O INDIGESTO NA PROSA E NO VERSO

A indignação na alma brasileira traduz-se de várias formas e roupagens, em tempos de agonia social e política.

Para os sensíveis de coração e alma os excrementos morais se traduzem em relatos para além da possibilidade do soco. Esta tradução se personifica na voz da prosa e do verso. É e amarga em sua formalidade de vocábulo revestido de sua indumentária de festa, como é da natureza da garganta metafórica.

Porque a garganta indignada produz um lirismo sem doçura. O canto truncado dos aflitos é verdadeiro, mesmo que pobre em sua desaforada aparência. Não é um objeto que se possa enquadrar dentro dos contornos da costumeira beleza, porém cumpre a função de abrir o tampão do tanque dos detritos.

O poeta abre a boca e se faz denúncia. Há tanta subversão de valores nestes tempos de cólera que a ética e a estética (antipoesia?) estão tontas qual uma bússola ensandecida.

E a voz em poesia, carregada de asco e proscrição se animaliza em visceral indigestão. Afinal, o que é o poema senão o relato triste de quem ama e se transfigura na matéria prima?

Não há como esperar belezas no lixo dos dias em que me sujo de pátria amada. Nada mais sei da linguagem do verso, porque avinagra o mosto dos amores e é fétido o olfato do apodrecimento. Não há como deixar de falar sobre o mundo dos fatos. Nós todos somos o ato-fato sobre coisas que cercam e aprisionam. Talvez a grandiloqüente manopla de Lúcifer.

O passo no sentido da crítica e da autocrítica é a flecha dos impulsivos que são sujeitos de si próprios. E a poesia em vez de doce fada é a pata claudicante de reversos e ritmos. Neste instante de amargura a garganta da criação, toda de preto sobre o branco, reza contrita a dor dos condenados a pensar.

Derrama-se o balde das emoções insepultas. O espírito cochicha e o poeta panfletário bota a boca no trombone na sagrada ilusão dos puros. O poema que chora ainda sujo de sangue é um natimorto de injúrias e apreensões. É ele a espada e a escritura, testamento vário dos que não compactuam e se imolam pela Verdade, pela Paz e pela Justiça Social.

A voz dos guetos de todas as circunstâncias é um malho batendo sobre a bigorna. Havidos assim, o verso e a prosa são relatórios escandalosos, a constatação da fúria, o beijo objetivo da morte sobre o esquife da vida.

Errar por ação, nunca por omissão.

Rio de Janeiro, na XIII Bienal do Livro, 20 de setembro de 2007, o Dia do Gaúcho.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/665956