A moral do escravo
Há algum tempo atrás, fui honrado com o convite de uma grande universidade, para integrar uma banca de professores que iria avaliar algumas monografias referentes a um mestrado em Ciência Política. Dentre os excelentes trabalhos apresentados, chamou-se a especial atenção um deles, desenvolvido por uma aluna, no qual ela fez uma dissertação, crítico-analítica sobre uma importante teoria social de F.W.NIETZSCHE († 1900), a chamada “Moral do Escravo”.
Eu li o “Also Sprach Zaratustra” (1884) e “Genealogia da Moral” (1886), na década de setenta e, por falta de tempo (ou de interesse), deixei o resto para depois, inclusive o importante “A Gaia Ciência”, especialmente seu quinto tomo “Para além do bem e do mal” de onde a danada da mulherzinha foi tirar os ditirambos para sua tese de mestrado. A chamada moral do escravo é uma atitude psicossocial de convergência, em que “...o sistema vigente, seja ele político, social, econômico ou religioso, domestica o homem, conformando-o a suas normas...”, segundo a autora. Nesse aspecto, as estruturas resguardam-se, controlando consciências, estabelecendo ideologias adequadas às suas práxis de sustentação, convencendo os oprimidos que eles estão “numa boa”, e se não fosse o sistema, estariam na “rua da amargura”. Assim foram Stalin, Hitler e outros menos votados.
Nessa teoria do filósofo alemão, o sistema moral investe contra a passividade, o senso de dever no controle das emoções, a partir da aceitação da autoridade, da tradição e da hierarquia. A moral do escravo é um tipo de pensamento que valida o status-quo, gerando um medo pânico às mudanças e às transformações sociopolíticas. Nesse aspecto, a “moral do escravo” surge como uma perversão, quando os mais fracos querem atribuir valor à covardia e ao imobilismo.
Nietzsche tinha um endereço certo ao formular essas construções: os protestantes, luteranos e calvinistas do século XIX, que pregavam a “lei do rebanho”, num gesto de submissa acomodação. Max Weber, embora egresso, também foi contra essa submissão. Dei “dez com louvor” à mestranda, no que fui seguido pelos outros dois professores.
A moral do escravo, concluo, é um tipo de “lavagem cerebral” que o sistema realiza na massa atrasada, a fim de anestesiá-la, para que lucro seja privatizado e o prejuízo - honrosamente - socializado.
A Europa protestante legou ao mundo, e em especial à América esse espírito de conformismo, que é visto até hoje em nossas colônias, onde o neto de imigrantes jamais é oposição, mas sempre apóia o “cavalo do comissário”.
Não sei como os fautores dessa ideologia resistem aos argumentos de Ortega y Gasset, que afirma que “o homem é ele, mais suas circunstâncias”, ou seja, tudo aquilo que caracteriza, física e metafisicamente sua existência.
O autor é Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral