DAS PÁGINAS LITERÁRIAS AO CINEMA: a caricatura do Jeca na expressão de Lobato e Mazzaropi

Escrito inicialmente com o intuito de explorar, a princípio, a literatura lobatiana do início do século XX até praticamente os anos cinqüenta do século passado, explorando a trilogia de seu personagem Jeca Tatu, este trabalho foi tomando proporções maiores, a ponto de ir buscar no cinema de Mazzaropi um elo de convergência que ligasse os caipiras de Monteiro Lobato e de Amácio Mazzaropi. Um tema os unia: ambos construíam um imaginário, ou melhor, uma imagem da identidade do caboclo paulista, primeiramente na literatura, logo após no cinema.

Essa imagem que permeia o caipira paulista está atrelada a um modo de ver externo a sua cultura e corresponde, em nossa afirmação, aos interesses de quem detém o poder. A contingência dessa caracterização guarda máculas de um embate cultural e de classe entre o caboclo e o “senhor de terras”, detentor dos meios de produção. Essa imagem extravasa os liames sociais e vai “contaminar” os meios artísticos, como a literatura e o cinema. Assim, quando se buscou, em ambos os autores, desvendar a marca da verossimilhança entre a representação do caipira real e o da ficção, acabou-se por destacar a marca negativa que se lhe afixava, fazendo da sua representação um estereótipo, a lhe imprimir, até certo ponto, uma identidade anômala.

Iniciamos a dissertação, já o afirmava, com a análise do caipira de Lobato. Surgindo para a literatura em 1914, “o tal fazendeirinho”, como se auto-intitularia Lobato quatro anos mais tarde, chocou a opinião pública paulistana com a publicação de dois artigos no jornal O Estado de São Paulo. O primeiro, publicado em 30 de novembro, foi intitulado de Velha Praga; e o segundo, 23 dias após, chamou-se Urupês. Neles, o estreante escritor pintou um caipira eivado de qualidades negativas, completamente diferentes daquelas ressaltadas até então pela literatura. Distorcendo a realidade, porém captando elementos desta, o escritor fazendeiro busca, em seus artigos, “retificar” a imagem do caipira, nesse momento estilizada ao extremo por uma literatura com laivos românticos, que via o caboclo como um tipo robusto, valente e audacioso, à moda dos heróis nacionalistas do indianismo alencariano. Daí também a aversão de Lobato ao “caipira oficial” das academias.

Em suma, Velha Praga e Urupês, mesmo que relativamente rebuscados, em termos de composição lingüística, rompem com a tradição literária em voga não somente por inserirem um novo ponto de vista à imagem do caboclo, mas também por romperem com uma linguagem estética finissecular. Com períodos curtos e bem acabados e isentos de metáforas batidas, ambos os textos, nesse sentido, antevêem o Modernismo de 1922, que romperia completamente com a estética passadista, alterando o cenário da Literatura brasileira.

Nesses textos, encontramos um caipira tipificado e localizado, alheio ao ambiente em que vive. É sempre visto sob a ótica do dominante, daquele que detém o poder, que acaba pintando o caipira de maneira apenas superficial, não se colocando em seu lugar. Ou seja, o caipira é um títere. Sob essa perspectiva, a imagem desse primeiro caipira remete sempre à figura do indolente, do preguiçoso e do adepto à “lei do menor esforço”. Daí a afirmação de Antonio Candido de que Lobato teria escrito o seu caipira de “maneira bela, injusta e caricatural”.

Quatro anos mais tarde, a meio caminho entre esses dois artigos e a Semana de Arte Moderna de 1922, surge, no cenário paulista, Jeca Tatu: a ressurreição, segunda identidade do caipira lobatiano. Revendo alguns de seus conceitos, Monteiro Lobato escreve esse texto como espécie de revisão dos artigos Velha Praga e Urupês. Isto é, embora em Jeca Tatu: a ressurreição o estereótipo ainda permaneça o mesmo, Lobato altera o enfoque sobre o caipira, passando o Jeca a ser visto não mais como agente de sua “anemia social”, mas como vítima de políticas públicas de um Estado que o deixa à margem do desenvolvimento. Se em 1914 o caboclo é um parasita, agora é um “parasitado por verminoses”, passando de praga a vítima.

