O PERFIL CRIMINAL E A INVESTIGAÇÃO DE HOMICÍDIO SERIAL: Entendendo os verdadeiros Mindhunters.
 

*Por Marcus Hemerly –

Formado em Direito Pela FDCI – Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Cursou Introdução à Criminologia Forense e Profiling Criminal, e introdução à construção do perfil criminal, pelo IPEBJ - Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos. Servidor Público do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo.


RESUMO

O presente artigo pretende delinear a evolução do perfil criminal, enfatizando o projeto concebido pelo FBI a fim de, empiricamente, compilar dados sobre crimes violentos, a partie de entrevistas com infratores presos. Mencionando diferentes técnicas de perfil, este trabalho demonstrará a importância de tal ferramenta no campo da investigação envolvendo crimes de natureza serial, bem como na esfera judicial, evidenciando sua relevância na moderna investigação forense.

ABSTRACT

The present article intends to outline the evolution of criminal profiling, emphasizing the project conceived by the FBI, in order to empirically, compile data on violent crimes by conducting interviews with imprisoned offenders. Mentioning different profiling techniques, this work will demonstrate the importance of such a tool in the field of investigation involving crimes of serial nature, as well as in the judicial sphere, evidencing its relevance in modern forensic investigation.

Palavras-Chave: Perfil criminal. Evolução histórica. Métodos e campos de aplicação. Esfera investigativa e processual. Exemplos práticos.


Key words: Criminal profiling. Historic evolution. Methods and fields of application. Investigative and juditial sphere. Case studies.

INTRODUÇÃO

Percebe-se uma vasta produção de escritos acadêmicos sobre serial killers1 nas últimas décadas, especialmente com a popularização do tema no cinema, televisão e literatura. A recorrência do tópico é uma tendência peculiarmente pronunciada, associada à curiosidade natural do ser humano em relação ao mórbido.

O fenômeno pode ser explicado pela atração instintiva do cérebro por informações não usualmente processadas, como no caso do bizarro, por exemplo. Tal aspecto da criminalidade, vem servindo de cenário para os enredos das mais marcantes obras da ficção investigativa nos últimos tempos, contribuindo, inclusive, para a disseminação de informações – por vezes equivocadas – concernentes a tão controverso assunto.

Ainda que muitas teorias ou enfoques tratados nas páginas das obras literárias ou nas telas do cinema revistam-se de um tom impreciso e distorcido pela licença criativa, decerto, não há de se negar que muitas dessas abordagens, efetivamente, correspondem à realidade no que tange à mente dos assassinos em série. Segundo a classificação do FBI (Federal Bureau of Investigation), a polícia federal norte-americana, o assassinato serial é definido como três ou mais eventos separados, ocorridos em locais distintos, distanciados por um hiato denominado “período de resfriamento emocional” ou de “calmaria”, entre os homicídios.

Num primeiro olhar, a definição revesteir-se-ia de feições de completude, contudo, apresenta insuficiências e fragilidades evidentes quanto à quantificação de vítimas e o período de resfriamento, o qual se qualifica como o lapso compreendido após a satisfação obtida no evento criminoso, ou seja, no ápice da tensão pré-delito – fase áurea – até à prática de um novo crime.

Em se tratando de assassinos seriais, pode-se dizer serem estes indivíduos dotados de um padrão específico relativo à escolha de vítimas e o procedimento de perpetração dos crimes, peças chave na composição do perfil criminal, como se discorrerá adiante. O presente artigo visa apontar o papel dessa ferramenta e sua aplicação na investigação de assassinato serial no cenário atual, traçando um singelo passeio histórico sobre suas origens e o método utilizado pelo FBI, quando da composição de uma investigação ou na confecção de pareceres.

DESENVOLVIMENTO

Diversamente da concepção popular, serial killers não são uma realidade da contemporaneidade, pois desde que se cometeu o primeiro assassínio na história, é possível apontar a gênese de sua ocorrência, que é paralela à própria evolução – ou retrocesso – da espécie humana. Assim, ainda que inúmeras tenham sido as mudanças sociais e culturais no desenvolvimento dos povos, as moléstias mentais, desvios do psiquismo e outros aspectos correlatos, são inerentes à natureza da civilização, pois o comportamento criminoso é uma reunião dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais, consistindo na trinca denominada bio-psico-social.

Como cediço, existem diversas teorias que objetivam explicar as origens do comportamento violento, ora atribuindo-o a fatores genéticos relativos a alterações cromossômiais, ora a influências de cunho social, relacionando, inclusive, estas desordens à violência como aspecto inato ao indivíduo. O assunto é debatido desde os primórdios do estudo criminológico, com os escritos de Lombroso, Virchow, Hans Gross, Richard Von Krafft – Ebing, entre outros.

O meio social, da mesma forma, pode influir sobre um futuro padrão de comportamento, pois é inquestionável que o fator cultural sempre esteve inserido entre os principais delineadores de caráter conhecidos. Aponta-se ainda como conhecimento solidificado, que nos primeiros anos de vida, a criança tende a assimilar aspectos do ambiente que a circunda, a fim de compor sua própria identidade, imagem que servirá de modelo à sua personalidade futura/adulta.

Analisando por conseguinte o aspecto psíquico, é possível livremente atestar, em atenção à vastidão de material registrado durante os anos de pesquisa e desenvolvimento da psicologia, que significativo percentual dos criminosos violentos sofreu algum tipo de abuso na infância e juventude, fase na qual a estrutura mental da pessoa em desenvolvimento apresenta um estágio mais vulnerável em sua formatação.

De fato, tal aspecto é objeto de constantes publicações associando o abuso na infância como significativo precursor ao comportamento violento em idade madura. Nesse contexto, os danos à cadeia psíquica são na maioria dos casos tão profundos, que as cicatrizes, reflexos de um considerável lapso de abusos sistemáticos, muitas vezes são decisivas na formação de um futuro transgressor, especialmente pelo fato de que as citadas alterações cerebrais agem sobre o sistema límbico cerebral, centro das emoções, pronunciadamente alterado em personalidades psicopatas.

