Uma mensagem a Garcia
 
     Este é o título de um panfleto assinado por Helbert Hubbard, um nacionalista e conservador tipicamente americano, de conteúdo honesto e de ocorrência improvável em dias atuais. A história se passa nos tempos em que o sentimento pelo dever não podia ser quebrado por nenhum tipo de conveniência pessoal.
     Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, no fim do século passado, o presidente Mac Kinley precisou de um homem confiável, capaz de conduzir uma mensagem governamental urgente a Garcia, chefe dos insurretos, que se instalara em um ponto qualquer da ilha de Cuba.
     Disseram-lhe que tal homem só poderia ser Rowan. Pois bem: Rowan, conduzido ao presidente, ouviu atentamente as suas recomendações, colocou a mensagem dentro de um invólucro impermeável atado ao peito e quatro dias depois saltou de um barco descoberto, em horas tardias, na costa cubana. Entrou no sertão e atravessou todo o país a pé, num ambiente completamente hostil, para entregar a carta a Garcia, um mês depois.
     Rowan é deste tipo de gente que se desincumbe de uma missão sem nunca perguntar: onde ele está? Para a filosofia americana acostumada a forjar heróis de têmpera rude e obstinação implacável é o caso para se esculpir um busto e colocá-lo em todas as escolas do país. E para servir de exemplo para a juventude que, diriam eles, anda mais precisada de gente ereta do que de mera sabedoria livresca. Não foi assim que se construiu a grande nação, desde os puritanos da Nova Inglaterra até os Iluministas da Virgínia, com pessoas altivas no exercício de suas tarefas, dando conta do recado?
     Tivéssemos a força imaginativa e o pendor lúdico das crianças, poderíamos ver nesta história várias facetas, até mesmo aquela em que o desenho animado come, prazerosamente, a sombra de uma banana descascada projetada numa parede, isto é, que a obediência é virtuosa. Mas o mundo adulto é pragmático e, sendo assim, nos restam as alternativas de olhar com desdém este personagem que executa calmamente uma ordem após dizer “sim, senhor!”, ou então admirar todos aqueles raros indivíduos que seriam capazes de levar uma missão a termo sem perguntar: Quem é ele? Onde se encontra? Não há outra pessoa para fazê-lo? Particularmente, prefiro esta.
     Na verdade, a apologia dos Rowan porventura ainda existentes é praticamente indefensável nestes dias. E só com algum esforço pode-se dispensar certa simpatia a um panfleto que não vacila em justificar aos patrões a salvaguarda de seus interesses na prática da sobrevivência dos mais aptos.
     É preciso mesmo gostar de gente capaz de levar uma mensagem a Garcia para desculpar a estas pessoas que louvam incondicionalmente aos que deixam a marca do sucesso. Ou que, diante de obstáculos quase incontornáveis, juntam esforços para triunfar, em vez de tecer divagações improdutivas.