E o que é? Do que mesmo eu estou falando? Primeiro passo pra tratar é admitir. Segundo, diagnóstico. Doença! É doença. Como qualquer outra, requer atenção. Terceiro, tratamento adequado. Não é receita de bolo. Quisera eu tant@s tivessem passado do primeiro. Mas sempre tem alguém querendo lustrar o próprio ego, irresponsavelmente afirmando “o que é”. E a ignorância aliada a isso muitas vezes se torna o componente que falta para a mistura fatal.

Sabe o que é? Se não sabe, não afirme. Se não é pra ajudar, não atrapalhe. Conta básica: não se some a quem colabora para o pior, para que não suma quem só quer subtrair a dor.

SEMANA 4

MUDANÇA DE TEMPO

Tem dias que tudo parece fora do lugar. A gente sabe o que tá acontecendo, mesmo quando demora pra perceber. É ela, de novo. Não se cansa de aparecer de uma maneira diferente a cada vez. Não que ela desapareça. Ela dorme. Às vezes sonos profundos e a gente nem escuta o ronco. Daí passeamos pelos cômodos do ser, cantamos em alto e bom tom, dançamos, fazemos todo o barulho que a existência permite. Um barulho só nosso. E ela não acorda. E a gente acha que ela não vai mais acordar. Então a gente segue, faz de conta que nada aconteceu. Fica tudo bem, até que não esteja. Quando menos esperamos, lá está ela, nos espiando pela fresta da porta. Sorri, invencível que se crê. Volta pra lembrar que está lá, sempre esteve.

Aí eu me recordo do ditado. “É em tempo de sol que se conserta o telhado.”

E agora?

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Deixe chover. Eu deixo.

SEMANA 5

As cicatrizes são mapas que recontam nossa trajetória.

SEMANA 6

DESABRIGO

Antes que o dia acabe eu quero cruzar a América do Sul em uma moto, conversar em cinco idiomas em uma mesma roda de amig@s, fazer silêncio por mais de 20 minutos, me livrar da nicotina, reformar a casa, terminar a leitura daqueles dez livros, beber água, escrever outros livros. Eu quero viajar no tempo, ouvir a Amy cantando “Wake Up Alone” ao vivo, entrevistar a grandiosa Carolina Maria de Jesus, juntar tod@s que amo em um Sarau, onde no final a gente se abraça e diz o quanto é bom que a gente exista. Eu quero trocar todas as roupas, quero usar roupa nenhuma, quero banho de cachoeira, rio, quero ver os corais numa distância que ainda nem consigo alcançar.

Antes que o dia acabe, eu quero que acabe essa certeza de que tudo e de que nada, só pra dar espaço pra outras dúvidas e outras certezas das quais eu também possa duvidar.

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Deixe encharcar. Eu deixo.

SEMANA 7

LEVANTANDO

NÃO é frescura. NÃO é falta de fé. NÃO é só pensar positivo que resolve. NÃO é só não dar atenção que vai embora. Muito pelo contrário. É justamente o contrário. NÃO é frescura. NÃO é vontade ou necessidade de chamar atenção. NÃO é carência. NÃO resolve pensar que “tem gente em situação muito pior que a sua”. Porque NÃO se trata de competição, NÃO é jogo olímpico de sofrimento. Aliás, pensar nisso traz um peso maior, porque — falo por mim — não é gostoso sofrer, sentir uma dor que parece maior do que você mesm@, sem qualquer “razão aparente” e apesar de você ter tudo o que precisa.

NÃO precisa ser setembro, nem amarelo pra falar sobre isso, porque o problema existe todos os dias do ano, independente de cor, clima, contexto ou localização geográfica.

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Aprenda a dizer NÃO sempre que necessário.

SEMANA 8

PASSOS

Abri os olhos. Os de dentro primeiro. Não foi sozinha que eu aceitei buscar ajuda profissional. Durante muito tempo eu tentei — e me culpei por não ver eficácia — as sugestões das pessoas com boas intenções. Cuidei de tudo o que disseram ser a causa do problema. Não foi por falta de fé — aliás foi a partir da fé que hoje é meu norte e das pessoas que através dela passaram a fazer parte da minha vida que eu busquei com comprometimento o auxílio psicológico. Porque entendi que o cuidado com o psicológico e emocional é tão importante quanto o com o espiritual e o com o físico. E que uma coisa não substitui a outra, complementa.

Embora haja ajuda externa, só eu mesma posso resolver o interior. Não tem jeito. E o exterior não me cabe resolver, no entanto — pode ser considerado clichê, mas é verdade que — eu preciso ser a mudança que quero ver no mundo.

Me abracei. Me abracei de forma que nunca tinha feito. Me dei colo e me acolhi, algo que ninguém mais pode fazer por mim, não do mesmo modo.

Elen Rodrigues
Enviado por Elen Rodrigues em 09/10/2019
Código do texto: T6765565
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