Quando a ameaça vem de dentro

As pessoas te medo – e com razão – de muitas coisas. São as ameaças físicas, assaltos, seqüestros, doenças, acidentes, balas perdidas, desemprego, injustiça, etc. Outros temem os perigos metafísicos, como inferno, maus espíritos, feitiços, encostos e coisas do gênero. A vida moderna, por suas características de velocidade e pluralismo vem colocando o ser humano constantemente em xeque, causando angústias, depressões e todo tipo de ansiedade, provocando sensações de frustração e náusea, causadoras, não-raro, de atitudes extremas, capazes de levar ao suicídio.

Os grandes pensadores, intelectuais e religiosos sempre aconselharam as pessoas a buscarem dentro de si a solução, as pistas do autodomínio, bem como o conhecimento de si próprio. O Sócrates († 399), o fundador da filosofia moral afirmou gnôti s´eauton (“Conhece-te a ti mesmo”), como um caminho para o homem, antes de conhecer as ciências e o mundo, conhecer-se a si próprio. Depois, Sêneca († 65 d.C) ensinou si vis magno império habere, impera tibi! (“Se queres ter um grande império, impera sobre ti mesmo”).

Santo Agostinho, sobre esse dualismo do coração humano, adverte que dentro de nós habita um santo e um bandido. Quando um discípulo escutou o mestre dizer que dentro dele havia dois cães ferozes em luta, o bem e o mal, perguntou: “Mestre, e quem vai vencer?”. O sábio disse: “Aquele a quem eu alimentar”. Deste modo é urgente que se consiga distinguir as ameaças que brotam a partir de nosso interior.

Contam que um ermitão reclamava que tinha muito a fazer. Perguntaram-lhe como era possível, naquela solidão, ter tanto trabalho. Ele informou que tinha que domar dois falcões, treinar duas águias, manter quietos dois coelhos, vigiar uma serpente, carregar um burro e sujeitar um leão. O interlocutor ficou curioso, pois não havia nenhum daqueles animais naquela região. O religioso afirmou que aqueles animais estão dentro de cada um de nós.

Os dois falcões se lançam sobre tudo o que aparece, seja bom ou mau. Tenho que domá-los para que só se fixem sobre uma boa presa. São meus olhos.

As duas águias ferem e destroçam com suas garras. Tenho que treiná-las para que sejam úteis e ajudem sem ferir. São minhas mãos.

Os dois coelhos querem ir onde lhes agrada, fugindo dos demais e esquivando-se das dificuldades. Tenho que ensiná-los a ficarem quietos mesmo que seja penoso, problemático ou desagradável. São meus pés.

A serpente É o animal mais difícil de vigiar, apesar de estar presa em uma jaula de trinta e duas barras. Está sempre pronta para morder e envenenar os que a rodeiam, mas se abre a jaula. Se não a vigio de perto causa danos. É minha língua.

O burro é muito teimoso e obstinado. Não quer cumprir com suas obrigações. Alega estar sempre cansado e se recusa a transportar a carga de cada dia. É meu corpo.

O leão é preciso ser domado a cada dia. Quer ser o rei, o mais importante. É vaidoso e orgulhoso. É meu coração.

O eremita concluiu dizendo: “Portanto, há muito que fazer”.

O autor é Doutor em Teologia Moral

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 12/09/2007
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