Dessa forma, e ao contrário do que buscariam os Modernistas quatro anos mais tarde, com a busca de um primitivismo como base de uma cultura eminentemente nacional, Monteiro vê no caipira justamente o inverso, ou seja, o vê como algo constitutivo de nossa fraqueza. Para o autor de Urupês, tudo que soe a primitivo tem que ser combatido para que o país, enfim, tome os rumos do crescimento das grandes nações.

Daí o estereótipo do caipira, em 1918, ser o mesmo que o de 1914, mas com a observação de que a anemia do caboclo seria, agora, justificada por verminoses que o depauperariam. Daí também a intervenção da ciência, por meio da figura do médico, como forma de salvar o caboclo, dando-lhe oportunidade de crescer socialmente na vida, como viria a acontecer no texto de ficção. O caipira, enfim, para se salvar, teria que deixar de ser o que era para transformar-se em um sujeito moderno. A sua salvação estava justamente na sua extinção.

Decorrente de toda uma revisão identitária nacional, que visava a definir um caráter para a nação e para o povo que nela vive, Jeca Tatu: a ressurreição é uma tentativa de se pensar o país por ele próprio e não por idéias oriundas de fora. Somente através da exposição do nosso subdesenvolvimento seria possível desnudar e combater as mazelas da nação. É também, a exemplo dos artigos de 1914, uma forma de se fazer e pensar literatura às avessas do modelo oficial acadêmico.

O texto Jeca Tatu: a ressurreição, nutrido por essa outra visão ideológica, que vê o Jeca como vítima do sistema, tornou-se conhecido somente após sua adaptação, em 1927, para o “Almanaque Biotônico Fontoura”, desta vez com o título de Jeca Tatuzinho, mudança ocorrida já em 1924, quando Monteiro Lobato utiliza o texto para uma campanha pública de saúde. O fato é que, somente após a distribuição gratuita dos almanaques ilustrados do laboratório Fontoura, é que a figura estereotipada do caipira se difunde pelo país, tornando-se conhecida de todos os brasileiros.

A década de 1930 é permeada por mudanças não somente sociais, mas também literárias. Após a crise da bolsa de Nova Iorque, em 1929, os países latino-americanos sentem a necessidade de se modernizar e de se industrializar. Esse surto de industrialização tornou latente a necessidade de se redescobrir o Brasil pelo próprio Brasil. Essa mudança histórica trouxe vários reflexos para a literatura, tais como a mudança de foco exigida à nova geração Modernista, que passa a não privilegiar mais a ruptura estética em suas obras, mas a enfatizar questões ideológicas e sociais, como bem destaca João Luís Lafetá. É o momento de amadurecimento do Modernismo e do surgimento de escritores como Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Graciliano Ramos, por exemplo.

Seguindo essa ótica, Monteiro Lobato lança, em 1947, um livreto de 22 páginas intitulado Zé Brasil. Com uma linguagem simples e didática e com uma acanhada edição de poucos exemplares, o texto causa o furor do governo e da igreja católica, que passam a coibir a sua distribuição. Isso porque Zé Brasil é um texto altamente combativo e de denúncia ao sistema de produção capitalista e ao latifúndio brasileiro.

Escrito com o intuito primeiro de combater o sectarismo político que jogou o PCB na ilegalidade, Zé Brasil se comunica diretamente com os trabalhadores urbanos e rurais, utilizando-se da figura do trabalhador rural, ou melhor, do seu próprio caipira. É a última personificação de seu caipira, dessa vez mais consciente do seu lugar na relação de classes e do valor de sua força de trabalho. É, ainda, a exemplo dos dois primeiros estereótipos, um títere, na medida em que é criado segundo a ótica do escritor combativo. Mas é, também, o revolucionário em potencial.

