O Fim do Baile Soul e o Começo da Patifaria! Texto de Leiteiro

O FIM DO BAILE SOUL E O COMEÇO DA PATIFARIA!

Na Ladeira dos Tabajaras nessa época, (1975?) só conheci como D'J, Nei e Marcha Lenta, pessoas espetaculares e dedicadas a levar um pouco de lazer, a quem não tinha dinheiro nem do ônibus, nem da entrada no Clube para os Bailes Soul. (depois virou Funk.)

Como nós, eu e Rubinho ja tínhamos uma iniciação na Capoeira, (Rubinho nasceu pra coisa) dava-mos uma iniciada na rapaziada, justamento na mini-quadra, aonde nas noites de sábado rolava o Baile. Sexta-feira a expectativa, a conversa era em torno do que aconteceria amanhã, Nei e Marcha nos mostravam os últimos LPs adquiridos, colocavam en avant-premiére as últimas pedras sonoras.

Eu me sentia o máximo, talvez eu esteja enganado, mas na época, ser amigo de um D'J, era mais do que ser amigo do Presidente de Escola de Samba ou de um Político!

Nei e Marcha investiam, oque tinham, e o oque não tinham na mini-quadra. Luz estroboscópica, globo espelhado, luzes coloridas. Nei trabalhava, então podia dar um trato mensal no guarda -roupa, mostrar pra gente o último sapato plataforma, o colete 'a la João 3 voltas, como diziam os invejosos.

Eu sofria pouco, já me vestia a moda Hippye, e no baile era o ovelha negra, pra piorar não dançava nada de coisa nenhuma, era um 2 de paus. Isso me permitiu seja no Botafogo, como na mini quadra, analizar os dançarinos e as evoluções, e a evolução das evoluções!

A mini quadra era uma espécie de peixaria, atraia as melhores gatas, incluindo as jararacas do ninho das cobras.

Mais tarde vinham os cascavéis, para ver se elas estavam entregando o ouro pro bandido, dando mole pra vagabundo.

Mas pro fim da rua Euclides da Rocha, depois da mini-quadra, ficava uma pequena parte do morro, denominada Ninho das Cobras, me lembro até do refrão de um samba:

No ninho das cobras/ tem coral e cascavel/ quem passar por lá/ tem que tirar o chapéu!

De lá saiu vários projetos de patifes, e nesse dia do baile, 2 deles estavam lá. Por ser amigo dos donos do baile eu chegava cedo, e era dureza aguentar até a hora de o baile pegar fogo!

Quase meia-noite, mini quadra pipocando de gente, toco uma Melô- música para dançar agarradinho, e um deles chama uma mina (leia-se menina) para dançar, ela recusa e pouco depois outro chama e ela vai. Ele vai em sua direção, passa pelas pares dançando, toca no ombro da mina, e pergunta porque ela recusou dançar com ele.

Ela não soube responder, e ele deu uma senhora bolacha (tapa) no rosto dela e obrigou-a a dançar com ele, mesmo chorando. O acompanhante anterior cedeu tranquilamente, pois ele sabia, ele conhecia a Lei da Sociedade:

A Lei de Muricy!

A Lei, que quem nasce no morro, já nasce sabendo:

A Lei de Muricy, cujo capitulo 1º e único diz:

NA LEI DE MURICY, CADA UM CUIDA DE SI!

Dei sorte de ter sido criado fora do morro até os 15 anos, quando cheguei, vim com uma tromba e sentia o cheiro do perigo a distância.

Passei a não ir mais na mini quadra, eu que não dançava nada, corria o risco de "dançar" de vez!

As Discotecas passaram a se chamar TIROTECAS, pivetes de tudo oque é morro (iam em bando formando esquadrões, as mulheres levavam as armas, já que os homens eram revistados) iam as Disco, só para fazer arruaças e trazer (má) fama ao seu moro.

Na Zona Sul, encabeçava o famigerado ranking, Cantagalo, depois Pavão-Pavãozinho, aí vinha sem destaque Santa Marta, (hoje D. Marta) O meu Ladeira dos Tabajaras, Rocinha, Leme e Cruzada São Sebastião estavam devagar.

Infelizmente estive na pré-estréia dos arrastões!

O "TIME" descia para jogar na praia de Copacabana, jogava até umas 5-6 horas da tarde, aí ficavam na beira do calçadão fazendo aquecimento e esperando, avistado o alvo, quando ele passava em frente a eles, eles fechavam uma roda em volta- nesse dia era um casal 50-60 anos- sendo que 3 ficaram dentro da roda, um com a mão dentro do calção, e 2 depenando os patos.