Ressalte-se que estes conceitos de maneira nenhuma são absolutos, pois como se sabe até mesmo pelo conhecimento de mundo, nem todas as vítimas de violência física, mental ou sexual, estariam propensas a desenvolver aquelas tendências em momento ulterior de suas vidas. Todavia, essa percepção empírica é relevante na composição do perfil psicológico de um elemento desconhecido objeto de uma investigação.

Os crimes de natureza serial revestem-se de particularidades em relação à convencional perquirição de autoria de delitos, pois diferentemente do que se transmite no universo da ficção, na maioria dos casos, serial killers não apresentam de maneira evidente e até mesmo estética, a motivação de seus crimes através de rituais mirabolantes, ou pistas propositalmente deixadas na cena do crime. Por outro lado, ainda que esse fato possa ocorrer casuisticamente, situações nas quais o perpetrador anseia uma relação com a mídia, ou mesmo com as autoridades que os investigam, sua verificação é rara, apresentando-se muitas vezes como uma tarefa árdua inclusive identificar um caso como de natureza serial ou ritualística.

Um elemento desconhecido – UNSUB (Unknown Subject), na definição da polícia norte-americana – pode atuar em um raio de ação de vasta abrangência; e, de outro giro, considerável parcela opera em áreas próximas a seu espaço de vivência, sendo amiúde problemático conectar, de início, os locais de abdução, abate e desova das vítimas, podendo tal área compor mais de uma jurisdição, e dessa maneira, transcorrerem-se anos até que sequer a atividade de um assassino em série seja  identificada.

Nesse aspecto, reveste-se de ímpar relevância a atenção dos seguintes fatores para estabelecer uma ligação entre os casos: estabelecimento/detecção do método de ação do elemento desconhecido; as semelhanças na escolha e aproximação das vítimas, na utilização de armas e o modo de cometimento do delito aliado às interações sexuais ou sua ausência; aspectos temporais e geográficos dos locais dos crimes.

Denota-se nesse contexto, a importância do registro de pessoas desaparecidas e comunicação interestadual entre as agências policiais, com atualizações constantes em seus bancos de dados; obviamente, em situações nas quais estas diligências possam ser implementadas, uma vez que muitas vítimas em potencial como prostitutas, andarilhos, moradores de rua, por vezes, não têm sua ausência percebida, consistindo no que se denomina “cegueira de ligação”.

Outro aspecto digno de nota, é o fato de que os perpetradores, salvo exceções, não são facilmente identificados como suspeitos, de forma mais patente, aqueles que apresentam inteligência mais elevada, como no caso de assassinos definidos como organizados, dotados de características próprias, da mesma forma relevantes ao aplicador da lei. Deparamo-nos aqui, com a nomenclatura de “máscara de sanidade”, ou “camuflagem social”, característica intrínseca dos psicopatas, indivíduos por natureza manipuladores, que se alocam em meio à coletividade sem chamar atenção sobre sua pessoa, podendo assim, por implicação, diligenciar sua sobrevivência social.

A psiquiatria já definiu os psicopatas, ou sociopatas, como um aspecto intermediário no que tange às moléstias mentais, se encontrando na zona fronteiriça, não sendo, contudo, classificados como inimputáveis, salvo em casos nos quais o criminoso realmente não entende o caráter ilícito de sua conduta, não podendo, portanto, agir de acordo com tal cognição.

Em razão da complexidade humana, bem como pelos elementos definidores dos condutopatas, a confecção do perfil é um componente valioso na perquirição criminal, pois uma vez traçado, servirá de norte ao procedimento investigatório, não atuando, por óbvio, como um aspecto único ou um vetor absoluto, pois a investigação se desdobrará pautada em todas as evidências e elementos probantes colhidos nas cenas dos crimes e compilados via arquivos policias. Nesse viés específico, aponta-se a relevância do olhar psicológico sobre um caso, pelo fato de que muitos ângulos infrutíferos de uma investigação serão afastados, reduzindo a quantidade de suspeitos em potencial, fator extremamente produtivo para uma força tarefa que carece de tempo e recursos humanos.

A aplicação da técnica de traçar perfis, perfilamento ou profiling, apesar de ser utilizada há várias décadas, tanto na Europa quanto na América, tornou-se mais popular na década de 60, com pioneiros em sua aplicação mais concreta e contínua por uma nova safra de agentes do FBI. Cita-se o agente Howard Teten, discípulo do Dr. James Brussel, famoso psiquiatra de Nova York, pai da metodologia moderna na criação de perfis – autor da obra “Diário de Trabalho de Um Psiquiatra Criminalista”, publicada em 1968, após sua imprescindível participação no célebre caso do bombista louco, George Metesky – além de vários outros agentes de calibre. Teten, introduziu o estudo de casos sob o enfoque psicológico, ministrando aulas na academia do FBI.

Como se depreende da história do Bureau, apesar de seu famoso diretor J. Edgar Hoover (1895 -1972), ter sido um entusiasta na utilização das ciências aliadas à detecção de crimes, as abordagens psicológicas utilizadas pelos agentes nos anos finais de sua administração podem ser consideradas como, no mínimo, inócuas, carecendo de sofisticação e aprimoramento. Tal aspecto prático, seria colhido nos anos seguintes, através de uma série de entrevistas conduzidas com criminosos encarcerados, buscando por este método revestido de notável empirismo estatístico, uma composição mais substancial de conhecimentos acerca dos vários estágios/etapas da perpetração de crimes violentos e a psiquê daqueles que os cometem.

Tão inovador projeto, foi inicialmente levado a efeito pelos agentes especiais Robert Ressler, John Douglas – este último inclusive fonte inspiradora para personagens hollywoodianos, como o agente Jack Crowford na série de livros sobre Hannibal Lecter, de autoria de Thomas Harris – e a psiquiatra Ann Burgess, encarregada de compor o questionário proposto aos entrevistados; o trio, em parceria com Alen Burgess, no ano de 1991, seria responsável pela publicação do Manual de Classificação de Crimes do FBI, (Crime Classification Manual), utilizado no estágio de classificação/qualificação do criminoso. Cita-se ainda como protagonistas neste processo, os agentes especiais Pat Mullany, Dick Ault, e Roy Hazelwood, este último, grande especialista em crimes sexuais.