Mantendo em parte a ótica proposta por Jeca Tatu: a ressurreição, Lobato denuncia o latifúndio, denunciando-o como fator da desgraça do caipira. Se para o escritor de 1914 o caipira era tido como uma praga, alheio à própria terra, e em 1918 como um opilado pelo abandono e pelas doenças, agora é a expropriação de suas terras, causadas pelo latifúndio, a principal desgraça do caboclo. É sob essa ótica que se lê, na dissertação, a trilogia lobatiana.

Já ao final da década de 50, com o filme Jeca Tatu, Mazzaropi retrabalha a figura do caipira. Não o faz pela ótica do Lobato dos anos quarenta, mas sob outro viés: não o da contestação pura e simples, a reivindicar uma identidade positiva para o povo, calcada em preceitos revolucionários, mas pelo riso, o do cinema-comédia voltado para as massas, sem muito rebuscamento estético. Acontece que, satirizando o caipira, Mazzaropi acaba detratando ainda mais sua imagem, já impregnada de preconceitos. Porém, ao mesmo tempo em que reforça o estereótipo do caipira, aponta-lhe uma saída, mesmo que compensatória: o caipira, através da “malandragem”, chega, ao final da trama, à riqueza.

Produzido em um momento em que o modelo econômico privilegia a abertura do mercado brasileiro ao capital externo, Jeca Tatu se mantém alheio aos problemas enfrentados pela cinematografia nacional. Isso não ocorre à toa, já que Mazzaropi, além de resgatar todo um imaginário coletivo relativo ao homem do campo e ao campo, atraindo assim um vasto público, já nessa época, para as salas de exibição, que iam assisti-lo para matar as saudades da terra de origem, cria um sistema relativamente organizado de produção e distribuição de suas produções.

Dirigidas aos que denomino no texto de “novos trabalhadores” das cidades, aqueles trabalhadores migrantes do interior, ou das regiões mais pobres do país, para trabalhar nas indústrias das grandes cidades, em busca de uma vida melhor, as produções de Amácio Mazzaropi resgatam o imaginário romântico e poético do campo, trazendo à tona um complexo sistema de imagens que se identificava diretamente com esses novos homens, não somente por trazerem um caipira eivado de “nobres sentimentos”, mas principalmente por trazerem a imagem de um homem simples que, no final, vence na vida. Daí seu grande sucesso de público e renda.

Paralelo a esse projeto de cinema de Amácio Mazzaropi, existe um outro, de fundo mais político, que consiste também em qualificar o cinema enquanto indústria, somente que mantida pelo Estado: refiro-me ao Cinema Novo. Com ideais herdados do período varguista e incentivados também pela incipiente industrialização decorrente da revolução de 30, esses cineastas se propunham manter e reforçar os desejos de industrialização do cinema. O problema é que o Brasil assistia, à época de Mazzaropi, a um espetáculo diferente: a abertura do mercado brasileiro para o capital estrangeiro, propiciada pelo governo Kubitschek, inviabilizou qualquer investimento do Estado para a criação e consolidação de uma indústria nacional de cinema.

Aliado a isso, esboçava-se também um projeto cultural centrado no resgate literário de escritores da geração de trinta, como Graciliano Ramos, Drummond, Jorge Amado, Rachel de Queiroz e o próprio Monteiro Lobato. Surgia um esboço de concepção de cultura brasileira, alicerçada na elaboração de histórias de fundo nacional. Nesse sentido, Mazzaropi participou desse movimento, na medida em que criou tipos e caracteres extraídos da cultura nacional. Seu próprio Jeca é um exemplo, pois, além de ser um tipo nacional, representa, sob certos aspectos, uma resistência ao modelo capitalista de produção no campo.

Representante mais expressivo da chanchada paulista, Amácio Mazzaropi cria, com Jeca Tatu, a imagem de um caipira que se cristalizaria. Isto é, em duas décadas de produções fílmicas, onde o homem do campo é a temática principal, os seus personagens, em termos físicos e psicológicos, pouco mudam. A bem da verdade, o Jeca Tatu do filme mistura elementos dos dois primeiros estereótipos lobatianos, a que acrescenta outros. Do primeiro caipira lobatiano, de 1914, “Mazza” extrai a preguiça característica como qualidade do seu caráter; já do caipira de Jeca Tatu: a ressurreição, os elementos para a construção do enredo. Porém, isso não é tudo. Talvez o mais interessante é que, para a produção do filme Jeca Tatu, Mazzaropi se apegou ao texto de Lobato via “Almanaque Biotônico Fontoura” e não ao Lobato “literário” propriamente dito.

