Halifax - Vancouver

(y)

O Canadá é um país surpreendente. Frio, porém interessante. É frio de todos os jeitos; no clima e nas emoções. Embora todos falem duas línguas (inglês e francês) a recepção das pessoas é fria.

É interessante a mescla cultural. Numa mesma região, o visitante convive com aspectos ingleses, americanos, franceses e indígenas. Fruto de uma colonização multiforme, em cima de uma vigorosa tradição índia iroquesa, o Canadá encanta à primeira vista e deixa gravadas, no espírito do visitante, imagens e sensações.

A cidade de Ontário, por exemplo, por fronteira com os Estados Unidos, é uma típica cidade yankee, onde a cultura americana do lado de lá (Buffalo) se mistura com a do lado de cá, tudo temperado pela surpreendente gastronomia italiana e pelo assustador estrépito das Niagara Falls.

Pois foi sob a neblina constante das cataratas, naquele úmido verão de julho, que o casal, depois de muita expectativa, marcou um encontro. Conheceram-se na Europa. Ela viera trabalhar no Canadá, e na despedida eles prometeram um reencontro, que agora se concretizava.

Curioso, é observar que duas pessoas, naturais de dois extremos da terra a milhares de quilômetros dali, se reencontraram, visitando os rapids e o maid of the mist das cataratas, como se tivessem dito um simples até logo, há poucas horas...

Era preciso desfrutar com intensidade aquele curto período que os destino lhes reservara.. Desde o primeiro encontro, sentiram que seus gostos, sua afinidade pelos prazeres da mesa, dos livros, da cama e da aventura, permanecia inalterada.

Alugaram um carro e rumaram para a cosmopolita Toronto, fazendo a romântica rota dos lagos, aproveitando para fazer amor à beira da estrada, no carro. Depois, foram ao Eaton, em Toronto, um dos maiores shoppings do Canadá, comprar alguma coisa para a jornada que planejavam desenvolver.

Seguiram viagem e foram parar na latina e romântica Montreal, onde passaram a noite no Belle Française. Estavam tão excitados pela perspectiva da aventura (e porque sabiam que haveria outras noites), que perderam o desejo naquela noite. Na manhã seguinte, o mal-humorado porteiro os acordou às cinco, com seu carregado sotaque francês.

Enfiaram coisas nas valises e foram para a estação, que ficava ali perto. O trem transcontinental, que fazia a linha Halifax-Vancouver passava ali às seis da manhã. Começava a aventura...

Foram dias de magia, romance, confidências e balanço. O trem leva quatro dias para atravessar o Canadá, de costa-a-costa. Cabinas de luxo, música ambiente, climatizadas e esmerada culinária...

Falaram de passado e presente, amores e frustrações, Platão e Nietzsche, política internacional e filosofia, orgasmos e solidões, hors d’oeuvres, vinhos e poisson au gratin.

Como sabiam do efêmero do encontro, falaram de tudo, menos de futuro. Deixando de lado suas línguas originais, usavam o inglês para o formal e o francês para a hora do amor.

À medida que o trem avançava para o noroeste, embora mais ao sul fosse verão, a paisagem ficava mais branca, o tempo lá fora mais frio, contrastando com o clima da cabina, transformada num tórrido ninho de amor.

Ela era uma européia atraente, pele clara, cabelos vermelhos, dona de uma plástica exuberante, no espírito algumas marcas de amores fracassados. Buscava no trabalho, a diplomacia internacional, primeiro uma fuga de seu vazio interior, depois o enunciado de algumas questões existenciais, sem respostas até então.

Ele, um filósofo, poeta sonhador, com a cabeça cheia de idéias e fantasias... Eles haviam se conhecido em Paris há quatro anos atrás. A viagem foi para os dois um intensivo de paixão, desejos e sensações. O que os esperaria no fim-da-linha? Uma decepção? Outro adeus? O renascer de alguma esperança? A incerteza de uma continuidade? Nem eles sabiam... e nem queriam saber naquela hora. Bastava-lhes o existencialismo do momento a ser bem vivido.

O depois ficaria para depois... O tempo que eles tinham era curto e precisava ser bem aproveitado. O trem chegou ao destino, na hora certa, como acontece com os trens canadenses.

Fazia muito frio. Ela, acostumada com as estepes russas não sentia muito, mas ele, de um país tropical... Eles não conheciam a cidade, nem tinham a intenção de visitá-la. Com ares sugestivos se olharam ternamente. Agora, fazer o quê?

Sem prévio acordo, desceram na estação, compraram outra passagem para fazerem o percurso de volta, rezando aos deuses do amor que a viagem não tivesse mais fim.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 01/11/2005
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