NA PALAVRA É QUE VOU... * A instante interrogação
Para além dos múltiplos deveres e direitos do quotidiano, para além do convívio social dito civilizado do mesmo quotidiano, para além dos afectos, a nossa vida é a instante interrogação de nós mesmos e de tudo o que nos perturba e nos reduz ao desconforto ansioso do real que intuímos e à utopia que perseguimos.
Passamos pela existência de outrem e deixamos ou não memória de nós; passam pela nossa existência e deixam ou não memória da sua passagem. E quando a memória não é perene, poderemos ou não citar Lavoisier? Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma… (cito de cor).
Se, por um motivo ponderável ou não, nos ausentamos, o convívio social dito civilizado já referido sentiu a nossa ausência ou continua imperturbável? Será que, perante a nossa ausência, indiferente sentencia só fazem falta os que estão?
Certa vez, uma pessoa me falava incomodada de alguém que experimentava o outro. Experimentava na acepção de testar, sublinho. Confesso que fiquei surpreendido e ainda hoje assim continuo. Não tenho a pretensão de molestar quem pensa diferente, mas vejamos:
1- Como me parece adequado, comecemos pelo "princípio". Sim, princípio em itálico. Tenho por certo que pouco ou nada sabemos do Princípio e pouco ou nada saberemos do Fim. Aqui vamos neste nosso tempo fazendo os possíveis e sonhando os impossíveis para chegarmos inteiros ao fim da efémera jornada. Ora bem, o mito do Eden é claro: Deus testou ou experimentou Adão e Eva com o fruto proibido. E, que me conste, ninguém molesta Deus por isso.
2- Quando o outro é testado numa prova qualquer, também ninguém ergue a voz protestando.
3- Quando sondamos o outro no sentido de sabermos se contamos ou não com ele para um objectivo qualquer, estamos testando a sua (in)disponibilidade.
4- Quando criamos uma expectativa do outro, alguns indícios dele conhecemos ou supomos conhecer e esses indícios pressupõem um teste indirecto.
Afinal, qual de nós não testa o outro?
Colocado quanto antecede, a conclusão parece evidente: a nossa existência é uma interrogação permanente de nós mesmos perante o outro porque só no outro poderemos encontrar-nos ou não e assim nos cumprirmos ou não.
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José-Augusto de Carvalho.
Alentejo* Portugal