O cinema de Mazzaropi é comercial, como é comercial a imagem de seu caipira. Condenado pela falta de ousadia estética, o cinema de Amácio foi de vital importância para a cinematografia brasileira. Além de fortalecer e criar um público que se acostumou a ir anualmente assistir a suas produções, a PAM-Filmes, por ele criada, mostrou-se uma alternativa viável para uma possível consolidação da indústria brasileira de cinema. Na verdade, não somente a PAM, mas também outros estúdios, como a Atlântida, no Rio de Janeiro, por exemplo, o fizeram.

Embora não contribuísse para a conscientização das platéias, as chanchadas provaram que cinema poderia ser uma empresa lucrativa. Empresas como a Atlântida, por exemplo, faturaram milhões com a exibição de chanchadas. Desvinculadas do gosto do ocupante e contrárias aos interesses estrangeiros, para citar Paulo Emílio Sales Gomes, as chanchadas proporcionavam ao espectador um envolvimento tamanho que sua participação era direta, a ponto de a platéia ser considerada barulhenta. Daí, também, a confluência entre a chanchada e os filmes de Mazzaropi. Neste pela figura do caipira, que resistia aos interesses externos; naquela pela adoção do malandro, do pilantra, por parte da platéia. Em ambos os casos, o que está em jogo é, em última instância, uma resistência à cultura dominante, que deprecia a cultura popular.

Somente com a fundação, em 1966, do Instituto Nacional de Cinema, o INC, é que o cinema brasileiro passa a ser olhado com mais atenção pelo Estado brasileiro. É que finalmente o governo brasileiro passa a financiar o cinema, dando-lhe um caráter mais comercial, se comparado aos cinemanovistas da década de 50. A intenção é uma só: a ditadura militar pretende financiar a cultura, com o claro objetivo de controlá-la plenamente. Esse o propósito do Instituto. Ou seja, por meio do INC o governo passa a controlar o cinema, tendo em vista o mercado, o consumo, e o controle ideológico. Essas metas seriam alcançadas com a associação a capitais estrangeiros, unindo, ao capital destinado à produção cinematográfica brasileira, o capital estrangeiro das indústrias cinematográficas hollywoodianas.

Essa política cultural do INC e da ditadura militar serviu, finalmente, de estopim para uma disputa ideológica entre um setor mais avançado do Cinema Novo, liderado por Glauber Rocha e Luiz Carlos Barreto, e o Estado. Para os intelectuais cinemanovistas, a criação de uma indústria de cinema financiada pelo Estado era bem-vinda desde que não tirasse a autonomia dessa indústria. Ou seja, o que queriam Glauber e Barreto ia de encontro aos propósitos culturais e ideológicos do INC e do governo ditatorial. Enquanto estes pretendiam financiar, com o auxílio do capital estrangeiro, o cinema, tirando-lhe toda e qualquer autonomia de produção, os cinemanovistas pretendiam uma indústria cinematográfica nacional, porém independente.

Assim, mesmo com o golpe de 1964, uma parte da elite intelectual de esquerda continuou atuando, no sentido de educar o povo e levá-lo à revolução. Essa cultura esquerdizante acabou se manifestando com maior intensidade principalmente até 1968, quando entrou em vigor o AI-5, que viria a restringir em muito a atuação dos intelectuais contrários ao regime então em voga. Dessa disputa no campo ideológico é que surgiria, dizia, o polêmico INC.

Criado, como se constatou, para regular e financiar o cinema nacional, o órgão vislumbra seu primeiro longa de sucesso apenas em 1969, quando foi produzido Macunaíma, de José Pedro de Andrade. É o primeiro filme, produzido pelo Cinema Novo, com relativo prestígio de público e renda. Tanto que se torna referência enquanto produção cinematográfica, conquistando o reconhecimento e o respeito de intelectuais ligados ao órgão, que passaram a adotá-lo como referência e “padrão”.

