Sobre Jesus na goiabeira, cultura do estupro e a futura ministra Damares Alves

Não foram poucas as polêmicas que giraram em torno da recém nomeada ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Foram inúmeras as manifestações de críticas à pastora que afirmou ter visto Jesus em um pé de goiabeira em sua infância. Deboche não faltou em diversos contextos na internet, principalmente nas redes sociais. Ao serem questionados, os críticos justificam que uma pessoa com o discurdo de Damares não merece respeito, pois ela, também desrespeita a muitos, pela sua posição totalitarista e preconceituosa sobretudo em relação a cultura e religião africana e suas manifestações machistas e misóginas.

Essa posição lembra a famosa frase de Gandhi "olho por olho e o mundo acabará cego". O que poderíamos considerar razoável a ser dado como resposta à futura ministra do governo Jair Bolsonaro? Nesta semana, Damares concedeu uma entrevista explicando os motivos de sua visão espiritual quando criança. Disse que foi estuprada dos seis aos oito anos de idade por um pastor. O problema não parou neste, um segundo pastor, talvez em comunicação com o primeiro, também aproveitou de sua vulnerabilidade e a abusou. Depois da violência sexual, deixou de ser uma criança alegre que brincava e cantava e passou a ser retraída e triste.

Destaca que aos 24 anos chorou ao ver no jornal, que um dos pastores que a molestou havia sido preso. A mãe, presenciando o choro da filha na idade adulta, disse que sabia o motivo da tristeza. Damares guarda mágoa da família que sabia do abuso mas em nenhum momento tratou do assunto com a filha frente a frente. Os pais na ocasião, procuraram ajuda da igreja e o orientação dos líderes religiosos foi que não colocassem o problema a público e que mantivessem firmes na fé que o problema seria resolvido. Damares sem proteção, sem ninguém para conversar, subiu ao pé de goiaba com veneno de rato nas mãos disposta a por fim à própria vida. Foi quando segundo ela, viu uma imagem que a remeteu a Jesus. O saquinho de veneno caiu no chão e a menina desistiu do objetivo de por fim a própria vida. Esse é o cenário que dá fundamentação ao famigerado caso de Jesus na goiabeira.

Sejamos racionais, deixemos a zombaria de lado. Foquemos no problema da violência sexual e a forma como a sociedade lida com a questão. O fato é que Damares ficou doente. Emocionalmente doente. Não teve apoio. Em sua entrevista critica a família, a escola e a igreja pelo silenciamento. Era claro que algo estava errado com ela. Como uma criança alegre de uma hora para outra passa a ser triste? Como e por que sua mãe só pronunciou saber da violência quando ela já era adulta? Por que a genitora mesmo sendo mulher e mãe não a protegeu? Não diferente deste contexto está o silenciamento durante anos das vítimas do médium espírita João de Deus acusado de cometer abuso sexual contra centenas de mulheres em Abadiânia no estado de Goiás. Por que se calaram? Ou falaram e não foram ouvidas? Não há dúvidas que as vítimas de Joao de Deus gritaram. Internamente ou externamente alguma coisa mudou depois do abuso. Quantas delas tentaram ajuda e foram motivadas e deixar o problema de lado, afinal quem acreditaria nelas?

O problema de Damares e das centenas de vítimas do médium Joao de Deus, coloca em evidência uma controversa central do governo de Jair Bolsonaro, a Escola Sem Partido, que tem como um dos objetivos centrais proibir que escolas falem sobre questões de gênero e sobre educação sexual. O Projeto defende que quem deve interferir em assuntos desta natureza seja a família. Como aceitar isso se é exatamente no seio familiar onde acontece a maioria dos crimes sexuais? Como Damares ao atuar como ministra irá lidar com estas questões? Pois se tem críticas as instituições que se calaram (igreja, escola, família) e não a protegeram não pode em hipótese alguma, como afirmou na entrevista, deixar que a educação sexual seja algo a ser decidido pelas famílias que muitas vezes não tem preparo para proteger as crianças. Esta questão é sem dúvida um problema de estado, uma necessidade que deve ser vista como política pública. É notório que a futura ministra traz contradições perigosas em sua atuação, sobretudo quando sugere uma bolsa às mulheres que sofreram estupro para cuidar de seus bebês. No lugar de oferecer a tal bolsa deveria orientar estas mulheres a ter o direito de decidir se querem ou não ter filho de um abusador.

A ministra em diversas entrevistas, coloca a mulher em papel de subalternidade, direcionando-a a lugares que ela mesma já superou, pois durante anos trabalhou como assessora juridica no Congesso Nacional. Não é do nada que veio sua segurança em falar em público. Damares exercita há anos, sua liderança. Liderança esta que não veio de práticas domésticas por ter ficado atrás do tanque ou do fogão. Assumiu lugares historicamente tidos como lugares masculinos. Por isso a defesa que as mulheres sejam donas de casa e somente donas de casa é mais uma de suas inúmeras contradições. Sua nomeação como ministra das mulheres é um problema. Isso porque confunde o público e o privado e coloca em risco a importância da laicidade do estado. Coloca em risco a importancia da lei 10639 que defende o ensino da cultura e história africana. Como ministra, Damares não pode impor que a sua religião seja a única correta. Como mulher e como agente do estado sua postura deve ser de governar para todos, aliás governar para todos e soberania popular é um tema que tem custado muito aos que defendem o respeito e a valorização da diversidade. Principalmente mediante o novo contexto social e político no Brasil. Coloquemos racionalidade em nossas reflexões, não cabe zombar de Damares pela fé que professa, cabe reivindicar e resistir até o fim as suas manifestações totalitaristas que colocam em risco a democracia.

Isabel Cristina Rodrigues
Enviado por Isabel Cristina Rodrigues em 19/12/2018
Reeditado em 19/12/2018
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