Metáforas

Atravessei a rua da vida e saí andando pela calçada do ócio. O céu se abria como uma lona azul estendida sobre as minhas reflexões. As pessoas caminhavam sobre os sonhos e despertavam no meio-fio da realidade.

Na esquina, o mendigo riu sua indigência para mim, mostrando a noite escura da má sorte em sua boca desdentada. Logo ali, uma criança era embalada pela mãe. No berço dos olhos maternos o menino dormia o sono da espera.

Mais adiante, o ônibus parou e engoliu as pessoas que estavam na parada. Olhei do outro lado da calçada e vi um rosto conhecido. Meus joelhos, sopesados pela emoção tremeram. A surpresa colocou borboletas voando no céu da minha boca. Era ela, sem dúvidas...

A saudade chegou a cavalo nas lembranças e desembarcou na estação vazia de um sonho vivido. Parado, fiquei preso às circunstâncias, refém dos sentimentos... Lembrei o passado. O farfalhar de suas saias de armação mensageavam um impossível devir. Seus cabelos, uma cascata de petróleo, se derramavam pelos campos secos dos meus devaneios...

Fiquei ali segundos, minutos, séculos... o tempo voou em velocidade infinita, enquanto as recordações me rodeavam em asas de beija-flor. Começou a chover. Com pena da minha dor, o tempo chorou finas lágrimas de chuva, a tarde inteira. Lembrei do fim de nossa história... quando meus olhos se transformaram, todinhos, numa cascata de sentimentos, com saudades dela...

Depois dela eu morri. Dentro do meu caixão, além dos despojos, havia restos de sonhos, cacos de projetos, partes de utopias...

O movimento da rua carregou-a consigo e eu fiquei parado. Andei um pouco mais. O cinema vomitava uma pequena multidão de pessoas que curtiam aquele mágico instante.

No céu, o arco-íris era como uma taça de champanhe emborcada. A claridade do fim de tarde transformava os pingos de chuva em pingentes de pérolas. Pensei nos amigos, nos parentes e em todos aqueles que partejaram a vida a meu lado, à espera do nascimento da quimera em que todos possam sonhar.

Lembrei de tantos amigos sepultados nas dobras do tempo e das esquinas que escondem tantos rostos. Quando as tormentas do mar da discórdia, invadiram a praia dos meus sonhos, eles foram o porto onde abriguei o frágil barco de meus temores.

Parou de chover. O tempo guardou a chuva e acendeu as estrelas. Sai caminhando sobre a ilusão dos pingos que ainda teimavam em cair, e desenhavam uma estrada imaginária de luzes.

Cheguei em casa e guardei as fantasias no quarto escuro da memória e me refugiei no útero do esquecimento. Era só esperar o sono, curtir a viagem do sonho e viver o que não foi vivido.

Matéria composta para trabalho em aula, com alunos em uma "O ficina Literária" levada a efeito em 1991.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 04/11/2005
Código do texto: T67213