Durante o período de compilação de dados, foram entrevistados 36 assassinos condenados, responsáveis por um total de 118 mortes, resultando em uma melhor compreensão do iter criminis afeto aos delitos de ordem serial. Recentemente, a incursão foi retratada pela série original da NETFLIX, Mindhunter, popularizando ainda mais a temática. Àquele tempo, o mundo conhecia ainda a idealização da escala Hare de psicopatia – The Hare Psychopathy Checklist – criada pelo psicólogo canadense Robert Hare, estudo também valioso ao entendimento do comportamento violento e suas abordagens científicas.

Na América, o polo de estudos de casos envolvendo serial killers se localiza em Quântico, Virgínia, na Unidade de Análise Comportamental – The Behavioral Analysis Unit (BAU), atual Unidade de Apoio Investigativo, por muitos anos, comandada pelo agente especial John Douglas. Centro também da academia de treinamento dos agentes, o National Center for the Analysis of Violent Crime (NCAVC) - Centro Nacional de Análise de Crimes Violentos, é dividido em unidades de ciência comportamental englobando as áreas de contraterrorismo e contrainteligência, crimes contra crianças e adultos, crimes virtuais, de colarinho branco, ameaças e corrupção pública, uma vez que o perfilamento não é utilizado apenas em casos que gravitam em torno de crimes de homicídio, mas é aplicável a outras modalidades de comportamento criminoso.

O NCAVC é composto de agentes especiais supervisores e oficiais de polícia com ampla experiência prática e científica em psicologia, criminologia, sociologia e técnicas aplicadas de resolução de conflitos, analistas de cena de crime, entre outros representantes de inúmeros segmentos das ciências forenses. Desenvolvem estudos e avanços relativos aos estágios investigativos, pré-processual e judicial, pois uma multidisciplinaridade é fundamental quando se enverada por uma complexa e abrangente ciência. Dispondo de um programa de armazenamento de dados denominado VICAP, (Violent Criminal Apreehention Program)2 – sistema que opera relacionando as informações compiladas sobre casos em todo o país, podendo desta forma, compor um padrão entre crimes não solucionados – a unidade ministra cursos a vários segmentos policiais de todo o território nacional, inclusive do exterior, prestando consultoria sobre casos em aberto e arquivados.

Seus integrantes conduzem estudos analíticos sobre crimes violentos pautados em interpretações forenses (evidências físicas), comportamentais e investigativas, para atingir um melhor entendimento sobre a motivação dos transgressores, assim como promovendo uma projeção de delineamento quanto a prováveis ofensores. Acerca do papel da unidade investigativa comportamental, em seus vários segmentos, John Douglas3 em sua celebrada autobiografia, publicada após sua aposentadoria do Bureau, assim a descreve:
“In the Investigative Support Unit, which is part of the FBI´s National Center for the Analysis of Violent Crime at Quantico, we don´t catch criminals. Let me repeat that: we do not catch criminals. Local police catch criminals, and considering the incredible pressure they´re under, most of them do a pretty damn good job of it. What we try to do is assist local police in focusing their investigation, then suggest some proactive techniques that might help draw a criminal out”4
 
Nesse passo, no que tange à aplicação da significativa informação coletada nos vários anos de estudo, aliada a modernas técnicas de investigação, o FBI encontra-se um passo a frente de outras agências no quesito de investigações de ordem serial. Três são as principais definições que merecem relevo, quando da composição do perfilamento – vitimologia, MO (Modus Operandi) e assinatura – as quais serão contextualmente explanadas.

A vitimologia pode ser classificada como uma abordagem de estudo valiosa para se “aproximar” do criminoso, uma vez que por meio da vítima, muito pode se descobrir acerca de seu algoz. Trata-se, na verdade, de uma relação extremamente pessoal aquela do perpetrador e sua presa. Justifica-se tal assertiva pelo fato de que através desta análise, entender-se-ão (ao menos se suporá), os motivos pelos quais a vítima atraiu o olhar do assassino.

Características como faixa etária, gênero, grupo étnico, nível social, dinâmica comunitária, histórico pessoal, relacionamentos recentes e passados, grau de vulnerabilidade, são elementos aproveitáveis na tarefa de se presumir o nível de conhecimento entre vítima e perpetrador; assim como, por exemplo, sua compleição física, relacionado-a ao método utilizado para se desfazer do corpo e o local escolhido para aquele propósito. Como resultado, é possível deduzir com relativa tangibilidade “como” e “porquê” o elemento desconhecido escolheu determinada vítima, auxiliando na definição da tipologia do transgressor. Nas palavras de Dean Jacobs5:
 
"Criminal profiling utilizes data from the crime scene evidence and victimology —why this specific victim and not another? Besides the document, agents are encouraged to use good common sense, and their own unique investigative experiences. It all begins in the mind of the profiler with “what likely happened.” 6

O Modus Operandi, nada mais é do que a cadeia de eventos e a dinâmica utilizada para a realização do crime, os estágios ultrapassados desde o início do planejamento, cometimento do assassinato, até a disposição do cadáver. Imperioso reconhecê-lo como um processo mutável, tendo em vista que pode ser alterado na medida em que um assassino adquire mais experiência e refina seus métodos, ou ainda, na medida em que necessita alterá-los, dadas as peculiaridades de cada empresa criminosa.

O MO, muitas vezes é confundido com outro aspecto a ser identificado em um caso envolvendo crimes de ordem serial, a assinatura do criminoso. Seria, utilizando um exemplo prático, o padrão repetitivo de usar cortadores de vidro ou lançar mão de uma atuação e/ou ardil para adentrar uma residência. Inevitável lembrar de Ted Bundy, que simulava ferimentos se utilizando de um gesso falso envolto em seu braço, para conseguir a confiança de jovens estudantes em regiões de campus universitários, atraindo-as para seu funesto destino.

