Caminho de sonhos

Situada no hemisfério norte, Atenas é uma cidade muito quente nos meses de julho e agosto, o tórrido verão grego. Esta é uma das razões pelas quais o gregos gostam tanto da cor branca, para as roupas e também para suas casas.

A paisagem é toda ela pedregosa, recortada de casinhas alvas, atenuada aqui e ali pelo azul do céu e pelo ciano das cúpulas da igrejas, tudo contrastando com o mar, de um verde jamais imaginado. O caminho de chegada a Atenas, para quem vem do Aeroporto Helênico (Eleftérios Vanisselos), passa pela rota de Kalamákion, que vai beirando o Egeu, na direção de Pireu.

Na paisagem, sente-se o contraste do velho e do novo, a combinação das cores, o odor do carneiro assado e das oliveiras em flor, tudo confere à viagem um toque místico, de um inesquecível encanto. Na capital, o principal passeio é ir à ágora da cidade, subir os dois ou três quilômetros que separam o cosmopolita centro da cidade do monte poeirento da Acrópole, onde parece que a qualquer momento se vai encontrar um guerreiro, um filósofo ou um legislador.

Subir a calcária estradinha para a Acrópole é, por si só, uma empreitada, ainda mais sob um sol de quarenta graus de um meio-dia de verão. Pois, foi nessa subida que ele a conheceu. Era uma morena, como costumam ser as gregas, alta, magra, de ancas arredondadas e sorriso brejeiro. Como fazia calor, vendo seu apuro, ela ofereceu-lhe “carona” sob seu vetusto guarda-chuva preto. Dali eles ensaiaram as primeiras palavras, misturando o grego, o francês e o inglês.

Quando caiu a noite (em Atenas, no verão, escurece lá pelas dez da noite) eles já eram amigos, parecia que se conheciam há muito tempo. Professora de ciências exatas na universidade da Salônica, ela tinha vindo passar uns dias de suas férias na capital e resolvera – coisa que ela não soube explicar – fazer um passeio àquela parte histórica da cidade, que tantas vezes ela havia visitado.

À noite eles foram a uma taberna, que são os points clássicos das cidades gregas. Ali há a música dolente dos tocadores de buzukia (a guitarra grega) onde se dança (ele não pôde deixar de recordar Zorba), se come um inesquecível assado de carneiro ao alho, tudo completado por um incrível vinho novo. O sucesso musical mais tocado naqueles dias era Odós oniron (Caminho dos sonhos), do consagrado Hadjidakis. A noite foi muito agradável e o fim melhor ainda.

Meio embriagados de vinho e luxúria, se deixaram levar, já na madrugada, sem prévio acordo, para uma pensão simples, perto dali, com uma cama larga em um quarto térreo, com uma área que dava para o mar. O corpo da moça era como uma escultura de Vênus: seios bem feitos, rijos e do tamanho ideal. Sua pele era de uma tonalidade indescritível, seus cabelos pretos, caindo pelos ombros, emolduravam um rosto com um misterioso fascínio, onde despontavam um sorriso constante, dentes alvíssimos e dois olhos, negros e prometedores das delícias do Olimpo.

Seu corpo tinha o perfume natural das oliveiras do Peloponeso e dos figos de Chipre... Ela andava nua pelo quarto (no máximo vestia a camisa dele, assim mesmo aberta na frente) com aquela liberdade característica das divindades gregas. O amor que se passou entre eles foi como que um presente dos deuses, especialmente de Éros. Durante dois dias, eles viveram inebriados de desejo, amor e êxtase. Era só abrir a porta do quarto e já tinham mar a dois passos. Eles saíram da cama várias vezes e se jogavam nus na tépida, reconfortante e verde água do Egeu.

Ela falava inglês e francês fluentemente, mas na hora do prazer, no descontrole dos espasmos do amor, ele a ouvia gritar agápe mu (meu amor), hidys (gostoso) e sagapô (te amo). Como na moral das fábulas de Esopo, logo eles descobriram a rudeza do “não há bem que sempre dure...”. Só haviam três alternativas: ele ficava na Grécia, ela vinha para a América ou eles diziam adío.

No Aeroporto (ela levou-o em seu Mercedes) eles poucos se falaram. Seus olhos marejados de lágrimas diziam de fados do destino, encontro, perdas e caprichos dos deuses enciumados. Entre soluços apenas disseram efaristós (que bom o que houve entre nós). E o avião partiu provocando a ruptura de algo que ele até hoje não sabe definir se foi um sonho de mitologia ou uma doce realidade. Uma marca de dentes no ombro esquerdo forneceu-lhe, ainda por algum tempo, um atestado de que aquilo efetivamente ocorrera.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 31/10/2005
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