NA PALAVRA É QUE VOU... * Eu, aqui!
Eu, português, aqui me situo:
Nesta Península europeia, banhada a Norte e Ocidente pelo Oceano Atlântico e a Sul e Oriente pelo mesmo Oceano e pelo Mar Mediterrâneo, eu sou, hoje, resultante de todos os que existiram antes de mim.
Fui ibero, quando a Península assumiu a designação de Ibéria; fui hispano quando o Império Romano decidiu designar a Ibéria como Hispânia; fui andalusi quando a dominação muçulmana chamou Al-Ândalus à velha Ibéria e à romana Hispânia; subsidiariamente, até poderei ter sido sefardita, já que a migração hebraica chamou Sefarad a esta minha muito amada e mátria península.
Não sei o que os rigorosos Historiadores pensarão do que eu digo; mas eu sei que a nostalgia dos tempos passados me leva a reclamar toda esta ascendência, para o Bem e para o Mal.
E não estou sozinho nesta nostalgia. Dos nossos tão antigos avoengos sobressai, entre outros, o lusitano Viriato, ibero e integrante da Lusitânia, chefe assassinado da resistência ao invasor Império Romano mais de um século antes da nossa era. Ora pois! Se a independência de Portugal remonta a 1.143, século XII, falamos de um ibero-lusitano que viveu e morreu (grosso modo) 1.200 anos antes de Portugal existir como país. E aqui chego à nostalgia dos tempos idos. A célebre resposta “Roma não paga a traidores” que terão recebido os assassinos de Viriato quando pretenderam receber o prémio da acção para que haviam sido aliciados está conforme as relações entre vencedores e vencidos. “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.
O Império Romano procedeu como sempre procedem os dominadores: autoridades pela razão da força, trouxeram inegavelmente saber e desenvolvimento e exploraram as riquezas naturais como proprietários que eram de facto.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades / ganhando sempre novas qualidades”, precisou lucidamente Luís de Camões num dos seus sonetos mais famosos.
Está estudada a romanização de muitos e muitos países que surgiram na fase pós-romana. E não tenho conhecimento de os naturais destes países reclamarem o pouco ou o muito de que se apropriou o Império Romano ou de se permitirem apodá-lo de ladrão. E o motivo é claro: conforme o tempo que se vivia, os territórios ocupados eram propriedade do ocupante.
Ao que me consta, corre por aí uma “bem-pensante” teoria de que se deve reescrever a História e, mais ainda, ler o Passado com os olhos do Presente. E assim sendo, avante o julgamento do Passado! Ora do passado mais remoto ao mais recente se reclama a evolução da Humanidade. O Presente não mais é do que o resultado das lutas evolutivas, ora ganhas, ora perdidas, lutas onde venceram ou foram vencidos aqueles que querem hoje sentar no banco dos réus do tribunal do Presente.
Nesta miscigenação actual, quem me garante que no meu sangue não há vestígios de mártires ou de verdugos, de justiceiros ou de rendidos com honra ou sem ela?
Eu, português, aqui me situo como consequência do tudo que me gerou.
Sem preconceitos, sem jactâncias nem penitências e para o Bem e para o Mal, aqui estou na afirmação do que sou, conforme o tempo que vivo.
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José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 28 de Setembro de 2018.