De forma diversa do modus operandi, a assinatura é única e, em tese, imutável, pois será o elemento mais importante no crime para o perpetrador. Por meio dela, sua fantasia será satisfeita, revelando uma necessidade relacionada à própria motivação primária do crime, envolta nos porões escuros de seu inconsciente, e que emerge nos momentos de tensão. O elemento desconhecido necessita passar por todas as fases de preparação, desde seu momento de resfriamento até a fase áurea e o efetivo cometimento do ato para alcançar o ápice de seu intento, descortinando um procedimento único pelo qual se objetiva materializar/estimular sua fantasia.
Cita-se como exemplo, tipos específicos de ferimentos, mutilações, amarras, encenações, fetiches, os quais serão reproduzidos em todos os eventos. Decerto, enquanto o MO seria o “como”, a assinatura seria o “porquê”. Tratando sobre a importância dessa diferenciação, Illana Casoy7, destaca:
 
“A “assinatura” é sempre única, como uma impressão digital, e está ligada à necessidade do serial em cometer o crime. Eles têm necessidade de expressar suas violentas fantasias, e quando atacar, cada crime terá sua expressão pessoal ou ritual particular baseado em suas fantasias. Simplesmente matar não satisfaz a necessidade do transgressor, e ele fica compelido a proceder a um ritual completamente individual. (...) Modus Operandi é erudito. É o que o criminoso faz para cometer o delito, e é dinâmico, pode mudar. “Assinatura” é o que o criminoso faz para se realizar, é o produto da sua fantasia, e é estático, não muda.”
 
Ressalta-se este último ponto como de vital importância, podendo livremente ser denominado como uma espécie de coroamento do crime, um estágio pelo qual perfilador concatenará uma percepção mais densa do perpetrador, pois, repise-se, deparar-se-á com a corporificação da motivação primeva do delito.

Ainda que o método de montagem de perfil psicológico do FBI seja, atualmente, o mais conhecido pelas citações cinematográficas, existem outras abordagens aplicáveis, como por exemplo, o método do psicólogo britânico David Canter, que compartimentaliza o processo em cinco fases específicas, conhecidas como: coerência interpessoal, importância da hora e local do crime, características criminais, carreira criminal e avaliação forense. Trata-se de método baseado no mapeamento mental do criminoso, confeccionado a partir dos padrões comportamentais analisados (evidências forenses).

Na sequência temática, outro método digno de nota é o engendrado pelo famoso estudioso de perfis, Brent Turvey, denominado Behavioural Evidence Analysis, ou Análise de Evidencias Comportamentais, dividido em: análise forense questionável/ambivalente, vitimologia, características da cena do crime, e características do transgressor. Diferente do raciocínio indutivo do FBI e de David Canter (análise estatística – premissas/conclusão), Turvey trabalha com o raciocínio dedutivo, iniciando sua análise a partir das probabilidades, em detrimento da apreciação de casos ou atos anteriores registrados.

Ainda que se vislumbre particularidades em cada abordagem, através de observação superficial identifica-se a similitude de aspectos em comum, gravitando em torno dos mesmos pontos chave registrados e interpretados. Sempre pertinente pontuar que as evidências de ordem física e os insights psicológicos precisam ser coligidos e processados de forma sistemática a fim de servir seu propósito, tal seja, adentrar na mente do transgressor, mapeando/projetando suas ações relativas ao antes, durante e após a transgressão.

Tecidas tais considerações, elencam-se algumas fases do processo de composição do perfil do elemento desconhecido observados pelo FBI. 1- Avaliação do ato criminoso 2- Avaliação e compreensão dos detalhes da cena ou cenas dos crimes; 3 - Análise da vítima ou vítimas (estudo vitimológico); 4- Avaliação dos relatórios policiais preliminares; 5 – Avaliação do laudo de necrópsia; 6- Desenvolvimento/confecção do perfil do ofensor com suas principais características; 7 – Criação/coaching de sugestões investigativas baseadas na composição do perfil.

Inicialmente, deve-se escrutinar toda a informação compilada referente ao caso, englobando as evidências forenses coletadas na cena do crime, interna ou externa, primária ou secundária, no cadáver, testemunhais se existirem, registros de crimes similares na região e a data de sua ocorrência, além do relatório de autópsia, contexto no qual se propiciará uma análise mais detalhada do método utilizado pelo perpetrador, bem como o conjunto de ferimentos infligidos, sua intenção e relevância na causa do óbito ou tortura.

Esse perfil de informações, quando associado em perspectiva, pode auxiliar o investigador a desenvolver um esboço da tipologia de transgressor em questão, aliado ao móbil do crime, vertente que pode se verificar problemática, considerando a extrema subjetividade da motivação correlata a crimes violentos, diferente de outras modalidades delituosas. Na sequência temática, a motivação para o ato desviante pode decorrer de uma propensão natural da vítima e sua interação com o criminoso, se eventual ou não, e os fatores determinantes dessa escolha. Agrupados tais dados, deflagra-se o “estágio de classificação”, pelo qual se determinará o tipo de agressor, etapa na qual este será agrupado basicamente em, “organizado”, “desorganizado” ou “misto”, ainda que as definições nunca sejam completamente dissociadas umas das outras.

A partir dessa observação, é possível, por exemplo, definir se o crime foi cometido por um predador sexual experiente de coeficiente intelectual mais alto e envolvendo planejamento, um crime de oportunidade, ou se traduziria a possibilidade de cometimento de delito por um assassino desorganizado. Nessa ordem de ideias, registra-se que cada concepção apresenta suas peculiaridades e consequentemente, diferentes abordagens investigativas. A fim de traçar uma perspectiva sobre tais explanações, Janire Rámila-8 disserta:
“Para encaixar um criminoso em uma das três categorias -assassino organizado, desorganizado ou misto -,a polícia analisa profundamente as chamadas quatro fases do crime. A primeira é a etapa que precede o crime, em que entram os antecedentes do transgressor, suas fantasias, os passos que deu até chegar ao momento do assassinato. A segunda compreende o crime em si: seleção da vítima, emprego da tortura ou não, estupro, modus operandi, assinatura...Na terceira é estudado o modo como o assassino tenta ou não ocultar o cadáver. E, na quarta, o que mais interessa é analisar o comportamento posterior ao ato. De acordo com sua atitude em cada uma dessas fases, o criminoso se encaixará em uma categoria específica.
 
