Cartas de Anat e Baal
Coisa muito interessante, embora pouco conhecida na cultura ocidental, é a mitologia palestina, originária das estepes cananéias e das praias fenícias. Ali há um panteão extremamente significativo, em nada perdendo para os mitos gregos e hinduístas.
Enquanto na Grécia, o Olimpo é povoado por inúmeras deidades, a maior parte delas com defeitos e vícios antropomórficos, na Índia vamos encontrar uma espécie de “trindade”, a trinamurti brâmica, onde encontramos Xiva, Krixna e Vixnú.
Originários do seio da divindade El (o deus único dos patriarcas), Baal (o Senhor) e Anät (o calor) são duas divindades agrárias, cujas etapas de vida se ligam aos ciclos da terra, das colheitas e ao cio dos animais.
Descobertas arqueológicas, datadas do início do século XX, cuidadosamente guardadas nos museus do Cairo e de Londres, nos revelam a existência de cartas de amor entre Baal e Anät. Esta deusa também aparece como Ašera (pronuncia-se Ashera). A maioria dessas cartas vem escrita em ostrakos, tabuletas de argila, com os textos escritos em letras cuneiformes, pelos ficcionistas daquele tempo. A deusa Anät, também aparece, inclusive na Bíblia, como Aštarte. Pois naquelas “cartas”, mencionadas no poema épico do Gilgameš, os dois falam no amor, na preservação da natureza, da qual são guardiães, e nos fenômenos naturais, o raio, a chuva, as enchentes fertilizantes e o trovão. A relação entre Baal e Anät tem algo de místico, animal. romântico e transcendente. Os cultos ao amor, na maioria dos templos da antigüidade, têm estátuas deles, abraçados ou fazendo amor.
Talvez por isso que os amantes de todos os tempos busquem, para seus encontros, o mato, a chuva e as paisagens bucólicas que, segundo estudiosos, lembram aquelas divindades. A coletânea de cartas entre Baal e Anät, descoberta nos achados arqueológicos de Mari, é um dos grandes poemas de amor da literatura mundial, infelizmente desconhecido de muitos. Na verdade, Baal e Anät, antes de amantes são irmãos, caracterizando a relação incestuosa das divindades agrárias da antigüidade do Oriente Médio. Seu inimigo natural é Môt (a seca, a indiferença), que, enciumado, mata Baal.
Anat, no entanto, amorosa, vigilante e fiel a seu amor, tritura o corpo do irmão-amante e o semeia nos campos. A cada primavera, tipificando os eternos ciclos da natureza, ele renasce. Para a vida e para o amor. A relação de Baal e Anät é comparada à de Orfeu e Eurídice ou Abelardo e Heloísa, que têm nas cartas íntimas, um referencial, como um ponto essencial de seus afetos.