Em volta passavam pessoas tranquilamente, fingindo que nem é com eles. Eu conhecendo a Lei de Muricy não me mexi, até porque voçe não podia ir a baile nenhum, sem saber qual morro tinha brigado e com quem, quem tinha apanhado, quem tinha batido, quem tinha matado, quem tinha morrido!

Visitar um outro morro sem saber disso, era desafiar a sorte!

A prévia dos arrastões, na verdade, foi os esquadrões. Nas noites de sabados e domingos nas quadras de sambas, e noites de domingo nas tirotecas, acontecia os arranca-rabos, e na segunda-feira voçe tinha que estar por dentro de todos os lances, e em todos lugares, caso acontecesse mais de um arranca rabo!

Na segunda feira, os olheiros dos prejudicados, já estavam nas respectivas praias dos morros, Cruzada; Praia do Leblon, Cantagalo; Praia de Ipanema, Pavãozinho; Praia do Arpoador, Tabajaras; Praia de Copacabana etc, bastava ele ver alguém do morro que ele procurava, e pouco depois arriava uma galera na área, pronta pra aterrorizar.

Como o morro contribui para os arrastões:

Os "aviões" cresceram, viraram "Concordes", armaram suas distribuidoras concorrendo com as dos antigos "patrões". Os "patrões" sabiam os "stalones-cobras" que tinham criado, verdadeiros kamikases, prontos para oque der e vier.

Com eles não tinha acôrdo, discernimento embotado pelo excesso de uso de tudo que vendem, era matar ou morrer. Os "patrões" não queriam se "queimar" mais do que já estavam com as "fábricas" dos "aviões" tentando eliminá-los no próprio "aeroporto"!

Já os "aviões" quando pequenos, só faziam 4 escalas: Morro, Praia, Tiroteca, Maracanã! Eu falei praia?

Pois é, os agora "Concordes" quando dava, desciam o morro para "pegar um bronze", "molhar o Zéquinha", "salgar a rosca"!

Desciam com 1 ou 2 guarda-costa, pois muito negão junto, ou é time de basquete ou folia de reis.Era raro o mês em que não parasse um taxi no calçadão da praia e descesse 2 ou 3 malucos de "berro" (revolver) na mão, sentando o dedo. Aí era um festival de pipoco, "ameixa quente" assobiando por cima do "coco", e até Iemanjá gritava:

POLÍCIA, SOCORRO!

Se antes era no meio de semana, depois passou a ser sabados e domingos, pois os "chefinhos" acreditavam que com a praia cheia, eles corriam menos perigo.

Participei de uns 3 bailes Funk no Clube Botafogo em Botafogo, com LuizinhoD'J, era legal até eles começarem a fazer traduções das músicas tocadas. Aí vinha palavrão e só esperavam a música do Bachman-Turner-Overdrive -Go back to water?- traduzida para:

Vou dar porrada, porrada até cair no chão!

Aí começava a pancadaria nos manés antecipadamente visados. Na saída, quem deixasse para sair no fim do baile, corria risco de vida.

Me lembro de um lance terrível:

Formou um bolo em volta de 2 que tinham brigado lá dentro, aí um moleque aqui de fora, pegou um paralepípedo e jogou no bolo, visando a cabeça de alguém. Pouco meses depois, meu amigo foi tirado da cama por outro "amigo", para ir nesse baile. Esse falso amigo, tinha batido em 2 fracotes na semana anterior (já havia essa guerra de morros) e temia que eles viesse com muitos.

Ele veio só com 1, que tinha uma camisa enrolada na mão.

Os 2 amigos já dentro do ônibus, os pivetes lá de fora chamaram:

Vem bater na gente, otários!

O que tinha batido nos moleques desceu 1º, enquanto isso o pivete dizia ao outro:

Me dá o negócio!

O outro deu um revolver e ele saiu atirando. Um tiro pegou na perna do 1º e outro tiro na cabeça do meu amigo, Rubens Costa Sátiro, o Rubinho Tabajara, que não tinha um inimigo.

Enterrei ele no dia do meu aniversario, 01-10-1977!

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Leiteiro
Enviado por Leiteiro em 22/09/2007
Reeditado em 28/01/2008
Código do texto: T663448
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