SOBRE PENDEM ESTRANHOS FRUTOS...
Nenhum poema ou texto meu teve o impacto desse que nomeia este artigo, atingi um número de leituras assustador, pois há obras que há meses lutam para atingir o que ele atingiu em 1 dia! Mas isso é de somenos, o que é assustador é o modo com que concebi esse poema.
Tem sido comum inspirar-me em melodias para compor poemas, geralmente em inglês, idioma que meus ouvidos recusam-se em reter, mas no qual possuo leitura razoável, evito, portanto ler as letras, para que minha interpretação da música seja totalmente pessoal.
Ouvi "Strange Fruit" interpretada por Siouxsie & The Banshees e lembrei-me de um pesadelo, no qual remava uma canoa num rio pantanoso e coberto de névoa, em dado momento, deparava-me com enforcados pendurados nos galhos de uma árvore - sim, aterrador !
Em minha infância sofri um tipo de depressão chamado "temores noturnos", tinha pavor pelo escuro, pela noite, pela quietude da noite. Não era tido como doença, mas frouxidão... tive de curtir sozinho esses medos. Houve desdobramentos, na idade adulta os temores transpuseram-se para pesadelos, era comum acordar gritando ou com o coração saltando pela boca. Fiz 4 anos de psicoterapia para ver se conseguia vencer isso e consegui, desenvolvi um mecanismo, durante o pesadelo o córtex mantém-se atento, caso sonhe com algo ruim, ele entra em ação e torna o pesadelo uma piada, geralmente acordo rindo.
Era sobre isso que pretendia discutir com meu poema e até expliquei isso à poetisa Cristina Gaspar, que estranhou a classificação do poema como humor.
Então, o poeta Elígio Moura indagou-me por email se o poema era uma alusão ao poema Strange Fruit, de Abel Meerepol. Não ERA mas passou a ser ! Ao pesquisar, descobri que o poema era a letra da música que me inspirou e que também essa era uma versão cover do maior sucesso gravado por Billie Holiday !
Eis o poema do norte-americano, escrito em 1936:
STRANGE FRUIT
As árvores do Sul estão carregadas com seu estranho fruto,
Sangue nas folhas e sangue na raiz.
Um corpo negro balançando na brisa sulista.
Um estranho fruto pendurado nos álamos.
Uma cena pastoral no galante Sul,
Os olhos esbugalhados e a boca torcida.
Perfume de magnólia doce e fresca.
Então o repentino cheiro de carne queimada !
Aqui está o fruto para os corvos arrancarem,
Para a chuva recolher, para o vento sugar,
Para o sol apodrecer, para as árvores fazerem cair,
Aqui está uma estranha e amarga colheita ...
Poema dramático, sobre linchamentos de negros no Sul dos EUA no início do século XX...
A questão mais intrigante dessa minha "experiência", digamos assim, é que em meu poema o ambiente criado é exatamente o de regiões pantanosas dos EUA, que tanto vi em filmes, que os enforcados eram negros e estavam queimados, eu os "vi", mas achei melhor não descrevê-los, era tétrico demais !
Graças ao poeta Elígio Moura e à poeta Cristina Gaspar tive uma pequena aula de história da humanidade, definitivamente esse não é um poema de humor, aceito sugestões para reclassificá-lo.