Pondera-se por exemplo, que o cuidado e planejamento exercidos pelos assassinos organizados dificultam sua captura em razão da preocupação em não deixar evidências, uma vez que exercem absoluto controle tanto sobre vítima como em relação à cena do crime, revelada numa progressão traduzida por manipulação, dominação e controle, o que se denomina “consciência forense”. Em contrapartida, sabe-se que os criminosos desorganizados geralmente são transgressores de oportunidade, de inteligência mediana ou inferior que, sexualmente incompetentes, na maioria das vezes qualquer manifestação deste gênero é executada post mortem, ou satisfeita por autoerotismo praticado no local do crime.

Diante desse quadro, indaga-se: Se alguém detém a agudez de pensamento a fim de apagar os vestígios deixados pelo contato – vítima e cena do crime – em corporificação do princípio de Locard -9 bem como se evadir de eventual apreensão, poderia ser o elemento qualificado como legalmente insano? A pergunta ecoa sem resposta satisfatória. Nesse espeque, robustece-se a percepção de que os assassinos organizados poderiam se adequar à definição de psicopatas, enquanto os desorganizados, em alguma parcela, seriam qualificados como transgressores psicóticos, não raro, clinicamente e legalmente insanos.

No direito brasileiro, a noção de imputabilidade ou semi-imputabilidade, reflete o critério biopsicológico normativo, o que implica dizer que não é suficiente o agente padecer de alguma enfermidade mental – sendo a condutopatia, frieza de emoções e distanciamento dissociativo empático, uma anomalia psíquica – faz-se mister, demonstrar por meio de produção de prova pericial, que o transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato, requisito de ordem intelectual, e a determinação segundo esse entendimento – requisito volitivo – no momento da ação criminosa. À sombra dessa ideia, atentemo-nos ao seguinte precedente emanado da Corte Superior:

“EMENTA - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.331.087 - GO (2018/0179496-1) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS AGRAVADO : TIAGO HENRIQUE GOMES DA ROCHA ADVOGADOS : ANTÔNIO MAURÍCIO FERREIRA DIAS - GO013562 DICKSON RODRIGUES DE SOUZA - GO023837 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. OMISSÃO REITERADA. IMPROCEDÊNCIA. ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE OSTENTA FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. VIOLAÇÃO DO ART. 59 DO CP. SUPOSTA ILEGALIDADE NA EXCLUSÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE DO RÉU. PROCEDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA NA SENTENÇA PARA A VALORAÇÃO NEGATIVA DO REFERIDO VETOR. RESTABELECIMENTO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. Agravo conhecido para dar parcial provimento ao recurso especial, nos moldes do dispositivo. DECISÃO: Ministério Público de Goiás interpôs recurso especial, fundado no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdãos do Tribunal de Justiça local, proferidos no julgamento da Apelação Criminal n. 127007-68.2015.8.09.0051 e dos Embargos de Declaração na Apelação Criminal n. 127007-68.2015.8.09.0051, assim ementados (fls. 515 e 534): APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA. REDUÇÃO DA PENA. (…) Em que pese a Corte de origem tenha considerado que tal condição seria patológica e, em razão disso, não poderia ensejar o agravamento da pena, o que se verifica é que foi diagnosticado um Transtorno de Personalidade Antissocial que, embora seja catalogado na Classificação Internacional de Doenças (CID), não caracteriza doença mental, ou seja, não afeta o pleno entendimento do caráter ilícito dos atos, nem a autodeterminação do autor do delito (fl. 392): [...] estamos diante de um caso de Transtorno de Personalidade Antissocial (CID-10: M0.2) de acordo com a Classificação Internacional de Doenças - 10ª Revisão, outrora denominado por Psicopata. Fica claro e marcante nos crimes a premeditação do intuito, escolhe as vítimas a esmo e sem motivações aparentes já que não há um perfil totalmente definido. Ou seja, os crimes ocorrem por vontade própria, sem a influência de nenhuma doença mental. Com relação à característica da personalidade, é comum nos indivíduos portadores de terem tendência homicida nos casos mais graves. No entanto, não podemos inferir que isto seja a razão ou justificativa para o acometimento dos delitos do qual é acusado. A Psiquiatria Forense baseia-se no critério biopsicológico, em que não basta ser doente, possuir uma perturbação da saúde mental ou alterações no desenvolvimento mental para atribuirmos as condições de imputabilidade. Devemos levar em conta o nexo de causalidade entre as condições médicas apresentadas e o cometimento dos delitos. Segundo a literatura médica (Taborda; Cardoso; Morana, 2000) os delitos cometidos por pessoas com Transtorno de Personalidade, nos que se verifica pleno entendimento do caráter ilícito dos atos e conduta orientada por esse entendimento (premeditação, escolha de ocasião propícia para os atos ilícitos, deliberação consciente e conduta sistemática) devem ser consideradas imputáveis. […] Ante o exposto, conheço do agravo para dar parcial provimento ao recurso especial, a fim de restabelecer a valoração negativa do vetor personalidade no cálculo da pena-base e redimensionando a pena imposta ao réu, ora agravado, para 14 anos e 6 meses de reclusão, mantido o regime inicial fechado (Ação Penal n. 201501270073, 2º Tribunal do Júri de Goiânia/GO). Publique-se. Brasília, 06 de agosto de 2018. Ministro Sebastião Reis Júnior Relator (Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 09/08/2018)” (grifo nosso)

De posse da diagramação do crime, a disposição do cadáver no local de descoberta, o analista, que poderá ser o próprio agente policial ou um especialista consultor, reconstruirá a cadeia sequencial de eventos relativos ao assassínio, levando em conta as denominações e informações anteriormente descritas, (perfil vitimológico, modus operandi e assinatura) balizados com as evidências forenses, presumindo assim, os atos do perpetrador no momento cometimento do delito, ao levar em conta seu possível estado anímico (desorientado, eufórico, depressivo, delirante), aferindo neste prisma, até mesmo suas ações pós-delito, que de forma similar, podem ser apontadas como relevantes no curso da investigação.

Findos estes estágios, o investigador irá compor o perfil do elemento desconhecido, que pode conter sua raça, idade aproximada, nível de inteligência, predisposições a determinados tipos de doença, (em caso onde se coleta material genético do elemento desconhecido na cena do crime), compleição física, possível tipo de veículo, moradia, existência de eventual registro policial, personalidade social, ocupação, habilidades específicas (como treinamento médico, militar, entre outros). Nas palavras de John Douglas10:
 
“This includes not only coming up whith profiles of UNSUB´s, but also proactive techiniques for catching them, evaluation of case linkages, and then interrogation and prosecutorial strategies once an offender has been identified.”11
 
É possível ainda, cogitar a localização aproximada de moradia do transgressor, com base na localização e geografia dos locais onde as vítimas foram abduzidas e posteriormente foram encontrados os cadáveres, e o raio de atuação do elemento desconhecido. Sabe-se que percentual de predadores sexuais habita uma área não muito distante dos locais de cometimento dos crimes.

As etapas seguintes são aquelas pelas quais serão executadas as recomendações elaboradas no perfil confeccionado, seja na investigação, ou em fase posterior no momento da prisão e julgamento. Acerca da composição do perfil aliado às evidências registradas na investigação, Paul Roland12 utilizando-se de sua sempre hábil técnica dissertativa, assim sustenta:
“A técnica de traçar perfis vai muito além de entender as bases da psicologia criminal. Mesmo o mais proeminente psicólogo pode desencaminhar inadvertidamente uma investigação, se não tiver suficiente experiência na aplicação da lei para colocar as evidências no contexto. (...) Há muito mais em traçar um perfil criminal do que fornecer a polícia um esboço da personalidade do perpetrador. Além disso, mesmo o perfil mais apurado tem suas limitações, particularmente quando há vários suspeitos que se encaixariam no perfil. Em tais casos – quando o fio da meada está longe de ser encontrado -, a criação de perfis tem sido utilizada para delinear estratégias para fazer com que o criminoso seja conhecido. É o que a investigação criminal chama de “proativo”.
 
Por método proativo, entende-se uma interação entre elemento desconhecido e as autoridades policiais. Não raro, uma abordagem dirigida a atrair o criminoso das sombras, seja através da mídia, ou por meio de algum recurso indireto, pode induzi-lo a cometer um erro, culminando em sua apreensão, tal como se reflete no caso do assassino BTK, Dennis Rader, aprisionado em  2005. 

Em razão da grande quantidade de informações registradas em um caso a serem processadas pelo investigador, é recomendado que se trace uma divisão dos dados compilados, consistindo nas fotos de cenas de crimes e suas respectivas anotações e impressões, dados biográficos das vítimas, a fim de se propiciar uma reconstrução precisa da cronologia dos crimes e o rumo da investigação até determinado momento, sendo tal gerenciamento de dados, indissociável à prática investigativa, não apenas em casos envolvendo crimes de ordem serial.

Tocantemente à atuação do perfilamento, sua abrangência e efetividade no curso da investigação e do processamento criminal, de forma esclarecedora, alguns aspectos epistemológicos são tratados por Tânia Mara Volpe Miele 13:
"A abordagem ideográfica refere-se ao estudo do concreto, examinando indivíduos e as suas características atuais/reais. Este tipo de estudo debruça-se sobre casos específicos e sobre as características e comportamentos únicos e particulares dos indivíduos. Um perfil ideográfico é aquele que resulta da análise de um caso no qual são conhecidos factos concretos; representa um ofensor que existe na realidade e que se baseia na análise de factos concretos, reais. A abordagem nomotética refere-se ao estudo do abstrato através da análise de grupos e de leis universais. Os estudos nomotéticos são muito úteis quando se pretende definir um grupo como um todo, solucionar problemas de grupo ou como ponto de partida na teorização inicial de casos.  Existem quatro grandes abordagens de índole nomotética no Profiling Criminal: Profiling Geográfico (desenvolvida por KIM ROSSMO), cujo tipo de investigação baseia-se em conceitos da criminologia ambiental e emprega a localização de uma série de crimes na determinação da área mais provável de residência do ofensor); Psicologia Investigativa, cuja abordagem incide sobre o estudo dos aspectos psicológicos do comportamento criminoso que podem ser relevantes para as investigações criminais e civis. A psicologia investigativa preocupa-se com toda a psicologia relacionada com a gestão, investigação e acusação do crime; Análise da Investigação do Crime(corresponde ao método do FBI, a tipologia organizado/desorganizado. O FBI define a sua abordagem como um processo investigativo que identifica as principais características do ofensor com base nas características dos crimes que este cometeu); Avaliação Diagnóstica (é uma abordagem clínica ao Profiling Criminal em que, principalmente, a psiquiatria clínica e/ou forense e a psicologia são utilizadas para determinar se o agressor sofre de doença mental e/ou de anomalia psíquica e para emitir pareceres, dentro destes parâmetros, sobre os ofensores, locais do crimes e vítimas).”

Diante desse quadro, é fundamental a constante comunicação interdepartamental, materializada através do compartilhamento de boletins, conferências e a determinação de forças-tarefa visando a definição de tópicos chave e direcionamentos investigativos, bem como a aferição de eventual necessidade de aumento de recursos. Repousa, no entanto, sobre qualquer agência da lei, a dificuldade de somar recursos humanos, físicos e financeiros, a fim de se efetivar tais diretivas.

