Existem coisas que não Existem
- Talento?! Ei?!
- Talento onde você está?
Alguém clama por ele, mas onde será que está? Não adianta chamar, está tão longe que logo a primeira ameaça se vai. Ninguém fala, ninguém admite, ninguém conta a verdade, mas ele está em extinção. Vão-se os longínquos dias em que ele era encontrado por aí, vagando nas ruas, simpático e formoso, alegre e sorridente, a cumprimentar quem cruzasse o seu caminho, a prosear sem ver passar as horas... Era assim o talento!
No entanto, hoje em dia o vemos ao mesmo tempo que algo sujo, podre e ignorante, tomando a forma de algo tão inatingível, bem lapidado e delicado, ornado em milhões sei lá de que moeda.
Dizem que não há nada como antigamente, e em certos pontos devemos acreditar, pois esse tal de talento era tão mais conservado, mais valorizado que dava gosto vê-lo. Era valorizado porue era raro, assim como tudo que tem valor é raro, e vice-versa. A sua maior característica, o ponto forte de quem o possuía estava nos artistas, fossem eles circenses, cênicos, literários, enfim, qual fosse a posição eram estes os portadores, quem carregavam a chama pra acender um mundo novo, pra melhorar a vida dos exclusos, eram quase Deuses. Até que expansões foram bem vindas, e também malditas pra tudo, perdendo o valor, o fazendo não mais raridade, ele virou ditado, foi popularizado: se alguem é bom em informática, tem talento! Se é bom em culinária tem talento! E devemos sim agradecer por que excluídos foram presenteados... Como se uma leve e breve nomeação, um adjetivo a mais fosse valioso presente... mas o que ele seria exatamente? Provindo da palavra Dom, significa vocação para fazer algo, seja este adquirido ao longo da prática, ou ao nascer do portador. Mas aí, a coisa foi crescendo, junto com este mundo imundo, mudando. Evoluindo e regredindo, ficando imunda como o mundo, ele passou da arte para quase tudo, sua intensidade para ser considerada é bem menor, BEM MENOS INTENSA! Atualmente se compra talento, há vitrines repletas de talento pra dar e vender, o dinheiro o compra facilmente. Em qualquer curso, qualquer estação se obtém, e o pior é que é tão barato, e tão dispersivo que até o seu primórdio, sua mãe, a arte se deixou contaminar pelo talento artificial. ela ficou tão moderno, cresceu de tal forma que tudo agora é arte, tudo é talentodo, tem um porquê! Mas o que quem não faz não sabe é quem nem sempre para se fazer arte é necessário o porquê, uma explicação! Basta o querer, o internamente, intelectualmente precisar! Isso basta, porque se não tratado, não colocado na alma com sabor, frustra, angustia, mata! Para quem depende da arte pra viver este é o principal motivo: $$$lucro, lucro, lucro$$$, o "Pão nosso de cada dia" na ceia que não chega a ser santa, mas é tão abençoada!
E já que ele ficou tão popular, tão inútil e entretanto tão necessário, porque as pessoas ao realizarem as pequenas e cotidianas obras de sua vida, não o empregam para maior êxito? O Talento morreu, entrou em coma, paradas cardíacas foraminevitáveis, ele mesmo conta, nos conta todos os dias (mesmo morto) que sente um suor frio a cada ato ilícito que vê, uma pontada no miocárdio o fustiga. As pernas ficam bambas, e ele grita, mas ninguém o ouve. 'Cada um precisa ganhar o seu pão de cada dia, não é mesmo?' E isso inclui deixá-lo para trás, ou se for para preservá-lo, a experiência não adinta não. Tem que ter certificado, tem que ter cursos, tem que papelada meu senhor! tem ter "DR." na frente do nome pra ser alguém... E mesmo assim nada mais é feito na alma, nada mais brota do íntimo, com legítima vonrade, a única vontade que se tem é de ver tudo acabdo logo, de ver pronto para poder cumprir objetivos, o social, a personagem de artista, de importante, de executivo, seja onde se fez, cumprir o papel, interpretar... Existir, sem existir é que é mais importante. Porque para os objetivos, as metas de vida estarem cumpridas não medimos esforços, atropelamos, passamos por coisas banais e extremamente necessárias. Uma destas é o talento, você o tem, basta prová-lo por papéis, assinaturas e infinita burocracia, num mundo onde quem não tem oportunidade não tem este (bem) (mal) dito talento. E para que a pressa? Por que as presas? Para ver a morte chegar mais cedo? Ou tardar a vida a acontecer?... Enquanto questões como estas fulminam nossa mente o talento vai ficar hospedado mais uns tempos num hotelzinho de uma cidadezinha do interior, doente (talvez ele mesmo esperando a morte) fingindo-se de cego, pois ele bem diz que mais vale ser cego do que ter que ver o que acontece por aí. Até qe alguém se lembre dele de verdade, pra valer!... Enquanto isso, nem adianta chamar.