A saga do cross deck noturno III

Esta saga é um simples exercício de ficção; qualquer semelhança com nomes e fatos da vida real é mera coincidência.

A DECOLAGEM DO HELICÓPTERO MAR-3012

O Mar-3012 foi o primeiro a decolar. Naturalmente, a situação no convoo foi visualizada por mim e pelo meu copiloto. A decolagem em cross-deck noturno me preocupava (manobra nova e imposta) e, por isto, para não perder as referências visuais poucas que aquela decolagem oferecia à noite, ascendi, ainda no hover, sobre o convés de voo, para apenas 10 pés, ao invés de 15 como determinava o Manual de Voo. Eu sabia que mesmo mantendo alguma referência visual periférica, após a decolagem, iria enfrentar um novo problema: estar no ar, no inicio da decolagem, com pouca velocidade, sem estar aproado ao vento real, o qual estava entrando pela bochecha de bombordo (esquerda). Mas, havia ordem superior para se usar aquele tipo desconhecido de decolagem. E decolamos... Sabe lá Deus como! A decolagem foi feita com o máximo de cuidado, pois no pouco espaço do convés de voo onde estávamos existiam outras aeronaves estacionadas. A ré da ilha do NAeL Santa Cruz havia um helicóptero Superpuma, com as pás fechadas. À minha direita outro Superpuma, com as pás fechadas e nos espotes 5 e 6, os helicópteros SH-3 Mar N-3014 e 3007, respectivamente.

Devido a este posicionamento em gaveta, resolvi aumentar as minhas precauções na já crítica decolagem cross-deck noturna. Um pouco antes da decolagem, ainda no solo, informei à aeronave Mar N-3014 que manteria um voo reto-horizontal até que fosse informado que ela havia decolado, estabilizado seu voo e feito curva à esquerda, em razão das aeronaves terem recebido da Esquadra a inusitada ordem para os helicópteros ficarem às escuras o tempo todo e o 3012 ter necessidade também de fazer curva à esquerda, a fim de ir para o seu setor de busca antisubmarino.

A DECOLAGEM DO MAR N-3014

Ás 22:22h o CT Cleber iniciou sua decolagem. A única referência visual para manter seu hover(voo pairado) era o círculo branco do espote número cinco onde ele estava e o próprio orientador de voo sinalizando à sua frente. Mas, à medida que a aeronave ascendia para a altitude prevista de hover (15 pés, pelo manual), o circulo branco ia desaparecendo, o orientador ia desaparecendo... Isto se devia ao fato da atitude de hover do helicóptero SH3A ser de nariz alto!

O copiloto, CT Bruno, reportou 15 pés, instrumentos normais; o Cleber, no comando, ascendendo para o seu hover, ainda tentou estabelecer alguma referência visual com o navio, através da visão periférica... Mas só distinguiu uma luz fraquíssima, no convés.

O que o CT Cleber não percebeu é que tudo já estava preparado para o ataque da desorientação espacial. A dúvida de onde estava, como estava, já se instalara em sua cabeça. O conflito, gerado pela rápida perda das referências visuais, estando o helicóptero ainda subindo para o hover, sobre o convés de voo (e rodeado de obstáculos), fez com que ele decidisse sair dali. E este, temeroso de bater nas outras aeronaves que estavam no convés decidiu iniciar a sua decolagem por instrumento, naturalmente, que é o que lhe restava. Puxou o coletivo e, ao mesmo tempo, introduziu uma ligeira atitude de nariz baixo, a fim de sair de cima do convés de voo. O CT Bruno reportou subida normal, cantando a altitude de cinqüenta pés. Informou em seguida, setenta pés e, nesse instante, pela sua visão periférica, ele viu um clarão de luz vermelha, que para ele representava o navio se afastando lateralmente para a direita. O CT Bruno reportou que iria içar o trem de pouso (a fim de não ficar sem alarme áudio em altitudes abaixo de 100 pés, conforme o Manual de voo). O CT Cleber fez mais uma vez a ‘varredura dos instrumentos’ e, ao perceber o afastamento lateral do navio, se preocupou, primeiramente, em checar se a aeronave não estaria perdendo altitude, olhando o indicador de subida (climb), e observou uma razão positiva de subida. Continuando sua varredura observou que sua proa era de 047°, ao invés de 060°. Não observou a velocidade indicada, mas viu no radar-altímetro a indicação de 70 a 80 pés. Sentiu que a asa esquerda da aeronave estava baixa, o que comprovou ao olhar a VGI. Aliás, esta sensação de desconforto ele sentiu com a observação do afastamento lateral do navio para a direita, além do que, tinha a sensação de que a aeronave estava subindo.

Logo após o CT Cleber ter introduzido a correção de asa, ele reportou que iria tirar as luzes (conforme uma nova determinação da Esquadra) e, ao mesmo tempo, informou: altitude, 50 pés! Imediatamente o CT Cleber puxou o coletivo todo para cima, até o esbarro, olhando o radar-altímetro (indicador de altura verdadeira) e o indicador de subida e descida (que indicava uma razão de descida entre 0 a 300 pés/min). O CT Bruno reportou 20 pés... E o radar-altímetro estava indicando 20 pés sobre a superfície do mar, observado pelo Cleber... Mas a aeronave continuava a descer!