A saga do Cross deck noturno I
Esta saga é um simples exercício de ficção; qualquer semelhança com nomes e fatos da vida real é mera coincidência.
Este primeiro capítulo é um resumo, em essência, do que ocorreu com o Esq.HS-16 durante a nova re-investida na tentativa de implantação das chamadas 'novas manobras' ou 'Cross deck noturno', nos anos de 1988 e 1989.
Sim, faz sentido usar os termos grifados. O primeiro cross deck noturno foi feito em 1974, inopinadamente, pelo Esquadrão de helicópteros HS-16 no cruzador porta-helicópteros Jeanne D’Arc, que visitava o Brasil. Este cruzador possuía, a meia nau, uma superestrutura e na parte de vante se assemelhava a um cruzador normal; e na parte de ré era um porta helicópteros com seis spots (área de pouso no convés do navio) para helicópteros SH-34 (helicópteros franceses, menores que os brasileiros e estes nem operavam noturno). Naquele ano houve um embarque, smj, de duas aeronaves SH-3D bem mais modernas) naquele navio. Este navio operava com helicópteros somente em cross deck (e durante o dia), por razões de sua ilha de comando ser a meio navio. Mas a operação só era realizada durante o dia. O Comte do Esquadrão de helicópteros visitante, entusiasmado com a nova operação, solicitou permissão para realizar a manobra também de noite. O comandante do navio francês colocou sua belonave à disposição alegando que só teria como auxilio a melhoria da iluminação para o pouso.
Numa determinada tarde, durante as operações aéreas, nas imediações do Rio de Janeiro, um tripulante de um contratorpedeiro que participava da operação, teve um acidente a bordo e houve necessidade imediata de ser removido para ser operado. Foi autorizado que as duas aeronaves brasileiras decolassem levando o suboficial para ser atendido em um hospital. O socorro em terra demorou, o tempo passou, e as duas aeronaves regressaram para bordo do porta-helicópteros já no período noturno. Numa aeronave estavam os pilotos Deoclécio e o Perlingeiro, na outra Reizinho e Renilton. O pouso teve que ser, forçosa e necessariamente, em crossdeck noturno.
Os pilotos tiveram muita dificuldade para realizar aquele pouso noturno, em razão da atitude de nariz alto do helicóptero SH-3, da boca do navio ser de 24m (contrastando com os 19m de diâmetro do rotor principal da aeronave) por terem poucas referências visuais e pelo desconhecimento total do como fazer o cross deck noturno. Após o pouso verificaram que a rotor de cauda de uma das aeronaves por pouco não colidiu com pedestal de um armamento do navio. Assim, em 1974 foi feito o primeiro cross deck noturno e de supetão. O assunto hibernou 9 anos e em 1983, já a bordo do navio aeródromo Ligeiro Santa Cruz, foi solicitado pelo ,então comandante do Santa Cruz, Deoclécio, ao então comte do Esq.HS-16 (Comte Mappi) avaliar a manobra. Meses depois, a mesma solicitação foi feita ao novo comte do Esq HS-16 o comte Ruas Bellas. E estes dois comandantes do Esq.HS-16 a consideraram perigosa e se negaram operacionaliza-la. O assunto, pela segunda vez, foi arquivado e hibernou por mais 5 anos. Em 1988 e 1989 ressurgiu mais uma vez. E desta vez com toda força e pressão. E passou a ser avaliado mas logo, de modo intempestivo e autoritário, foi considerado factível e seguro e determinada a sua execução por todos do Esquadrão HS-16. Iniciou-se, assim o cross deck noturno contra o que rezava o Manual de voo, mas de acordo com 'novos' documentos da Marinha que ‘autorizavam’ a sua viabilização. E houve um acidente. Passaram-se 28 anos desde o fatídico acidente aeronaval ligado ao "cross deck noturno" que ceifou a vida de dois profissionais do mar. Foi feito um registro detalhado, no calor dos acontecimentos, e hibernou até agora. Este relato foi feito para se conhecer e até ampliar o que se sabe sobre o assunto, que permaneceu maldito até hoje. Nossos companheiros ganham vida no caminho duro dessa passagem da história do HS-16 naqueles assentamentos. E as ações maduras e profissionais de cada um dos atores tornou aquela caminhada única e vitoriosa, embora dolorosa, o que só engrandeceu a aura desses Guerreiros... O relato parece ainda um tanto dolorido...Mas cada um dos personagens agiu segundo o seu tempo, sua ótica, sua consciência e seu profissionalismo.
A participação corajosa e histórica em 1983, dos comtes Matti e Ruas Bellas foi capital para o desenrolar da trama pois, ao serem questionados, em momentos e situações diferentes, à época, sobre a viabilidade da manbra cross deck noturno assim se pronunciaram: a manobra crossdeck noturno, após os estudos efetuados, foi considerada proibitiva. E esta decisão foi oficializada em documentação própria.
Mas quis o destino que em 1988 e 1989 o assunto fosse re-levantado. Em 10/10/1988 o Espelho de Pouso do NAeL Santa Cruz apresentou pane no sistema estabilizador. Foi questionado se o Esq.HS-16 voava sem espelho no período noturno. Com a resposta negativa, nova questão foi feita: e se já estivesse voando e houvesse a pane do espelho e fora do alcance de terra o que o piloto faria? Por razões várias este evento foi unilateralmente mal conduzido e compreendido e provocou o renascimento do cross deck noturno.
Havia interesses envolvidos, claro. Havia egos inflados, alguns carentes, outros autoritários além da conta. Havia puxa-saquismo, claro. E havia a verdade dos fatos. A estória por trás do que vivia-se no Inquérito Policial Militar (IPM)-que se apequenou num ipm-iluminava a todos e passou a incomodar seriamente meia dúzia.
Este relato ficcional não quer resgatar nada, nem ninguém. O lugar de cada um e como se conduzir já estava escrito. No entanto, como a história nunca é contada integralmente ( impedindo que se aprenda com os erros) é que existe este relato, para minimizar esta lacuna. O compromisso é com o conhecimento do fato. Hoje os inquestionáveis passaram e foram passados a limpo. A própria Marinha colocou definitivamente os pingos nos ii. Ela mesma revelou um comportamento inadequado de alguns que procuraram soluções no interesse de salvaguardar a própria pele. A verdade impôs-se a tudo e a todos.
Portanto, amigo, aí está a visão de um momento que atormentou a rotina do EsqHS-16, mas que está, definitivamente, no lixo da história aeronaval. E conseguimos isso porque escrevemos o nosso caminho na Marinha com dignidade e profissionalismo.
Estes dados apresentados não esgotam o assunto, pois dramas pessoais foram vividos por vários dos atores. E estas dores estão interligados ao evento cross deck noturno. Mas não foram tratados aqui.
O ocorrido foi resolvido pela Marinha de modo conveniente e encerrou o assunto.