O quarto de brinquedos

“Havia, uma vez, um quarto cheio de brinquedos. Eram brinquedos velhos, estragados, assim como as crianças costumam deixar: carros sem roda, locomotivas sem apito, palhaços de cetim, sem os guizos, gatos puídos, bolas murchas, bonecas sem olhos, pianos sem som e uma porção de quinquilharias sem utilidade e sem forma. Ninguém dava nada por eles.

Um dia chegou na cidade um consertador que, movido de compaixão, resolveu dar nova vida aos brinquedos. Remendou bolas, colocou rodas novas nos carros, as locomotivas voltaram, não só a apitar, mas a puxar composições de fantasia, fermentando ilusões. As bonecas tiveram olhos outra vez, os palhaços foram despertados de sua inércia e davam alegres cambalhotas, os pianos vibravam sons harmoniosos e parecia que tudo se encaminhava para um final feliz.

As crianças foram adequadamente despertadas a usar, de forma eficaz, seus brinquedos, para que todos os objetivos pudessem ser atingidos, mas... E sempre tem um mas.

De repente, as bolas se cansaram de pular; os palhacinhos logo deixaram de fazer graças; as bonecas chegaram à conclusão que ter olhos as obrigava a enxergar; as locomotivas começaram a achar os vagões pesados; os pianos, sem mãos hábeis para tangê-los, iniciaram uma irritante competição, para ver quem desafinava mais.

Como um público insatisfeito com a má qualidade de uma peça teatral, que pede a presença do autor, para vaiá-lo, os brinquedos se voltaram contra as mãos que os havia consertado.

Decepcionado com essa ingratidão, o consertador de brinquedos foi embora, talvez para outros lugares onde valorizassem melhor seu trabalho. E tudo voltou ao que era antes: o quarto cheio de pó, a criança contrariada, e os brinquedos abandonados à situação inicial: carros sem roda, locomotivas sem apito, palhaços sem guizos, gatos rotos, bolas murchas, bonecas sem olhos, pianos sem som e uma porção de quinquilharias sem utilidade e sem forma..”.

Tenho pensado, Senhor, quantas vezes terás querido

entrar em minha vida e dar uma “arrumação geral” e minha

cegueira e auto-suficiência têm preferido ficar na

inutilidade e abandono do estado anterior. Quantas vezes

tens querido me desacomodar, e eu preferido a inércia

dos que não fazem nada? Até quando, Senhor, até quando?

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 27/10/2005
Código do texto: T64406