Conseguindo aliar uma proposta cultural a um projeto meramente mercadológico, Macunaíma faz parte de uma nova concepção de se pensar e produzir cinema, encabeçada por uma nova geração de cinemanovistas, que souberam adaptar-se ao momento histórico. Ou seja, com o financiamento por parte do Governo Federal, via INC, os intelectuais do cinema, com raras exceções, moldaram-se à proposta mercadológica e de associação de capitais, produzindo filmes com vistas unicamente ao entretenimento puro e simples, relegando a um segundo plano a proposta revolucionária do Cinema Novo da década anterior.

Esse é o momento em que as concepções de cinema dos cinemanovistas mais se assemelham às de Amácio Mazzaropi. É nesse contexto conturbado da história não só cultural, mas também social brasileira que se insere o filme O Jeca e a Freira. Produzido em 1967, ou seja, no meio do fogo cruzado entre intelectuais de esquerda, avessos ao modelo econômico e cultural vigentes, e o Estado, o filme é mais valioso enquanto expressão combativa à ditadura, do que enquanto obra de arte propriamente dita. Não que Mazzaropi tenha se preocupado em produzir um cinema combativo e desalienante, que visasse a mostrar as contradições do modelo econômico ou até mesmo expor as mazelas de um país semi-analfabeto. Todavia, isso não quer dizer que essa ou aquela produção não tenha captado elementos sócio-político-culturais do tempo em que foi produzida. Tanto é assim que, no período compreendido entre 1964-1968, “Mazza” produziu filmes que, se pecaram pela qualidade estética, ao menos se sobressaíram nas críticas veladas contra a ditadura.

Desses filmes, talvez o que melhor conseguiu captar esses conflitos foi justamente O Jeca e a Freira. Tendo como pano de fundo para a trama uma fazenda no interior de São Paulo, e misturando elementos culturais diversos, tais como negros brasileiros, capangas trajados à moda dos cowboys hollywoodianos e vestimentas exageradamente coloridas, fazendo os membros da elite parecerem-se com tipos mexicanos de filmes de far-west, o filme é uma mostra clara de que Mazzaropi não permaneceu completamente esquivo aos problemas que o cercavam.

Uma mostra clara disso é o fato de o filme ter discutido, quase à exaustão, a ditadura militar. Mesmo “borrando” o tempo — o que tornou, como se indicou na análise, o filme inorgânico, no sentido histórico —, mesclando tipos e caracteres diversos em um ambiente social cujo momento histórico não fica claramente definido, O Jeca e a Freira, apesar de tudo, é parte integrante do momento histórico em que foi produzido. Isso porque, conforme exposto, o filme é crítico ao modelo econômico vigente e à repressão imposta pelos militares.

Claro, é preciso destacar que mesmo debatendo e questionando o modelo sócio-econômico-cultural vigente, O Jeca e a Freira, assim como Macunaíma, não passam de produções “despretensiosas”, em que o caipira, ou o homem do interior do país, não é mais que uma caricatura vinculada a uma imagem pré-estabelecida de um tipo social. Em suma, o caipira, em Mazzaropi, é um só, pouco se alterando os seus filmes em seus conteúdos estéticos e psicológicos. A fórmula que “Mazza” encontra para adaptar o Jeca Tatuzinho do “Almanaque Biotônico Fontoura” é largamente adotada até 1980, ano de sua última produção: O Jeca e a égua milagrosa.

Mesmo assim, entre os “jecas” de Lobato, estereotipia, e os “jecas” de Mazzaropi, também estereótipos, adotados daquele, restaria uma imagem: a do caipira deslocado no tempo, precisando, ao mesmo tempo, dialogar com esse mesmo tempo: Lobato e Mazzaropi, com os seus “jecas”, traduzem, enfim, a trajetória do capitalismo à brasileira, com suas contradições entre modernidade e atraso, recobrindo boa parte do século passado.