O poeta e a lua
Os mais belos versos sobre a lua estão contidos nos textos do poeta chinês Li T’Hai Poh, que viveu no século X de nossa era. Seu estilo, no velho molde das baladas da China medieval, fala de sonhos, fantasias e vinho. O velho poeta tornou-se um enamorado da lua, dedicando a ela seus melhores poemas. Suas odes ao prateado satélite deixam a entrever a frustração de uma certa paixão mal resolvida, de amores não correspondidos ou de alguma relação afetiva que não teve o epílogo esperado. As metáforas que ele emprega, inéditas na poesia mundial de dez séculos atrás, estabelecem um paralelo entre ele (o poeta) e sua amada (a lua). Embora os poetas sejam sonhadores, o objeto de sua inspiração é sempre concreto. Assim, não é difícil observar que, mesmo falando na lua, ele se refere a uma mulher. “Lá no alto eu a vejo, fria, branca, nua e insensível... enquanto aqui eu espero o calor que não vem, a luz que é insatisfatória, e a permanência que é efêmera” (in Fantasias da Lua). Em outra passagem, ele se refere ao objeto de seu desejo como alguém egoísta, auto-suficiente e calculista: “Ela (a lua) segue seu caminho, vive sua vida, não se afasta um minuto ou um milímetro... só vai onde mandam seus desejos...”. Olhando bem, muitas vezes há pessoas assim, capazes de levar a cabo relações, romances, coisas endereçadas à sua própria satisfação, a seu prazer, esquecendo-se que lidam com pessoas, que têm espírito, coração e sensibilidade. E vai adiante o menestrel de Canton: “Ela é vadia, vai com todos, não sabe ser de um só... seu brilho alumia a cama do rico comerciante e o catre do vendedor de peixes, não consegue se deter em um só lugar, é volúvel e instável. Quando penso que ela está comigo, ela já desapareceu...”. É notável a construção poética de Li Poh, ao criar uma analogia entre a lua e a mulher que ele amou (e pela qual não foi correspondido): “Às prostitutas se dá dinheiro! À lua, por sua necessidade de brilhar em todos os cantos, nem isso é permitido... eu até me disporia a pagá-la, se isso resultasse um pouco mais tempo em meu caminho”. Até em sua morte Li Poh fez poesia e usou metáforas. Numa bela noite de primavera, quentes como sabem ser as noites de Canton, ele quis beijar a face da lua, refletida na água do rio. Caiu da ponte e, como estava bêbado, morreu afogado.
(artigo publicado em 18/09/2000 no Diário Popular)