Desta maneira, se aproveita de forma mais eficaz a interpretação e interligação das pistas catalogadas, que podem até alcançar um montante considerável, em especial, nos casos que se prolongam por um considerável lapso temporal. O domínio no conhecimento do criminoso alvo da persecução criminal, é útil também na escolha do método de interrogatório a ser empreendido na esfera policial e judicial colhendo-se provas mais substanciais – ou até mesmo, uma confissão - pois a partir da técnica adequada de inquirição, muitas vezes, pode-se desmascarar o lobo dentro da pele de cordeiro, diante de um júri.

Popularmente citado como case study, no julgamento de Wayne Willians, o assassino de crianças de Atlanta (1982), o promotor distrital adjunto, Jack Mallard, aconselhado pelo FBI, invadiu o espaço corporal do réu após várias horas de interrogatório exaustivo, tocando-o e inquirindo diretamente se ele havia entrado em pânico ao matar as crianças, para o que, recebeu uma resposta quase que involuntária. Utilizando-se de uma antítese à técnica isomórfica ou de "espelhamento", pela qual se objetiva criar uma laço de empatia com o interlocutor, num exemplo clássico de linguagem hipnótica, o promotor distrital, ao revés, causou um desconforto que em cotejo à tática de confrontação, fez com que o réu se traísse.

Àquela época, não se noticiava ou escrevia sobre aspectos graficamente violentos de crimes, especialmente os de natureza serial, ao passo que as pessoas, mormente o júri do caso em questão, não podiam vislumbrar que atos demasiado atrozes poderiam ser cometidos por alguém de aparência frágil e inofensiva. A resposta à pergunta realizada pela acusação e o conseguinte estado de ira do acusado, revelaram uma face até então desconhecida pelo corpo de jurados, revertendo o resultado de um julgamento quase perdido, pela aplicação da psicologia e o conhecimento, ainda em seu nascedouro, sobre a mente dos personagens atuantes em delitos violentos.

Lançando um olhar prático sobre o tema em escrutínio, salutar a transcrição do perfil composto por Robert Ressler, para o assassino de Terry Wallin, grávida, de 22 anos de idade em janeiro de 1978, perpetrado por meio de mutilações, em uma cena de crime altamente desorganizada, supondo se tratar de um delinquente psicótico, perfilamento pertinente na investigação que levaria à apreensão de Richard Trenton Chase, o Vampiro de Sacramento:
Em seu livro de 1992, Whoever Fights Monsters (Aquele que Luta com Monstro), Ressler explica o raciocínio por trás dessa descrição. Ele supôs que o assassino, tal como a vítima era branco porque o homicídio em série é geralmente intrarracial – isto é, um crime envolvendo membros da mesma etnia. Ressler também sabia que assassinatos sádicos brutais – dos quais os homicídios de Wallin era um exemplo particularmente aterrador – são quase sempre cometidos por homens na casa dos vinte ou trinta anos.
O profiler restringiu a idade presumida do suspeito para a faixa de 25 a 27 anos porque a extrema brutalidade do assassinato sugeria que o autor estava em um estágio avançado de psicose. (A sra. Wallin tinha sido parcialmente estripada, sua boca fora enchida de fezes animais e um copo de iogurte encontrado perto do cadáver dicava claramente que o agressor o usara para beber um pouco do sangue da vítima...) “Ficar louco como o homem que despedaçou o corpo de Terry Wallin não é algo que acontece da noite para o dia”, explica Ressler em seu livro. “Leva-se de oito a dez anos para desenvolver o nível profundo de psicose que vem à tona nesse aparentemente irracional de assassinato. A esquizofrenia paranoide normalmente se manifesta pela primeira vez na adolescência. Supondo que a doença tenha sido por volta dos quinze anos, e somando dez anos a essa estimativa, temos um indivíduo na faixa etária de 25-27 anos”. O restante do perfil de Ressler derivava logicamente da inferência de que o assassino sofria de um quadro violento de psicose:  Por exemplo, em janeiro de 1978, quando Terry Wallin, de 22 anos, grávida de três meses, foi encontrada morta e terrivelmente mutilada na sua casa em Sacramento, Robert Ressler elaborou o seguinte perfil preliminar, com base nas informações sobre o crime enviadas para ele via teletipo: Homem branco, 25-27 anos, magro, de aparência desnutrida. Residência suja e malcuidada, local onde as provas do crime serão encontradas. Histórico de doença mental, possivelmente já esteve envolvido com drogas. Tipo solitário que não tem convívio com homens ou mulheres, e que deve passar a maior parte do tempo em casa, onde mora sozinho. Desempregado. Provavelmente recebe algum tipo de pensão por invalidez. Caso resida com alguém, será com os pais; mas isso é improvável. Nenhum registro militar prévio; abandonou a escola ou a faculdade. Talvez sofra de uma ou mais formas de psicose paranóica." 14
 
O método utilizado pelo FBI, ainda que extremamente popular, é constantemente alvo de críticas por diversos segmentos de estudiosos e aplicadores da lei, ao argumento de que muitas das informações coletadas pelas entrevistas com criminosos encarcerados, não seriam válidas, dada a propensão natural dos psicopatas para a manipulação patológica, delírios de grandeza e mitomania.

No entanto, o que se percebe pela experiência no estudo de tais ocorrências criminosas, é o fato de que os transgressores frequentemente anseiam por uma plateia interessada, especialmente membros das forças aplicadoras da lei, pois é cediço que substancial parcela dos serial killers, em algum ponto de sua vida, nutriram fantasias sobre a carreira policial e consequente status de poder a ela correlatos.

