A saga do cross deck noturno IV

Esta saga é um simples exercício de ficção; qualquer semelhança com nomes e fatos da vida real é mera coincidência.

SENTI BOLHAS DE AR SUBINDO

Neste instante o Cleber observou na parte transparente inferior da cabine do helicóptero, no lado direito, uma claridade que lhe pareceu ser uma espuma branca de uma crista de onda, quebrando...

—Puta que pariu! Foi sua reação. Após o impacto, seguiu-se o barulho de algo rasgando e, logo em seguida, sentiu uma pressão muito forte de água turbilhonando e teve a impressão de girar... girar... Em dado momento parou de girar. E, desorientado, surpreso, confuso, não tinha a menor noção de onde estava. Não sabia se estava dentro da aeronave ou fora. A escuridão era total. Imaginou-se dentro da aeronave e procurou com suas mãos a janela da cabine, do seu lado direito, tentando alijá-la. Não a encontrou e concluiu estar fora da aeronave. Nesse momento não tinha noção de que estava dentro d’água ou mesmo se estava vivo! Foi então que soprou e sentiu bolhas de ar subindo, percebeu que estava vivo! Uma nova força se apoderou dele e ele procurou a superfície, pois começava a sentir falta de ar. Próximo à superfície percebeu que não conseguia colocar sua cabeça para fora da água. O desespero se apoderava do Cleber... Nesse instante percebeu que o banco da aeronave ainda estava preso nele, o que não permitia que sua cabeça se inclinasse para trás. O César estava quase no seu limite, desesperado bebia muita água e afundou uma vez mais. Uma força maior o impulsionava, no entanto, para a vida. Foi buscar nos recônditos de si mesmo aquela força estranha... Mas ao chegar perto da superfície afundou novamente! Dentro d’água, na sua luta desesperada, sabia que precisava se livrar do banco da aeronave, que ainda estava amarrado nele. Com mil braços, encontrou, enfim, a fivela salvadora do cinto de segurança e soltou o banco. O Cleber, incontinente e livremente, foi para a superfície, como se tivesse sido ejetado.

Na superfície, apesar de estar tudo muito escuro, avistou o navio-aeródromo Santa Cruz, muito próximo, dando até para se distinguir a tripulação correndo no convés. Ao se virar, viu muito próximo dele o lado de bombordo (lado esquerdo) da sua aeronave Mar N-3014, com parte da transmissão do rotor principal, todo o cone de cauda e o rotor de cauda fora da água. Nesse instante pensou nos sobreviventes e escutou um grito...

AJUDA A REVER MINHA FILHA

O CT Bruno, co-piloto do Cleber, após o impacto, foi lançado para frente e quando observou que estava dentro d’água, tentou ficar na vertical e não conseguiu. Verificou que seu banco ainda estava preso no seu corpo. Soltou o banco sem muito problema e foi para a superfície, onde viu que estava praticamente sob o rotor de cauda da aeronave. Nadou para se afastar daquela posição, pois temia que a aeronave, ao afundar, criasse um redemoinho que o arrastasse. Após se afastar, inflou seu colete e gritou, para verificar se havia mais alguém na mesma situação:—Quem está aí? Uma pessoa lhe respondeu e pediu para que se identificasse. O CT Bruno falou seu nome e se aproximou do companheiro. O Bruno, ainda desorientado e muito tenso, avistou um ponto escuro num cavado de onda. Era o ponto de onde vinha a voz. Esta pessoa nadou em sua direção e, ao chegar mais perto gritou: —Eu, crasheei (derrubei) um SH3... O Bruno determinou que ele inflasse o seu colete individual, o que foi feito. O Bruno, mais calmo, sóbrio, solicitou que o Cleber tentasse apanhar a lanterna strobe light, porque ele não estava conseguindo apanhar a dele, pois o seu colete só havia inflado o lado inferior esquerdo e o lado superior direito, o que estava dificultando pegar aquele equipamento.

—Eu crasheei um SH3! Repetiu o Cleber. Bruno, incisivo, lhe falou: — Cleber, em vez de falar bobeira, me ajuda a rever minha filha.

Nesse momento um outro SH3 já passava muito baixo sobre suas cabeças. Uma nova luz, uma nova força se fez: eram os Guerreiros procurando os sobreviventes. Era o Mar N-3012...

O Cleber tentou utilizar um cyalume(sinalizador fluorescente) para sinalizar, mas não funcionou. Mais uma vez o Cleber sentiu-se desanimado, pois o helicóptero parecia não tê-lo avistado ainda. Somente agora, lembrou de inflar a sua balsa individual (balsa BM-1). Ele checou para ver se ainda estava com ele. E estava! Acionou-a e lembrou o Bruno para fazer o mesmo. O SH3, novamente, passava sobre suas cabeças, sem os avistar. Juntaram suas balsas e prenderam uma na outra... O Cleber nesse momento pensou em usar o seu sinalizador noturno, um pirotécnico. Mas o Bruno o impediu, pois percebeu que havia muito querosene de aviação na água... E havia perigo de incêndio. As coisas pareciam mais complicadas para o Cleber. Já na balsa ele tentou usar sua lanterna (strobe light), mas o zíper do macacão emperrou; tentou rasgar o colete com a faca para retirá-lo, mas não obteve sucesso. Nesse momento o Mar N-3012 passava sobre eles com seus possantes holofotes acesos... E muito baixo. Cada passagem desta era uma injeção de esperança, de vida...

Decidiu, então, usar a sua caneta sinalizadora, já que o pirotécnico poderia provocar um incêndio. Tentou ver, mais uma vez, onde estava o seu helicóptero, o valente 14, porém não mais o avistou. Cleber sentiu uma dor muito grande, por não vê-lo mais; o Mar N-3014 fora embora...afundara! Mas a vida continuava e ele precisava, mais do que nunca, lutar por ela naquele momento. Disparou oito sinalizadores encarnados, enquanto o Bruno, com a sua lanterna de filtro âmbar tentava sinalizar para a aeronave Mar N-3012, o SH3 agora se aproximava muito lentamente... E a vida parecia ressurgir nos corações do Cleber e do Bruno...