Outro ponto passível de invectivas, são as constantes atualizações das classificações de crimes, comumente definidas como desnecessárias, dada sua semelhança a conceitos já existentes, ou ainda, deficiências relacionadas à principal divisão de assassinos em série, os organizados e desorganizados. Ponderando acerca das aludidas impressões, Michael Newton15, comenta:
“Exceto pelo clamor por créditos, os “especialistas” de estilo próprio em assassinato serial gastam muito de seu tempo debatendo as definições adequadas e não progridem mais em direção ao entendimento desse fenômeno terrível. (...) Um exemplo básico da taxonomia refinada do FBI até o ponto de caos inadvertido, o termo atividade de assassinato desnecessariamente complica uma classificação de homicídios múltiplos. De acordo com o Manual de Classificação de Crimes do FBI (1991), existem seis tipos de assassinato: único, duplo, triplo, em massa, atividade e serial. Os primeiros três são auto-explicativos, baseados no números de vítimas assassinadas de uma vez e no mesmo local, enquanto ‘ASSASSINATO EM MASSA”, envolve a morte de quatro vítimas ou mais. ‘ASSASSINATO SERIAL” logicamente envolve o assassinato de vítimas sucessivas durante um período de tempo – isto é, em série-, mas os agentes de divulgação do FBI não puderam resistir a acrescentar uma sexta categoria, que permanece o tópico de um debate sem fim”.

À obviedade, ainda que as críticas não sejam em sua totalidade desprovidas de pertinência, são inquestionáveis os progressos atingidos nas últimas décadas com a sistemática aplicação da psicologia criminal nas investigações de todo o gênero, seja envolvendo crimes seriais, investigações de células terroristas, negociação envolvendo reféns, entre outros.

Todavia, imprescindível reiterar a ideia de que, mesmo produzido a partir de verossímeis informações, cujo valor aplicável já foi provado, o perfil criminal não é um vetor absoluto, ou uma fórmula constante como nas ciências exatas. Tal proposição apoiada pelo fato de que o indivíduo, como ser complexo, responde de formas diversas à situações semelhantes, podendo o método de análise apresentar imprecisões mesmo quando composto por investigadores experientes, e consequentemente, desviar de forma considerável o rumo de uma investigação. Reforça-se nesse espaço de reflexão, que o perfilamento não é qualificado como evidência, mas, tão somente, uma abordagem diretiva na condução e integração das evidências físicas, num processo de otimização do curso investigativo.

Quando se descortina um cenário no qual o suspeito é facilmente identificado por outras técnicas de ciência forense após o processamento da cena do crime e trabalho policial, o olhar psicológico robustecerá sua valia no curso da ação penal, ou mesmo nas suas implicações cíveis, eis que esferas distintas, consoante já sedimentado por iterativo entendimento jurisprudencial nacional e alienígena.

Em muitos casos, simplesmente não existem fatos suficientes para se avançar, sendo os transgressores, não raro, apreendidos por fatores alheios à estratégia investigativa desenvolvida, como em casos de perturbação da ordem, exposição pública, infrações de trânsito, etc. Em outras palavras, por puro acaso.

Em tom de conclusão, no contexto atual, inviável dissociar a psicologia da moderna investigação criminal, assim como a utilização da análise de impressão de DNA (Deoxyribonucleic acid), aplicações negligenciadas ou desconhecidas em idos tempos, mas uma arma inseparável aos agentes da lei na contemporaneidade, mormente em um mundo incerto que exige certeza, se é que os conceitos de certeza ou verdade real, não se perdem em meios às versões.



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www.crimelibrary.com
www.serilakiller.com.br
www.davidcanter.com
www.johndouglasmindhunter.com


NOTAS DE RODAPÉ

1- termo comumente atribuído a Robert Ressler, contudo, se tem notícia de sua utilização (homicida em série), bem antes da concepção do celebrado ex-agente.
2- Banco de dados similar ao VICLAS (Violent crime linkage analysis system), canadense.
3- DOUGLAS, John. OLSHAKER, Mark Mindhunter. Inside the FBI Elite Serial Crime Unit. Heinemann; london. 1995.


4- Na Unidade de Apoio Investigativo, a qual é parte do Centro Nacional de Análise de Crimes Violentos, do FBI em Quantico, nós não prendemos criminosos. Deixe-me repetir isso: Nós não prendemos criminosos. A polícia local prende criminosos, e considerando a incrível pressão a qual estão submetidos, a maioria deles faz um trabalho muito bom. O que nós tentamos fazer é prestar assistência à polícia local a focar sua investigação, e então sugerir algumas técnicas proativas que podem ajudar a identificar um criminoso”
5 - JACOBS. Dean. ANALYZING CRIMINAL MINDS. Forensic Investigative Science for the 21st Century. PRAEGER. An Imprint of ABC-Clio, LLC. 2011.
6 - "Perfilamento criminal utiliza dados das evidências da cena do crime e vitimologia - Por que essa vítima específica e não outra? - Além de documentar, agentes são encorajados a usar o senso comum, e suas próprias experiências investigativas. Tudo começa na mente do perfilador com "o que provavelmente aconteceu".
7 - CASOY, Ilana. Serial Killer, Louco ou Cruel?. 2ª edição. São Paulo: WVC Editora, 2002, pag. 48.
8 - RÁMILA, Janire. Predadores Humanos. O Obscuro Universo Dos Assassinos Em Série. São Paulo: Editora Madras. 2012. pag. 63.


9 - Edmond Locard, (1877 -1966), considerado o pai da ciência forense, cunhou o termo "todo contado, deixa um vestígio".
10- DOUGLAS, John. OLSHAKER, Mark. Obsession. Pocket Books – division of Simon and Shuster inc. 1998, pag. 24.
11-“Isso inclui não apenas confeccionar perfil de elementos desconhecidos, mas também técnicas proativas para pegá-los, avaliação de elementos de conexão entre casos, bem como estratégias de interrogatório e processamento, uma vez que um transgressor foi identificado.”
12-Por Dentro das mentes Assassinas. São Paulo: Editora Madras, 2008. pags. 135/137.


13 - Entenda o Profiling Criminal e o Papel do Profiler. Disponível em http://www.justificando.com/2015/10/15/entenda-o-profiling-criminal-e-o-papel-do-profiler/
14- SCHECHTER, Harold. Serial killers. Anatomia do Mal. Entre na Mente dos Psicopatas. Darkside crime Scene. 2003 pag 402.
15- Enciclopédia de Serial Killers. São Paulo: Editora Madras, pags. 49/51.
Marcus Hemerly
Enviado por Marcus Hemerly em 20/11/2018
Reeditado em 09/04/2021
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